ESTÁTUA DO LÍDER ABOLICIONISTA, LUIZ GAMA, DE YOLANDO MALLOZZI, SITUADO NO LARGO DO AROUCHE, REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO.
Triste Brasil de uma classe média que acha que tudo está bem. Está bem para quem tem vida ativa no Instagram e pode passear de carro pela cidade, jogar conversa fora bebendo cerveja num bar nos fins de semana, e, por isso, tanto faz Lula ficar viajando o tempo todo para o exterior. É a "boa" sociedade que esteve próspera sob Temer e Bolsonaro, que vive sua opulência sob chuva ou sol, daí o pouco caso com a "reconstrução do Brasil" que ninguém esclarece se já ocorreu ou ainda vai ocorrer.
Mas temos, por outro lado, um monte de gente em situação de rua. Quando passei de ônibus pelo Largo do Arouche, no Centro de São Paulo - a referida praça tornou-se famosa por ser creditada como o bairro do enredo da sitcom Sai de Baixo, da Rede Globo, menção retribuída por um bar com o nome do seriado - , vi a estátua do grande líder abolicionista Luiz Gama (1830-1882), um advogado negro autodidata que defendeu muitos escravos, e um audacioso defensor da Abolição.
A estátua é de autoria de Yolando Mallozzi e foi feita em 1931 - portanto, contemporânea ao Cristo Redentor do Rio de Janeiro - , em razão do centenário de nascimento do subestimado Luiz Gama, que foi um dos que mais se empenharam para combater a escravidão no Brasil.
Pois o dado muito triste é que, diante dessa estátua, permanecem pessoas em situação de rua, algumas vivendo na cracolândia, nas proximidades, e passando pelo local. Outros já vivem no local, alguns com barracas de acampamento, outros só com a roupa no corpo. Um cenário triste, de desolação, de gente que não tem a quem recorrer.
Ainda repercutem muito pouco os meus textos criticando o atual cenário político, essa acomodação e a sensação de que, apesar da urgência da reconstrução do Brasil, tudo já está bem. Não se pode criticar isso. Legal é permanecer na confusão.
Para lacrar geral, eu tenho que escrever que Lula, ao opinar, "está agindo", não posso dizer que janeiro de 2023 foi estéril em medidas sociais e tenho que acreditar que o Brasil, ao mesmo tempo, está sendo reconstruído e está bem, e nem começou a tal "reconstrução" já se tinha o Festival do Futuro de atrações majoritariamente popularescas e o Carnaval de Salvador. Zona de Perigo é apenas nome de sucesso carnavalesco, por sinal uma música de baixíssima qualidade artístico-cultural.
E aí temos que prestar atenção nos miseráveis extremos que, dias atrás, invadiram uma farmácia e um mercado na Av. São João para saquear produtos. Eles não vivem no Brasil-Instagram da elite do atraso que não quer ser reconhecida por este nome porque senão ela chora.
Não foi para isso que o ex-escravo Luiz Gama lutou durante sua vida. Ele foi um dos que deram duro para tornar o Brasil mais justo, embora a escravidão fosse uma causa defendida até por pessoas de "boa índole" na época. Naqueles tempos, as elites eram escravocratas e elas, no seu contexto, também ficavam tristes se eram consideradas "atrasadas". Se até os ancestrais dos intelectuais pró-brega de hoje, os intelectuais do Brasil colônia, eram escravocratas severos...
No entanto, a escravidão continuou sempre no interior que vive na eterna condição de "terra sem lei". E se há trabalho escravo até nos prestadores de serviço do Lollapalooza Brasil, então a situação está feia. Só a "boa" sociedade, dentro de sua "bolha", não percebe.
Nas "bolhas sociais", tudo está bem, Lula pode viajar que o Brasil se "reconstrói" por si só, com Deus o coração, cerveja no copo e bola no gol. As pessoas não sabem que a situação do país está complexa, e e vergonhoso que a estátua de um abolicionista pouco valorizado, mas que foi o mais dedicado e ousado entre os abolicionistas, está situada num cenário em que os descendentes dos antigos escravos vivem a escravidão existencial da falta de amparo, abandonados por um Brasil que acha que "está tudo bem".
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