Admite-se que a mídia de esquerda conta com jornalistas realmente renomados, competentes e experientes. Um deles, Breno Altman, está sofrendo censura de setores da comunidade judaica que não toleram narrativas contra os abusos da tirania de Benjamin Netanyahu contra o povo palestino. Fica nossa solidariedade a Altman e que ele volte a ter os direitos de denunciar os abusos políticos do governo de Israel.
Sim, são jornalistas renomados, mas, infelizmente, chega um momento em que o aluno aplicado, que faz muito corretamente o seu dever de aula e de casa, se esbaldar na hora do recreio. E o que vemos, agora, em portais como o DCM e, com mais intensidade, o Brasil 247, é essa hora do recreio, quando as narrativas do governo Lula são as mais utópicas possíveis.
Vários jornalistas tentam narrar que o governo Lula atual é "mais ousado" que os dois mandatos anteriores, e que o presidente estaria cumprindo uma política "mais à esquerda" do que nos outros governos. Até tentam arrumar justificativas, mas elas se tornam muito, muito vagas.
Eu observo com cautela e frieza cirúrgica o atual mandato e eu, que admirei os mandatos anteriores de Lula, vejo o de hoje o mais fraco. E vejo que o teor neoliberal está muito mais forte no atual mandato do que nos anteriores. Com boa vontade, dá para reconhecer no primeiro mandato de Lula uma versão light do projeto que João Goulart queria realizar em 1964 e não conseguiu devido ao famoso golpe que o expulsou do poder.
Um texto que não consegue explicar como Lula está "menos neoliberal" que os mandatos anteriores é um artigo de Antônio Prado, no Diário do Centro do Mundo, que até menciona o tripé que marcou os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e que Lula preservou de forma condicional: responsabilidade fiscal, câmbio livre e política monetária.
Prado tenta justificar por que Lula teria "combatido" o neoliberalismo no atual mandato com motivos que indicam justamente o contrário, com o atual presidente sendo mais neoliberal do que antes. A escolha de um adversário político para a vice-presidência e de outros concorrentes da campanha presidencial para ministérios e até para uma tarefa de aglutinar internautas nas redes sociais - detalhe não citado pelo articulista - seriam alguns desses motivos.
Observando muito bem o atual mandato de Lula, e eu o faço com um faro jornalístico e um olhar crítico que hoje, infelizmente, soa como um grande tabu na sociedade da "positividade tóxica" de hoje, noto que Lula não só está sendo mais neoliberal que nos dois mandatos anteriores como ele sempre sinalizou passar pano no legado de Michel Temer, mantendo o que há de "menos ruim" no projeto do temeroso governante que traiu Dilma Rousseff.
Prado menciona algumas façanhas, como o aumento dos gastos públicos para R$ 168 bilhões, um acréscimo que pode ser considerado limitado e pouco subversivo à proposta de cortes de gastos do governo Temer.
O articulista até admite que a política monetária é neoliberal, com a manutenção dos juros em níveis altíssimos cujas quedas foram de 13,75% para 11,75% este ano. Devemos inferir que o grande erro de Lula, a priorização precipitada da política externa em vez de um hiato necessário para a recuperação interna do Brasil, o impediu de poder pressionar o Banco Central do Brasil a baixar ainda mais os juros, evitando a economia de deslanchar de forma mais adequada.
O que se nota no atual governo Lula é uma ênfase no marketing, nas estratégias de Comunicação que narram um governo muito melhor do que realmente é. Observando a realidade, sem ler os textos cheios de sonhos de uma demanda de mensageiros que ainda idealizam muito Lula como alguém acima da realidade, como alguém trazido do mundo dos sonhos para o nosso cotidiano, vemos algo diferente do personagem que mais parece um "Papai Noel" com sotaque nordestino.
O governo Lula não está "mais à esquerda" porque vários de seus aspectos sociais não representam ruptura com as estruturas dominantes do Brasil. Lula quer dar para os pobres sem tirar muito dos ricos. O salário mínimo aumenta com índices menores do que nos dois outros mandatos. Naqueles mandatos, o salário tinha aumento medíocre, mas crescia numa média de R$ 110 a R$ 120. Hoje o salário mínimo só cresce com aumento de R$ 90.
Enquanto isso, os super-ricos não chegam a sentir coceira nos seus bolsos pois a taxação é sazonal, branda e seletiva. Duas vezes ao ano, alíquota de 8% e, por fora, vai poupar de taxar o super-rico que apoiar Lula, e este até receberá verbas do Ministério da Cultura, se investir em algum evento cultural, ou até mesmo isenção fiscal, se tiver algum projeto filantrópico nas mãos.
E estamos falando em super-ricos tradicionais, esquecendo que novos super-ricos já começam a figurar, como ídolos musicais popularescos, subcelebridades, craques de futebol, empresários do entretenimento, empresários da cerveja e outras bebidas alcoólicas, e, dizem, até "médiuns espíritas" já escalam o topo do alpinismo social com venda de livros, fraudes no assistencialismo (desvio de donativos para revenda em mercadinhos e brechós), dinheiro da lavagem empresarial e superfaturamento de verbas públicas para sustentar instituições.
Tem "médium" que comprou um SUV e ainda cobra, nos seus espetáculos, dinheiro dos fiéis para, supostamente, arrecadar para "obras de caridade". E os "médiuns" fazem isso e outras coisas como cobrar carnês para, por fora, comprarem apartamentos de luxo com vista da praia, mansões para uso privado, título de propriedades de casarões supostamente doados "para a caridade" etc. Há barbaridades no Espiritismo brasileiro de fazer a roubalheira neopentecostal parecer brincadeira de bebê de um ano.
Portanto, estamos num cenário em que Lula 3.0, embora fizesse de tudo para ser creditado como "igual ou melhor" do que os dois mandatos anteriores, demonstra ter perdido a essência progressista que Lula exerceu, mesmo de maneira moderada, entre 2003 e 2010. Atualmente, Lula, até pelos acenos mais fortes à direita moderada, os quais ele faz sob o pretexto da "democracia" (a mal-disfarçada "democracia de um homem só" marcada por um "generoso" personalismo do presdente), soa terrivelmente neoliberal.
Lula, hoje, soa mais como um governante que repete o projeto político de FHC, mistura com aspectos sociais do governo de José Sarney e insere, nesta mistura, formas requentadas e até brandas do que já havia de brando, ainda que promissor, nos mandatos anteriores do petista.
Exemplo disso é o salário mínimo, que se fosse pela lógica dos dois mandatos anteriores, já estaria valendo R$ 1.636 com o valor do Bolsa-Família de R$ 1.610. Mas os respectivos valores são bem menores, de R$ 1.412 e R$ 705 (dizem que pode se reajustar para R$ 720 em março).
Isso é "governo mais à esquerda"? Não. Lula é neoliberal, mas a preocupação de seus apoiadores em promover uma imagem glamourosa do presidente, somada à própria obsessão do presidente em promover sua imagem pessoal, fazem com que mil fantasias sejam ditas e escritas com o objetivo de se imporem à realidade. Isso pode fazer sentido dentro da bolha lulista. Mas, fora dela, não se vê tanto esquerdismo assim, com o pobre da vida real se sentindo traído e abandonado pelo presidente pelego.
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