Um portal de mídia de esquerda, de maneira desavisada, foi publicar um texto de um "médium espírita" muito famoso, mas extremamente conservador. A motivação era a costumeira ilusão de que o sujeito, pioneiro na literatura fake e famoso pelo ultraconservadorismo ideológico, carrega em si a fama de "homem caridoso", que supostamente viveu "na dedicação do amor ao próximo". Com a reação indignada de vários leitores, evocando o perfil reacionário do religioso, o portal teria retirado a postagem.
Esquecemos que essa narrativa, plantada durante a Era Geisel, em pelo AI-5 que transformava a grande imprensa, salvo exceções, numa "fábrica de mentiras", é tendenciosa e de valor verídico duvidoso. Antes de 1974, o "médium" de Uberaba, famoso pelo uso de uma peruca e, depois, de um boné, era apenas uma figura pitoresca, tratada como atração de circo.
Essa postura pitoresca e sensacionalista era justificada por muitos por conta de supostos contatos que o dito "médium" dizia ter feito com os mortos - que, segundo matéria de Realidade de novembro de 1971, foi confirmada por exames médicos como fruto de uma alucinação mental, pois de "mediunidade" o "maior médium do Brasil" nada tinha em hipótese alguma - , o que foi depois retrabalhado pela mídia como um pretenso "trabalho de caridade".
A ideia é incluir o "médium espírita" entre os líderes religiosos conservadores feitos para desviar o grande público da apreciação dos católicos progressistas que, através da Teologia da Libertação, se constituíram em grande oposição política à opressão militar, denunciando crimes diversos, das delegacias do DOI-CODI à pistolagem nas áreas rurais, em órgãos humanitários do mundo inteiro.
Desta forma, "médiuns espíritas" e "bispos neopentecostais" vieram como "novidades" que serviram, naqueles anos do período do general Ernesto Geisel, como "cortina de fumaça" da crise da ditadura militar, assim como serviram de artifício para enfraquecer a Igreja Católica, então empenhada em combater o regime. As "novas" religiões, Espiritismo brasileiro e Neopentecostalismo, foram usadas usando como desculpa a "diversidade religiosa".
E aí passamos a ter uma narrativa que, repetindo feito disco arranhado, que sempre usava a "caridade" como uma carteirada, sempre martelando a desculpa de que "ele cometeu erro tal e qual, mas pelo menos fez caridade", "ele pecou, mas pelo menos ajudou o próximo", entre outras baboseiras.
Em primeiro lugar, essa caridade nunca existiu. Doar pacotes de mantimentos e escrever cartinhas usando nomes de mortos - através de técnicas fraudulentas como a "leitura fria" (interpretação subliminar de gestos humanos de depoentes) e pesquisas de fontes diversas - nunca foram atos realmente de ajudar o próximo, antes mais parecendo artifícios para abafar a prática de um crime previsto pelo Codigo Penal a partir de 1940, o charlatanismo.
O charlatanismo consiste no uso de práticas supostamente milagrosas feitas por uma pessoa traiçoeira para atrair adeptos e causar impressão nas pessoas, com o objetivo de extrair delas alguma vantagem, em grande parte financeira, mas não só isso. Não por acaso, o tal "médium" de Uberaba começou a desenvolver seu Assistencialismo padrão "lata velha" (ver Luciano Huck) logo após a criminalização do charlatanismo.
Como o Brasil é um país cheio de gente ingênua, a armação funcionou e o "médium", marcado pela desonestidade e pelo reacionarismo que o fazia ser bolsonarista antes mesmo de Jair Bolsonaro nascer, passou a ter sua imagem mudada, a ponto de receber alcunhas constrangedoras como "lápis de Deus", "homem chamado Amor", "carteiro de Deus" e "médium dos descamisados".
Desta forma, entre uma "caridade" e outra, ele publicava obras fake que nem de longe lembram os autores mortos originais. Em profunda revanche contra uma resenha irônica de Humberto de Campos, o "bom médium" aproveitou a morte deste escritor para forjar um "autor espiritual" diferente do que o autor foi em vida, o que virou um caso policial que, em 1944, resultou em impunidade, por ação de um juiz suplente não muito diferente do Sérgio Moro de tempos recentes. E, impune, o "médium" ainda assediou o filho homônimo de Humberto para evitar a continuidade das ações judiciais.
Temos que martelar tudo isso: literatura fake, usurpação e depreciação da memória de Humberto de Campos, apoio a fraudes de materialização, morte suspeita do sobrinho do "médium", Amauri Pena, e defesa radical da ditadura militar, que lhe rendeu condecoração da Escola Superior de Guerra, colocando o "médium" de Uberaba - nas horas vagas, serviçal dos "coronéis" do gado zebu do Triângulo Mineiro - como um colaborador da ditadura mais empenhado do que o já empenhado Cabo Anselmo.
Aí as pessoas tentam dizer. "Tudo bem, tudo bem, mas ele ao menos fez caridade, né?". Não, não fez. A ideia de que doar uns poucos mantimentos para famílias pobres numerosas ou de escrever cartinhas hipócritas, na verdade, não são atos de amor ao próximo, mas artifícios de promoção pessoal do ídolo religioso que só provocam a "masturbação pelos olhos" de muitos, ou seja, quando o ato de chorar e se comover acaba virando uma mania, um divertimento, uma sensação que muitos imaginam ser "saudável", mas é feita às custas do sofrimento alheio, o que é uma crueldade e não uma caridade.
Imagine receber de um criminoso um telefonema no qual um cumplice imita a voz de um suposto sequestrado, digamos um familiar do receptor da ligação, tido como vítima de sequestro, e o farsante pede o resgate através de um apelo traiçoeiro. Nada muito diferente do "médium" que manda uma suposta mensagem de algum familiar de um morto, alegando que ele "está bem" e envolve os parentes vivos numa esfera de deslumbramento astral, caindo na armadilha das mensagens fake.
A distribuição de mantimentos, então, é uma grande farsa. Primeiro, porque o "médium" não mexeu um dedo para fazer tais doações. Quem faz são os adeptos, que vêm com o "material": mantimentos diversos, como alimentos, material de higiene pessoal, roupas etc. Apenas uma parte delas é aproveitada para a "caridade", com pequenos pacotes que mal dão para sustentar famílias pobres em dois dias, mas rendem comemorações das instituições "espíritas" por até um ano por cada ato realizado.
Lembremos que boa parte do "material da caridade" é desviado para abastecer brechós, quando as roupas estão em excelente estado e são mais caras, e pequenos mercados, quando pacotes de alimentos e de produtos como cremes dentais nem foram abertos. Um velho "médium" que se revelou bolsonarista também realizou muitas excursões pela Europa e EUA, quase nunca ficando na sua instituição no bairro de Pau da Lima, em Salvador. "Milagres" que o dinheiro da "caridade" faz para financiar o turismo pessoal durante décadas pelas nações mais ricas do planeta.
Devemos parar com esse papo de "caridade", que também fez Madre Teresa de Calcutá, "santificada" por uma dor de barriga de um brasileiro, usar a "bondade" como carteirada. Quando bondade, caridade e altruísmo viram "carteirada", desculpa para qualquer relativização dos defeitos, é bom desconfiar.
Os verdadeiros altruístas nunca usam o amor ao próximo como carteirada, como motivo de vaidades por sinal não assumidas. Porque usa-se desculpa para tudo, fingindo não querer o retorno financeiro, fingindo não querer a promoção pessoal, falando o tempo todo baboseiras como "fazer o bem sem olhar a quem", por sinal uma "caridade" que é falada em excesso e nunca de fato praticada.
Essa "caridade" nunca ajudou realmente os pobres, e a nossa elite do atraso, que não quer ser conhecida por este nome porque senão ela chora, confunde as coisas, acreditando que "caridades" paliativas que só "aliviam a dor do sofrimento" pudessem "transformar vidas", algo que nunca aconteceu. Nessa "caridade" representada por "médiuns" brasileiros e pela "madre" albanesa em Calcutá, a fome e a miséria apenas tiram alguns dias de folga, mas não tardam a "matar a saudade" de morar junto aos aflitos e desafortunados.
Devemos admitir que essa "caridade" só garante mesmo a idolatria cega aos pretensos filantropos que enfeitam suas biografias nada honrosas com pretensos atos de "amor ao próximo" que, na verdade, estão muito longe de realmente amar os aflitos, tratados como animais domésticos, como subalternos, gente sem nome e desprezada mesmo diante das doações cerimoniosas dos precários donativos. É um horror ver uma foto, na Internet, com mulheres pobres beijando a mão do tal "médium" de Uberaba, que não escondia seu ar de arrogante vaidade, como um faraó saudado pelos escravos.
Não, meus caros. Isso não é amor ao próximo. Isso não é altruísmo. É mais uma propaganda enganosa para garantir o bom mocismo das elites do atraso, pois essa "caridade" que blinda a reputação do "médium" de Uberaba a cada lembrança de seus gravíssimos erros (para não dizer crimes, como o charlatanismo e a falsidade ideológica do uso dos nomes dos mortos para propaganda religiosa) em nenhum momento representou melhorias reais, profundas e definitivas para o povo pobre, refém de todo um esquema tendencioso de Assistencialismo religioso dos "espíritas".
Devemos, portanto, desconfiar dessa "caridade" que é muito falada e quase nunca praticada. Uma "caridade" que coloca o suposto benfeitor acima dos necessitados. "Caridade" feita para acobertar ou abafar todo tipo de erro. Se os brasileiros não pararem com essa idolatria barata, acabarão demonstrando uma falta de sensibilidade e de humanismo, já que o "centro" das ações acaba sendo o pretenso benfeitor. Os mais necessitados são apenas "um detalhe", pouco importando se voltaram a ter fome ou miséria, quando o que mais importa, para a "boa" sociedade brasileira, é "santificar" farsantes religiosos através da caridade como carteirada.
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