Há uma distorção da ideia de peleguismo, associada a uma perspectiva meramente institucional. Imagina-se o peleguismo como uma atitude meramente burocrática, como se inexistisse o caso do líder sindical que compactua com os empresários e realiza muito menos do que sua classe deseja para melhoria de qualidade de vida.
As narrativas, portanto, tentam isentar Lula de peleguismo, quando nós percebemos que ele age como um verdadeiro pelego, que nos bastidores age de acordo com os desejos do empresariado mas, diante do público, tenta arrumar desculpas e difundir mentiras como um sindicalista que, hesitante, tenta explicar aos trabalhadores porque voltou com menos conquistas nas negociações.
Paciência. Sou jornalista e tenho que lidar com fatos. Não posso tratar Lula como um fetiche. Já admirei Lula mas, se ele age de maneira estranha, não posso fazer vista grossa para proteger um ídolo e manter seu carisma intato. A gente vê a realidade diferente do que os lulistas falam, e eu tenho que fazer prevalecer uma narrativa que parte de "esquerdistas de sofá"?
Devemos entender que Lula não é tão mágico que possa transformar um erro humano, quando é cometido pessoalmente por ele, em um acerto. Não vou ressignificar as atitudes e posturas de Lula só por causa da imagem pessoal dele. Lula não está acima de tudo nem de todos. Se Lula decepciona, não se pode ressignificar os motivos dessa decepção para salvar uma idolatria a ele.
Paciência. Jornalista lida com fatos, não está construindo contos de Cinderela para o negacionista factual e seus séquitos lerem e depois irem dormir tranquilos seus sonhos de Peter Pan. Se o jornalista autêntico só traz "coisas ruins", é porque a realidade é ruim.
Devemos parar de considerar que o pior resmungão é aquele que "só vê defeito em tudo". Se a realidade mostra uma série de problemas, ninguém vai ficar selecionando problema para criticar e depois passar pano no resto. O pior resmungão é aquele que não quer ver os outros reclamando porque precisa forçar a barra para que todos acreditem que tudo está bem.
Dito isso, vamos aos fatos. O ministro do Trabalho do governo Lula, Luiz Marinho anunciou o valor do salário mínimo deste ano, que é de apenas R$ 1.518, e todo uma discurseira foi feita para exaltar aquilo que o chefe da Nação define como "ganho real para o povo brasileiro".
Vamos verificar o que Luiz Marinho disse, ao anunciar o novo valor do salário:
"Isso garante um ganho real para os trabalhadores, um compromisso fundamental no processo de distribuição de renda. (...) O salário mínimo pode ser considerado pouco, mas é o possível e reflete o desejo e o compromisso do governo Lula de promover melhorias reais na vida dos brasileiros. Este é apenas o início de uma série de ações voltadas para a valorização do trabalho e a redução das desigualdades".
Marinho disse que o presidente Lula enfatizou que, "enquanto o governo estiver no poder, o salário mínimo será reajustado anualmente acima da inflação". Lula havia divulgado, no seu perfil nas redes sociais:
"Enquanto nós formos governo, o salário mínimo terá ganho real neste País. É uma política que já deu certo e um compromisso nosso com a classe trabalhadora que é fundamental para distribuir a renda nesse país".
Tudo bem, o discurso soa bonito, as palavras agradáveis e as promessas, reconfortantes, até que vejamos o outro lado da coisa, quando se vê a ilusão de achar que um salário mixuruca significaria fartura para as classes populares.
O governo Lula já vai sancionar lei que diminui o índice de crescimento do salário mínimo para 2,5%, contrariando todo o discurso aparentemente generoso do governo. E isso visa o tal arcabouço fiscal, plano do ministro do Planejamento, Fernando Haddad, que pretende atingir o déficit zero com uma medida de cortes de gastos do Governo Federal.
Lula age como um pelego que, não custa repetir, é o termo no qual o representante dos oprimidos faz acordos secretos com os opressores, fazendo com que as antigas reivindicações sociais sejam reduzidas a um padrão mínimo tolerável pelos detentores do poder.
Para um presidente que não mede recursos para as tais "verbas para emendas parlamentares", é um disparate querer limitar o crescimento do salário mínimo, que já ocorria em níveis vergonhosamente medíocres.
Só quem recebe mais do que oito salários mínimos é que não percebe isso. Para quem está bem de vida e de bem com a vida, pouco importa se o outro tem dívidas a pagar, precisa descansar na noite para trabalhar no dia seguinte, ter que trabalhar durante as férias e até nos domingos, e ainda recebe um salário de fome de R$ 1.518 que força as restrições do orçamento pessoal e familiar.
Infelizmente, é esse pessoal que domina as narrativas e, nesta polarização onde temos, de um lado, a direita histérica, a mídia hidrófoba e o golpismo legado do bolsolavajatismo, e, de outro, a esquerda "chapeuzinho vermelho" que só quer viver no mundo da fantasia.
Diante desse maniqueísmo entre o sonho e o pesadelo, há um Brasil mais realista no qual lulistas, bolsonaristas e seus respectivos semelhantes fingem ver mas não têm condição alguma de enxergar. É esse Brasil verdadeiro que segue sua rotina difícil, sem que alguma coisa seja feita a seu favor. E esse pessoal vai sofrer com um salário cada vez menor, enquanto a burguesia que "democraticamente" apoia Lula continua fingindo ser pobre enquanto ganha uma boa grana.
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