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O JULGAMENTO DA HISTÓRIA NÃO SE FAZ NO PRESENTE

 
A arrogância com que um grupo de intelectuais, jornalistas, técnicos e políticos em torno de Lula querem se achar os "donos da História", achando que podem antecipar o julgamento do mérito histórico pela combinação de impressões pessoais, solipsismo e pensamento desejoso faz com que muitos acreditem que o atual governo do petista seja algo como um governo de contos de fadas que, num milagre, irá fazer o Brasil se tornar, finalmente, um país de Primeiro Mundo.

A visão é assustadoramente infantilizada, vinda de pessoas com respeitável bagagem, notável experiência e mais de 60 anos de vida. A presunção de que o Brasil vive hoje o período histórico mais grandioso desde 1500 é de uma ingenuidade que preocupa, pois até parece que todos estão predestinados a gozar de uma boa reputação na posteridade.

É complicado explicar a diferença entre "fazer história" e "manipular a História". No caso do presidente Lula, desde a campanha eleitoral ele tenta manipular a História, criando factoides com o objetivo premeditado de serem considerados como "grandiosos" no futuro. Lula acha que o destino é seu poço de desejos, pois o petista acha que pode fazer o que quer, mesmo não tendo condições nem contextos favoráveis.

A obsessão por grandeza, típica da grandiloquência, já fez Lula pagar pelo pretensiosismo. O palco imponente no Vale do Anhangabaú, aqui em São Paulo, durante a campanha presidencial, que deveria ser um divisor de águas com o "histórico comício da democracia", não deu mais do que um habitual e morno comício eleitoral.

Lula queria ser o "candidato único da democracia", através de uma campanha definida como "plebiscitária", se antepondo a Jair Bolsonaro. A campanha de Lula, que pretendia ser "histórica", com um voto em massa de todos que desejavam um Brasil democrático, resultou apenas numa vitória apertada de 60 milhões de votos, contra 58 milhões de Bolsonaro.

No começo do novo mandato, Lula, em vez de trabalhar para imediatamente reconstruir o Brasil, resolveu viajar. Ele mudou a prioridade, colocando a política externa acima do combate à fome, causa esta que fez Lula chorar nos discursos e até se lembrar da mãe, dona Lindu. A mudança de prioridade, que só quem é fanático pelo petista não percebeu, não deu bons resultados.

Lula, querendo ser responsável pela paz entre Rússia e Ucrânia, buscando a reputação de "pacificador" e "grande líder internacional", acabou sendo visto como "ingênuo", sua proposta de um "clube da paz" não foi aceita pelos dois países em conflito e Lula ainda entrou em clima de "saia justa" com os EUA, que acusavam o presidente brasileiro de colaborar com o presidente russo Vladimir Putin.

O único triunfo foi aquele típico da Síndrome do Herói Astronauta: aquela em que a pessoa viaja no exterior para ser reconhecido apenas no seu lugar de origem, sem obter o reconhecimento sonhado lá fora. Ou seja, apesar de Lula ter conseguido uma colocação na lista das 100 personalidades mais influentes da revista Time, sua aparição no exterior foi como fogo de palha, criou um estardalhaço provisório, que pode durar enquanto Lula se meter o nariz no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Para piorar, Lula, enfatizando demais a política externa, "ganhou" de presente o aumento de desemprego de quase 9%, um bom tiro no pé para quem falava que iria imediatamente "trabalhar duro para reconstruir o Brasil". Mesmo que os resultados positivos demorassem, deveria ter havido, no alvorecer de janeiro último, um trabalho exaustivo para ao menos minimizar os prejuízos herdados de Bolsonaro, com medidas enérgicas para combater a fome, a miséria e o desemprego.

Lula pagou com prejuízo a sua mania de parecer grandiloquente, tentar mostrar o Brasil ao mundo sem ter arrumado a casa. Lula queria "fabricar a História", acabou arrumando problemas. Embora a mídia progressista não usasse uma vírgula sequer para criticar esses erros, nos bastidores Lula deve ter se envergonhado de um erro estratégico, que derruba a ilusão de que o presidente brasileiro é um "grande estrategista".

Os próprios jornalistas também tentam "manipular a História", escrevendo no presente como se hoje fosse o passado, como se o julgamento da História já tivesse sentenciado o papel de Lula como um herói histórico maior do que Getúlio Vargas.

Impossível. Vargas fez realizações de grande envergadura, reformulou boa parte das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais - seu Ministério da Educação e Saúde acolheu modernistas como Sérgio Milliet e o grande Mário de Andrade - , com obras, projetos e medidas que causaram impacto e refletem até em nossos dias.

Já Lula não fez projetos que causassem grande impacto. Trouxe benefícios notáveis, sim, mas incipientes. Beneficiou muitos brasileiros, sim, trouxe conquistas. Mas nada que fosse revolucionário e, em comparação com Vargas, soam até tímidos e moderados, além de terem sido instáveis e frágeis, tendo sido desmontados sem muita dificuldade por Michel Temer e Jair Bolsonaro. A ditadura militar teve dificuldades para desmontar boa parte do legado varguista, diga-se de passagem.

Os jornalistas da mídia progressista, embora conceituados, hoje parecem crianças brincando de serem historiadoras. Escrevem seus artigos como se o presente momento já fosse um passado remoto e de grande importância histórica. Como ocorre entre os lulistas, há um confronto de tempos verbais que faz confundir promessas, propostas e opiniões como se já fossem ações.

Sonham com uma posteridade tão gloriosa quanto imaginam ser o atual governo Lula, que vive o contraste entre a grandiloquência e a falta de ações concretas. Lula só vai pensar nos trabalhadores com cinco meses de atraso, e os resultados positivos do seu governo podem até aparecer, mas eles estarão muito longe de colocarem o Brasil no Primeiro Mundo.

Getúlio Vargas continua e continuará sendo um gigante, diante da pequenez de Lula que insiste em cometer erros, movido pelos seus impulsos.

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