Vivemos num país desigual. Quem ganha fácil em concursos de loteria, em promoções de produtos e até em concursos públicos - no caso de obter um emprego com alguma estabilidade - nem sempre ganha porque precisa e, em certos casos, investe nessa sorte sem desejar muito.
E, quando leva, nestes casos em que o ditado popular "Deus dá asas a quem não sabe nem quer voar", o ganhador não dá o devido valor para o dinheiro em excesso que ganha. Não sabendo como gastar, prioriza os supérfluos, gasta muito na empolgação da abundância financeira ou, quando muito, transforma suas poupanças em dormitórios financeiros sem ter necessidade de abrir uma reserva, pois a grana só serve mesmo para alimentar a vaidade com um patrimônio simbólico de status social. Falando mais claro, é o tal status da riqueza, ter dinheiro em excesso como um privilégio social.
No caso dos candidatos a concursos públicos que levam fácil nas provas - mais por apostar numa combinação de letras nas respostas objetivas do que por entender o programa da prova (como, por exemplo, admitir que é difícil assinalar três questões consecutivas com resposta numa mesma letra) - , o servidor, em seguida, não se satisfaz com o cargo porque o salário, apesar de bom, é insuficiente para as extravagâncias que o detentor do cargo público deseja e imagina poder obter com tal emprego.
É claro que existem exceções. Nem todos são "animais consumistas", "mãos-de-vaca" - a não ajudar o próximo lhe dando dinheiro para pagar dívidas ou comprar comida, porque o abastado não quer ficar sem o "dinheiro do cigarro e da cerveja" - ou coisa parecida. Há gente séria que ganha a sorte grande para resolver suas necessidades, assim como há quem ganhe concursos públicos e se torna um servidor exemplar e cumpridor do trabalho de interesse público.
Mas sabe-se que, no caso da última Mega da Virada, várias pessoas ficaram de fora, perdendo a chance de resolver problemas gravíssimos com a aquisição de uma grande soma de dinheiro. Gente que precisa agora redobrar esforços para ver se consegue obter algum dinheiro um pouco mais significativo, mesmo num ritmo lento de acumulação de valor, pedindo aos eventuais credores que tenham alguma paciência.
Três casos comoventes foram citados em vários órgãos de imprensa sobre pessoas que não ganharam a Mega da Virada de qualquer época e, portanto, se entristeceram bastante.
Numa matéria do G1, o comerciante Saul Teixeira, de Bela Vista de Goiás, que organiza há seis anos um bolão que, no último concurso, contou com 500 participantes, num investimento que totalizou R$ 75 mil reais, não conseguiu acertar sequer quatro ou cinco números, correspondentes à quadra ou à quina da Mega-Sena da Caixa Econômica Federal que rendem prêmios em dinheiro com valores inferiores ao prêmio total, mas mesmo assim de alguma forma compensadores.
Segundo o comerciante, as pessoas ficaram muito tristes, porque elas estavam fazendo planos de viagens e compra de fazendas, entre outros problemas a resolver. "Agora é trabalhar, vida que segue", falou, resignado, o comerciante, que afirmou que irá persistir nos bolões da Mega da Virada.
O segundo caso não corresponde à última Mega da Virada, mas merece menção por ter virado meme nas redes sociais. No Rio de Janeiro, um copeiro do restaurante Cervantes, considerado tradicional na cidade, Lúcio Flávio Osório, havia perdido a chance de ganhar R$ 635 mil ao desistir de participar de um bolão com os colegas de serviço, em 2012.
À noite, tinha uma caixinha (gorjeta) que a gente dividia. A caixinha acho que deu R$ 1 e pouco, R$ 1,20 para cada. Aí eu falei: 'Vou pegar aqueles R$10, aí peguei (...) Não era para ser", disse, afirmando que o dinheiro servia para a passagem de volta do ônibus. Depois de desistir de apostar com os colegas, estes foram premiados com R$ 635. Osório comentou com a mãe: "Mãe, nossa, os caras ganharam mesmo!".
Outra notícia correspondeu a uma técnica de enfermagem que achou que ganhou a Mega da Virada mas os números coincidiram com o resultado do concurso, mas ela fez uma aposta diferente da que correspondeu aos números sorteados.
A técnica, que é de Passo Fundo e se chama Josiane Bittencourt, chegou mesmo a comemorar o sorteio ao ver os números que foram sorteados de um bolão. A amiga Nathália Dal Rios registrou a colega comemorando a suposta façanha, mas depois a técnica percebeu que os números que ela apostou eram de concursos diferentes, não da Mega da Virada.
Nathália ironizou dizendo que a frustração da amiga rendeu "uma dose de adrenalina":
"Pena que olhamos a ordem errada. Mas valeu a descarga de adrenalina. Até embora ela foi… Todo mundo do plantão conferiu o cartão junto".
Só que a decepção foi tão grande que a técnica de enfermagem teve que deixar o serviço, indo embora mais cedo, chocada com o fato de não ter ganho o concurso. Nathália postou o caso no seu perfil do Tik Tok e recebeu 450 mil visualizações, além de muitas mensagens solidárias.
A gente observa esse lado sombrio da sociedade brasileira, por trás da "narrativa dos vencedores" que nos faz acreditar que todos absolutamente ganham fácil porque desejam e precisam.
Mas, lamentavelmente, quem ganha demais nem sempre é aquele que mais precisa ou deseja e, mesmo no contexto "democrático" da "sociedade do amor", as desigualdades continuam grandes e cruéis, com os privilegiados tendo demais sem saber como aproveitar esse dinheiro.
Comentários
Postar um comentário