AS MESMAS ELITES QUE USARAM "DEMOCRACIA" E "LIBERDADE" COMO PRETEXTOS PARA PEDIREM O GOLPE DE 1964 AGORA SE PASSAM POR "PROGRESSISTAS DE ESQUERDA".
Infelizmente, a vida não é um conto de fadas e o presidente Lula, o "dono da democracia" que se comporta como o ursinho carinhoso da Faria Lima, está cometendo muitos erros dentro de um cenário social e culturalmente devastado.
Temos uma "democracia" que já começou com trapaças e, o que é pior, com o descumprimento dos compromissos democráticos de enfrentar a competitividade eleitoral. Lula fala em "democracia" como se fosse o dono dela, como se somente ele pudesse enfrentar Jair Bolsonaro e, se valendo mais de seu carisma, não apresentou programa de governo e, de propósito, agendou comícios em horários que chocassem com os debates do SBT e da Record, justamente os campos adversários.
E isso é gravíssimo. Lula, fanático por futebol, corintiano de carteirinha, não sabe que, para fazer gol, um artilheiro tem que justamente enfrentar o campo adversário, driblar os jogadores rivais um a um, para assim ir em direção ao gol e marcar ponto com a bola entrando na trave, sem que o goleiro pudesse impedir esse ato. Eu não curto futebol e me lembro dessa regra, e Lula deixou de jogar no campo adversário e só marcou poucos pontos: 60% contra 58% de Bolsonaro. Tecnicamente, um 2x1 que animou o "capitão".
Leio muito História e me informo muito das coisas. Pesquiso muito e tento conferir se um suposto fato é real ou não. Sou de esquerda, defendo a democracia, mas prefiro ter cautela em relação ao momento político e sociocultural atual.
E isso não é porque eu, supostamente, sou o mais experiente por ter 52 anos (farei 53 em março), mesmo porque tem gente 5, 10 ou 20 anos mais velha do que eu que acredita em fantasias. O nosso presidente anda flutuando na nuvem nove de seus sonhos. Lula, nascido há cerca de 79 anos, virou o menino mimado da História em geral, a mundial e a brasileira, e quer que o Destino lhe atenda a todas as vontades.
Hoje temos um momento muito mais frágil do que parece e do que qualquer mente mais realista possa admitir sem trair algum otimismo. Muitos falam que os tempos mudaram, que os contextos são outros, que os EUA, em tese, apoiariam um regime socialista no Brasil, que as instituições liberais não iriam fazer um golpe e até a burguesia brasileira teria passado a gostar de Karl Marx e até de Che Guevara.
Prefiro ter muita cautela com isso. Prefiro não acreditar em "democracia consolidada".
Lamentavelmente, vejo no atual governo Lula um governo do faz-de-conta. Um presidente que, na campanha, preferia ouvir opositores que aliados, colocou um rival como vice-presidente, não mostrou programa de governo e faltou a debates estratégicos, e, no governo, destituiu pessoas de mente progressista e ação técnica de ministérios e outros cargos importantes, e, enquanto dá aumentos medíocres ao salário mínimo, derrama rios de dinheiro para parlamentares aprovarem projetos do governo.
Esse faz-de-conta se dá porque se finge que o governo está "mais à esquerda" que os anteriores, usa-se o termo "estratégia" para passar pano nos erros de Lula, que desenvolve uma estranha "democracia do eu sozinho", em que só ele decide e governa, enquanto seus pares agem de acordo com ele e o povo brasileiro apenas festeja.
Por que escrevo linhas aparentemente tão pessimistas? Primeiro, porque o protagonismo das esquerdas brasileiras é artificial, postiço, aproveitando as brechas do Supremo Tribunal Federal e da verdadeira protagonista do cenário político de hoje, a direita moderada, que aliás atua como "árbitra" do jogo da polarização entre Lula e Bolsonaro.
Segundo, porque o Brasil vive um período sociocultural devastado, com bregalização musical, subcelebridades, reality shows e todo um rol de retrocessos culturais dos últimos 60 anos, dos quais parte deles, infelizmente, é tratada não como um velho entulho, mas como uma pretensa relíquia saudosista.
Só para citar alguns exemplos. Se a "melhor atração" do Reveillon da Avenida Paulista, aqui em São Paulo, é a dupla de canastrões Chitãozinho & Xororó, se o que se vende como "vanguarda" é o constrangedor "funk", se o "gênio da MPB" hoje é o imitador barato de pop estadunidense, Michael Sullivan, se os livros que mais vendem são de auto-ajuda, se o "maior grupo performático" é o É O Tchan, se o teatro e o cinema de hoje são americanizados e se a maior atração da TV é o Big Brother Brasil, então não há verbas do Ministério da Cultura que melhorem esse lixo cultural todo.
Mas ainda se exaltam "médiuns" charlatões e reacionários com mais de 400 livros de mentiras medievais, passando pano nos seus erros. O Brasil supera, em fanatismo futebolístico, britânicos, argentinos e italianos porque nosso futebol é gourmetizado como uma pretensa "batalha político-cultural", coisa que não existe em outros países. Aqui cerveja é "néctar dos deuses", embora se beba com a voracidade de quem bebe água num deserto, e em quantidades diluvianas.
Então, nosso cenário sociocultural é dos piores, herdado dos retrocessos trazidos pela ditadura militar, a completar 60 anos este ano, e que se tornaram o "novo normal" do brasileiro padrão. E por que isso se deu? Porque os valores estavam "acima" de todas as ideologias, de todos os tempos e de todas as classes, surgindo, de 1964 em diante, por força de algum sopro divino?
Não. Esses valores foram propagados por uma elite do atraso que hoje tenta sobreviver ao naufrágio bolsonarista, depois que seus antepassados fizeram horrores: dizimaram tribos indígenas, escravizaram gerações de milhões e milhões de negros, defendiam a fraude eleitoral, pediam golpes militares.
Hoje essa elite é boazinha, se veste de maneira informal, tenta se adaptar a novas tecnologias, se faz de generosa e cordial, se transforma na elite do bom atraso de hoje, vira-lata não assumida, mas arrogante e considerada "a única espécie humana predestinada da Terra", por ser "a mais legal e esclarecida do planeta", sem os "excessos racionais" dos europeus e sem o "primitivismo" de africanos e asiáticos.
É essa elite, um pouco mais dos 30% que votaram em Lula mais alguns "isentões" de plantão, que é a principal, para não dizer a única, classe beneficiária dessa "democracia" que hoje temos, que não rompe com paradigmas socioculturais que hoje fedem a tudo que for mau cheiro, de tão velhos e pobres que eles são, apesar da persistência, das mais desesperadas, em fazê-los prevalecerem a todo custo, seja no Brasil, onde só eles conseguem fazer algum sentido, seja no mundo, neste caso em vão, apesar das declarações em contrário.
Sim, porque qualquer velho culturalismo que tenta se mostrar no exterior, mesmo com retumbante fracasso, de "médiuns" a funqueiros, de subcelebridades a ídolos de axé-music, de bregalhões de baixa projeção a risíveis "fenômenos da Internet", só é considerado "triunfante" na bolha social da elite do bom atraso e sua mídia fajuta da TV aberta, das redes sociais, do solipsismo com complexo de superioridade de seus patrícios.
Essa "democracia" não aparece nos sem-teto, nos solteirões e solteironas caseiros, nos cientistas dedicados a pesquisas onerosas e difíceis, no proletariado de raiz, no campesinato, nos favelados da vida real (diferentes do perfil "Vai que Cola" que aparece na propaganda lulista), nos músicos de qualidade sem espaço de divulgação, nos idosos que conheceram o Brasil pré-1964 e não se iludem com o culturalismo que se propagou desde então.
Quem não é fanático por futebol, quem não prefere ficar as noites de fins de semana tomando cerveja em boates, quem não amanhece postando frases de "médiuns" nas redes sociais, quem se recusa a cantar aos berros e aos prantos comovidos músicas como "Evidências" e "Um Dia de Domingo", quem não se presta a tais "compromissos" é excluído dessa "democracia consolidada" que só serve para poucos.
A elite do atraso não mudou. Ela continua defendendo uma velha religiosidade, velhos valores da meritocracia, velhos critérios para o mercado de trabalho, o velho assistencialismo que nunca combateu a pobreza de verdade, os velhos critérios para a vida amorosa e amistosa. Apenas maquiam seus valores retrógrados com desculpas que vão da "viabilidade econômica" à "paz social", colocando o verniz "progressista" ou "moderno" para valores caquéticos que só tinham alguma razão de ser nos tempos dos generais Emílio Médici e Ernesto Geisel.
Por isso vemos o quanto os excluídos da "democracia lulista" são muitos e desconfiam muito do presidente, já que Lula coleciona uma série de erros e passou pano no legado de Michel Temer, o que diz muito para essa elite do atraso que, na busca pela sobrevivência após o naufrágio bolsonarista, agora quer parecer boazinha e generosa. Até que o oportunismo bolso-lavajatista tente cooptar os excluídos da festa lulista para montar um golpe que nem eu, nem você e nem pessoa alguma no Brasil imagine como irá acontecer. Nada está consolidado nessa "democracia para poucos".
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