O CANTOR DE SAMBREGA PÉRICLES, EM ENTREVISTA AO FANTÁSTICO, DA REDE GLOBO.
A música brega-popularesca conquistou um grande lobby que permite que seus ídolos veteranos gozem de uma "nostalgia de resultados", o brega vintage, uma farsa para turista inglês ver que engana as pessoas, relançando antigos ídolos popularescos como se fossem a "salvação da humanidade".
Esse grande lobby envolve executivos de gravadoras, arranjadores, produtores fonográficos, executivos de televisão, produtores também de TV e assessores de imprensa, entre outros envolvidos num esquema que faz de tudo para que o ídolo popularesco não seja alvo de críticas severas, gozando de uma blindagem que os bossanovistas, mesmo no auge da Bossa Nova, não gozavam.
Vivemos um establishment do brega-popularesco no qual a desinformação da chamada "geração Z" permite vender gato por lebre, e isso faz com que os ídolos popularescos de carreira mais longa sejam exaltados pela mídia como se fossem "gurus visionários", personagens de um saudosismo de fachada que só serve para vender discos antigos e atrair plateias para novas apresentações ao vivo.
O brega-vintage já teve como precedente a onda da "MPB de mentirinha" que, entre 1998 e 2005, fazia com que nomes do neo-brega dos anos 1990, como Chitãozinho & Xororó, Alexandre Pires, Zezé di Camargo & Luciano, É O Tchan, Terra Samba, Harmonia do Samba e Ivete Sangalo brincassem de "fazer MPB" através de covers de MPB escolhidos de forma calculada, para tentar dar um status nobre a esses ídolos e desviar as atenções do público emepebista em direção aos ídolos popularescos.
A "MPB de mentirinha" já é uma continuidade do projeto perverso de Michael Sullivan e Miguel Plopschi de destruir a MPB autêntica, plano que Alceu Valença denunciou em 2014, sem citar nomes. Mas como o blogueiro que escreve estas linhas precisa honrar a formação em Jornalismo e oferecer algo mais do que noticiar qualquer coisa, fiz questão de dar "nome aos bois" até porque eu vim do tempo em que a marca "Sullivan & Massadas" simbolizava o "império do mal" da música brasileira.
O problema da "MPB de mentirinha" é que as covers serviram de cortina de fumaça para os repertórios constrangedores dos ídolos popularescos, mas esta atitude tendenciosa fez com que esses cantores e conjuntos tivessem as portas abertas para a mídia e o mercado, se beneficiando por uma blindagem maior do que as que os tropicalistas tiveram no auge do establishment caetânico do fim dos anos 1970 (relançado, depois, nos anos 1990 como a "máfia do dendê").
Em meus livros Música Brasileira e Cultura Popular em Crise, MPB Virou Casa da Mãe Joana e o subestimadíssimo Devagar Quase Correndo, eu apresento uma série de questões relacionadas aos problemas enfrentados pela MPB, que em muitos casos precisa coexistir com a música brega-popularesca para poder penetrar em mercados bastante fechados.
Afinal, não são os ídolos popularescos os "excluídos" e os "discriminados", pois eles é que detém o poder. O papo do "combate ao preconceito", que eu desmascarei no livro Esses Intelectuais Pertinentes..., apenas escondia o óbvio: a hipocrisia dos ídolos popularescos que fizeram sucesso puxando o tapete da MPB e do Rock Brasil enquanto se passavam por "vítimas" para conquistar novas reservas de mercado.
E aí vem o brega-vintage cujos nomes principais são Michael Sullivan, Chitãozinho & Xororó, É O Tchan, Odair José, Péricles, entre outros. A música brega-popularesca mais antiga ganha tratamento gourmet da crítica especializada, incapaz, hoje, de falar mal de um único espirro que qualquer desses ídolos venha a dar.
O mais absurdo disso tudo é que torna-se mais fácil xingar Tom Jobim e Renato Russo do que um ídolo brega-popularesco. E a gourmetização está fazendo com que a mediocrização musical brasileira se aproveitasse da carga afetiva que seu marketing desenvolve no grande público para se passar por aquilo que não é: música de qualidade.
As notícias a respeito da entrevista com o superestimado cantor de sambrega Péricles no Fantástico e a celebração dos 40 anos da axé-music mostra que esses estilos, marcados por uma constrangedora precarização musical, agora gozam de reputação maior do que a do Rock Brasil, num contexto em que a geração Z, com seu raciocínio algorítmico, não consegue ver diferença entre Cazuza e Roger Rocha Moreira, fazendo com que o saudoso cantor carioca "apanhasse", juntamente com Renato Russo, só por serem confundidos com "artistas ressentidos".
E aí o raciocínio torto da geração que consome trap e sofrência como se fossem grandes coisas fica imaginando que "Brasil", de Cazuza, e "Que País é Este?", de Renato Russo, seriam "hinos bolsonaristas", enquanto a bobagem que é a música "Xibom Bom Bom" seria "baseada" no socialismo científico de Karl Marx, uma tese que, vamos combinar, cairia melhor nas piadas do antigo Planeta Diário, um dos embriões do Casseta & Planeta.
Na verdade, o que se vê, na gourmetização da música brega-popularesca, é uma grande relação de negócios que está por trás dessa "ressignificação" desta que é a música popular-comercial do nosso país. Um pop rasteiro mas tão ou mais comercial do que o já comercialíssimo pop estadunidense.
Esta gourmetização não melhorou a qualidade da música brega-popularesca, apenas tornou as músicas mais "palatáveis". Em vez de se apostar na MPB autêntica, baseada no humanismo e na força natural de suas canções, se investe numa música digestível, mas de valor duvidoso, mas com apelo suficiente para confundir memória afetiva com genialidade.
Isto quer dizer que canções popularescas passam a ser cultuadas porque foram tocadas em algum momento da vida de uma pessoa. Isso não representa valor artístico algum. É apenas o consumo de sucessos musicais dentro de uma circunstância em que, por coincidência, houve algum prazer ou alegria.
Mesmo assim, há todo um aparato na gourmetização da música brega-popularesca que faz com que seus ídolos sejam valorizados acima do que realmente são, cantores e grupos medíocres, embora parecessem "divertidos" e "emocionantes" para o público atual.
É triste haver que essa farsa toda, alimentada pelo brega-vintage, esteja contaminando ouvidos, corações e mentes dos brasileiros. O que mostra que o nosso país vive uma situação cultural deplorável, o que oferece terreno para esse comercialismo enrustido que compra até a crítica especializada, hoje ocupada em passar pano na mediocridade musical dos sucessos de ontem, de hoje e da próxima temporada.
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