Falamos do viralatismo cultural existente no Brasil e que não se limita ao bolsolavajatismo, incluindo também as "boas coisas da vida", de "médium de peruca" pregando as maravilhas de sofrer desgraça sem fim (desde que para os outros, não para a elite do bom atraso que joga comida fora e torra grana com festinhas e viagens ao exterior) até o "funk" que alimenta o hedonismo insaciável dessa "sociedade do amor".
Aí citamos Michael Jackson (aproveitando o gancho do filme biográfico que está por vir), tratado no Brasil como "coisa do outro mundo". Nunca foi. Podemos até admitir que a fase do Jackson Five foi muito boa e, ouvindo dias atrás a música"ABC", por sinal muito legal, Michael Jackson poderia ter sido um artista melhor, se tivesse interesse nisso. E o seriado de animação do Jackson Five era excelente e muito divertido.
Michael lançou há 45 anos, em 1979, o álbum Off the Wall, em pleno apogeu da disco music, e tinha carreira paralela com a banda The Jacksons (versão repaginada e musicalmente emancipada do Jackson Five acrescida de mais um irmão), um bom grupo de funk autêntico.
Depois disso, porém, Michael Jackson tornou-se grandiloquente e pretensioso, e seus traumas familiares o fizeram ter tanta vergonha em ser negro que realizou cirurgias e usou remédios para clarear a pele e mudar seu físico.
Musicalmente, Michael forçou a barra para ser um falso roqueiro, coisa que só faz sentido no Brasil vira-lata dos últimos tempos. Alguns fatos desse forçamento de barra ("forçação" não existe, favor não insistir):
1) Michael queria gravar "State of Shock", um pastiche de hard rock, com o vocalista do Queen, Freddie Mercury. Estavam ensaiando juntos mas o projeto fou cancelado por problemas de agenda. Michael teve que aproveitar a música gravando dueto com Mick Jagger no álbum dos Jacksons, Victory, de 1984.
2) Michael iniciou sua obsessão pelos Beatles gravando uma cover de "Girfriend", de Paul McCartney, em Off the Wall. Em Thriller (1982), Paul compôs e cantou em dueto com Michael a canção "The Girl is Mine", um dos estrondosos sucessos do milionário álbum. Em seguida Michael e Paul compuseram "Say Say Say" e "The Man" e cantaram juntos para o álbum de Paul, Pipes of Peace, de 1983, ambas as canções também grandes sucessos. O que parecia uma grande amizade, porém, acabou quando Michael comprou o copraite do repertório dos Beatles, forçando o vínculo com a icônica banda de rock britânico;
3) Michael se casou com a hoje falecida Lisa-Marie Presley, filha de Elvis Presley, visando seu vínculo com o pioneiro ídolo do rock. Pior, Michael passou a usar também um macacão parecido com o que Elvis havia usado no fim de carreira;
4) Michael, que tinha uma boa voz, decaiu quando passou a cantar de voz forçadamente rouca, fingindo rebeldia, fazendo caras e bocas, posando de zangado, e, depois que imitou o traje de Elvis Presley, passou a imitar, também, os trajes e os gestos de Mick Jagger nas suas performances ao vivo;
5) Michael contratou guitarristas de rock para tocar em faixas de seus discos. O também finado Eddie Van Halen, fundador da icônica banda que levou seu sobrenome, foi o primeiro, com "Beat It", em 1982. Em 1987, foi o guitarrista de Billy Idol, Steve Stevens, em "Dirty Diana", no álbum Bad. Em 1991, Slash, do arroz-de-festa Guns N'Roses, tão supervalorizado quanto Michael no Brasil, tocou em "Black and White", do álbum Dangerous;
6) Nota-se que Michael colocava nos álbuns dessa época títulos "provocadores" como "Mau" e "Perigoso", para forçar ainda mais a barra da rebeldia, que não convencia sequer uma lesma. Ainda mais quando, em músicas mais lentas, como "Feed the World" (que soa como continuação de "We Are the World", que Michael fez com Lionel Richie para o USA for Africa), o "rei do pop" carregava na pieguice.
Vamos combinar que Michael nunca deu uma contribuição útil para o rock e sua associação com o gênero é comparável ao antigo blackface de Al Jolson no cinema estadunidense. Nada sem um pingo de autenticidade e, o que é pior, Michael Jackson forçou essa associação por uma razão bastante negativa.
Michael Jackson queria entrar na sociedade branca e se envergonhava em ser negro. Por isso investiu no envolvimento postiço com o rock, casando com filha de roqueiro e comprando copraite de repertório de banda de rock. As experiências acabaram, mas duraram o suficiente para produzirem factoides.
Na verdade, o que Michael Jackson fez acabou se voltando para o pop dançante mais convencional, inserindo nele a falsa rebeldia que se estendeu a ídolos teen e astros do pop contemporâneo em geral, com muita coreografia, muito pleibeque, muito jogo de cena, muita letrinha "confessional" e musicalmente mais perdidos do que cego em tiroteio.
Sendo os "filhos" artísticos de Michael Jackson nomes que vão de Backstreet Boys a Rihanna, de Britney Spears a BTS, de Jennifer Lopez a Bruno Mars e pir aí vai, não há como levar a sério a reputação falsamente roqueira do finado cantor. Devemos lembrar que Chico Buarque gravou mais sambas que Michael gravou rock e nem por isso se insiste em chamar o cantor de "Apesar de Você" de sambista.
Todavia , o que vemos? Quando Michael Jackson faleceu, em 2009, quando começava a recuperar sua carreira, que sofreu uma séria decadência que os brasileiros não admitem ter havido, vimos uma situação constrangedora: a Galeria do Rock pôs uma estátua do ídolo xomo homenagem.
Além disso, houve, nas redes sociais, quem falasse muita besteira. Um internauta falou que Michael Jackson foi musicalmente "alma gêmea" de Renato Russo, e outro disse que "todo o mundo do rock deve tudo a Michael Jackson". Mais asneirol que isso, impossível.
O caso Michael Jackson é extremamente diferente do de Jimi Hendrix porque o genial guitarrista, sem deixar de ser negro, sem renegar seu passado soul de músico de apoio, trouxe uma robusta contribuição para o rock, afetando até a fábrica de guitarras (que teve que adaptar sua tecnologia depois do legado transgressor de Jimi). Hendrix foi um dos maiores nomes do rock psicodélico e seu legado inflenciou fortemente o rock progressivo, o jazz rock e o rock pesado em geral.
E Hendrix tinha um envolvimento com rock espontâneo, natural e audacioso. E despretensioso, apesar da atuação impactante do guitarrista. Daí não pider comparar com Michael, que forçou a barra visando a autopromoção num mundo branco e aristocrático.
Mas para o Brasil, tomado pela adoração a factoides ao culto à personalidade que faz a figura do "médium", em tese um intermediário do contato entre vivos e mortos, um vergonhoso alvo de idolatria doentia (daí certas personalidades deploráveis no meio), e prrmite a exaltação a subcelebridades e a atração por factoides, tanto faz Michael produzir escândalos ou não.
Daí que o Brasil do viralatismo cultural enrustido Michael Jackson é "genial" até quando se envolvia em escândalos e, nos palcos, fazer beicinho com cara de poucos amigos e coçando os testículos. A sociedade do espetáculo à brasileira permite todo esse mundo de frivolidades que ninguém percebe a olho nu. Quem fica preso na caverna, achando que ela é seu mundo, não vê o mundo lá fora e, não vendo o mundo lá fora, não percebe a caverna onde vive.
Comentários
Postar um comentário