É difícil esclarecer e explicar as diferenças de certas ideias, por elas parecerem semelhantes entre si e, por isso, sua confusão é inevitável. Delimitar as diferenças entre elas geram incômodo e os debates se tornam tensos, para não dizer violentos, por conta dessa tentativa de discernimento.
Penso nisso quando se fala na diferença entre "fazer História" e "manipular a História". As diferenças não são nítidas, mas sutis, e não raro há a pergunta de que todo agente histórico não estaria manipulando a História a seu favor.
Vamos explicar as diferenças. Afinal, a História é a memória do passado, mas, à maneira de um bolo que só toma formato com o tempo, ela não se formata a partir dos seus resultados. Um fato histórico é resultante de algum esforço, desastre, imprevisto, improviso ou qualquer outra ação que, no calor do momento, parece indefinida na maioria das vezes.
Neste sentido, "fazer História" não é manipular os fatos históricos ao favor de alguém. É aproveitar uma circunstância ou sofrer um imprevisto que pode trazer um efeito negativo ou positivo conforme a ocasião, mas nada premeditado. Um grande personagem histórico não está preocupado em ser um personagem histórico, mas em realizar um propósito que só é considerado histórico pelos efeitos trazidos pela posteridade, muitas vezes após o falecimento deste agente histórico.
"Manipular a História" é diferente. É mover as circunstâncias com o objetivo de promoção histórica. A personalidade já tem a pretensão de soar "histórica", produzindo façanhas artificiais que chamem a atenção de uma grande parcela de pessoas, sem no entanto ter a espontaneidade ou a imprevisibilidade dos verdadeiros fatos históricos.
Getúlio Vargas fez História. Suas inúmeras atitudes, cujos exemplos vão do Salário Mínimo à Petrobras, possuem um grande valor histórico não pela pretensão de atingir esta condição, mas de trazer mudanças e transformações na posteridade. O líder trabalhista gaúcho buscava transformar o Brasil, realizar mudanças necessárias e profundas cujos efeitos se refletem até os nossos dias.
Lula, infelizmente, não quer "fazer História". Ele quer manipular a História a seu favor. Acha que a História é um poço de desejos e a campanha eleitoral do petista foi uma coleção de pretensões e trapaças. Sim, temos que dizer que Lula trapaceou, pois entre outras coisas ele puxou o tapete dos concorrentes da corrida presidencial - como na Teoria da Projeção Freudiana, Lula massacrou Ciro Gomes, mas se dizia "agredido" pelo pedetista - e faltou a debates presidenciais estratégicos.
O que se vê nas viagens de Lula ao exterior são apenas encenações. Assim como nas cerimônias de lançamento de projetos, Lula também faz sua encenação, falando demais e prometendo, se possível, até descobrir a origem do universo.
Nota-se que Lula é até um personagem histórico, pelo seu passado de sindicalista. Mas hoje Lula se tornou paródia de si mesmo, e o Lula atual está mais preocupado em se "fabricar" como personagem histórico, mais produzindo factoides políticos do que façanhas reais.
Só os 30% de brasileiros que votaram em Lula e que, em maioria, se trata da elite do atraso que se julga "a sociedade mais legal do planeta", é que acham que Lula "faz História" tanto ou mais do que Getúlio Vargas. Mas a verdade é que Lula atualmente não anda tão "histórico" assim, pois ele está mais para grandiloquência do que para grandeza.
Exemplo é o papelão de um comício de campanha no Vale do Anhangabaú, aqui em São Paulo. Lula queria fazer uma reconstituição do Movimento Diretas Já, mesmo sendo apenas um comício de campanha presidencial. Acreditando na "democracia de um candidato só", Lula, da forma como pronunciava a palavra "democracia" e seus derivativos ("democrático", por exemplo), fez a palavra se tornar enjoativa, ao ser associada à frente ampla demais. O espalhafatoso comício reuniu muita gente, mais foi um fracasso em relação ao propósito de ser um "comício histórico".
Quando se faz História, se espera que a posteridade julgue algum ato histórico. Os efeitos podem surgir cedo ou mais tarde, mas geralmente é no futuro que eles se tornam mais definidos. O juízo da História está sempre no futuro, não no presente. Não se busca reconhecimento histórico, o reconhecimento da História sempre se dará na posteridade, no caso de um agente histórico ter deixado sua marca na humanidade.
Lula quer que a História lhe julgue agora. Ele persegue artificialmente uma grandeza que lhe escapou das mãos, quando ele resolveu se aliar com a frente ampla demais e cometeu os inúmeros erros de sua campanha, inclusive um "clima de festa" que o fez ir para uma praia do Ceará, fechada para seu namoro praiano com a Janja, enquanto o Brasil vivia um clima distópico.
Lula manipula a História como alguém que, perdendo o trem que foi embora, acha que pode puxá-lo de volta para lhe permitir o embarque. Lula persegue o reconhecimento histórico como um adolescente que quer ser considerada o mais popular da escola. Por isso é que ele está fazendo uma performance mais confusa do que a dos dois mandatos anteriores, quando o petista tinha uma atuação mais admirável.
O Lula de hoje é um poço de pretensão e exibicionismo. Um Lula que faz pouco e só faz falar. Um Lula que acha que pode tudo, que pode errar que sempre será visto como o correto, como o infalível. Um Lula que pode se aliar com os neoliberais, com a Faria Lima, com Roberto Campos Neto, com os EUA, e depois se lançar contra eles num conflito que, às vezes, tem fundo de verdade, como no caso dos juros altos, mas que em outros soa bastante forçado, como a crítica ao "mercado".
O povo pobre está cético com Lula. Quem acha que o povo pobre está totalmente com amores por Lula, está enganado. Lula não contribuiu para a conscientização política das classes populares, que ainda por cima foram vítimas da sabotagem dos intelectuais pró-brega (Paulo César de Araújo e companhia) que, sob a retórica do "combate ao preconceito", desmobilizaram o povo, que foi se divertir dançando o brega, o "funk", o tecnobrega, a axé-music, a sofrência, o arrocha, o piseiro etc, enquanto a direita se articulava para o "combate à corrupção".
Lula não é o novo Getúlio Vargas e é constrangedor que o atual presidente se julgue "dono" do brizolismo, criando uma pantomima em relação à privatização da Eletrobras. Essa atuação de Lula contra a privatização não é a sombra do que o saudoso Leonel Brizola havia feito ao estatizar, através de uma canetada, duas empresas estadunidenses, uma de telefonia, outra de energia elétrica, que atuavam no Rio Grande do Sul. Lula se limita a fazer um ato protocolar, "pedindo" na Justiça a investigação do processo de privatização que pode ser cancelada ou não.
A sucessão de atitudes de Lula, feitas mais para trazer movimentação estonteante de notícias do que para trazer realizações concretas, que até agora não chegaram, mostram que o atual presidente do Brasil não está aí para fazer História, como se entende como um processo espontâneo de deixar um legado para a humanidade.
Lula manipula a História, como se ele fosse o piloto do futuro, como se as circunstâncias tivessem que obedecer ao petista. Em relação aos neoliberais, por exemplo, Lula acha que, à maneira de um pai cujo filho lhe pede para atender todos os pedidos da criança, os neoliberais podem fazer todos os favores ao petista, ou aceitar as divergências que o presidente do Brasil tem com forças e pessoas como Roberto Campos Neto, Joe Biden e o empresariado da Faria Lima.
Lula pode até virar, na posteridade, um personagem histórico. Mas não será da forma como o presidente deseja. Lula quer ser reconhecido como missionário, líder mundial e, quem sabe, com um Nobel da Paz na mão, não o outrora merecido Nobel que pediu o beneficiário do prêmio em 1980, o intelectual argentino Adolfo Perez Esquivel, pelas antigas façanhas do presidente em mandatos anteriores. Lula quer o Nobel da Paz hoje pela presunção de atuar na paz entre Rússia e Ucrânia, roubando da ONU tal missão e sob o risco de reconstruir a Ucrânia mais rápido que o Brasil.
Lula será conhecido como um personagem histórico através de um mandato decepcionante, que pode trazer realizações positivas, sim, mas estará bem longe de representar a grandeza que colocaria o petista acima de Getúlio Vargas, este até agora insuperável em suas façanhas políticas. Isso porque nota-se que o atual mandato de Lula é mais medíocre do que os anteriores, quando se via que Lula trabalhava mais e falava e se ostentava menos.
Hoje Lula é apenas uma caricatura espalhafatosa do presidente que governou o país entre 2003 e 2010, em dois mandatos realmente bons, mas longe de serem revolucionários. Em todo caso, o Lula destes dois mandatos era melhor e mais promissor do que o popstar que faz festa num país arrasado e finge que faz quando apenas promete, propõe e opina. Este é o preço de Lula ter negociado com a direita brasileira para deixar a prisão, abrindo mão de sua antiga essência e hoje sendo apenas um holograma do que havia sido em seus tempos áureos de líder trabalhista.
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