O desmonte das conquistas brasileiras partiu de intelectuais que defendiam a bregalização da cultura brasileira, sob a desculpa do "combate ao preconceito".
Uma parcela desses intelectuais, considerados "bacanas" num cenário de anti-intelectualismo, foi fazer proselitismo nas esquerdas e conseguiu arrancar um quase consenso nas forças progressistas.
Falavam da "pobreza linda" como se fosse algo libertário, quando na verdade pavimentaram o caminho para forçar o apoio popular aos retrocessos trazidos pelo governo de Michel Temer.
A prostituição, o alcoolismo, o comércio informal, o comportamento patético e quase debiloide do "povão" estereotipado, a "periferia legal" da miséria espetacularizada, tudo isso foi vendido como se fosse "libertário", mas abriu caminho para os retrocessos de hoje.
Desmonte do Ministério da Cultura? Tudo começou com Milton Moura, lá na Bahia, com seus "pagodes impertinentes" dizendo que o povo pobre tem que viver só rebolando.
Fim das políticas de fomento à cultura? Tudo começou quando Paulo César Araújo teve a infeliz ideia de promover o direitista Waldick Soriano sob a imagem falsa do "cantor de protesto de esquerda".
A visibilidade dos intelectuais "bacanas", uns escrevendo na mídia esquerdista e quase botando os pés no Centro Barão de Itararé, favoreceu esse proselitismo suspeito.
O que chama a atenção desse discurso intelectualoide é que eles enfatizam demais os temas comportamentais.
Subestimam os temas políticos e econômicos, promovendo um "ufanismo das favelas" mais próximo do discurso governista do general Emílio Médici.
Uma espécie de patriotada associada à miséria, na qual o povo não precisa ser politizado porque sua "cultura de mau gosto" já era "a politização em si".
Era o mito da provocatividade. O povo, segundo o discurso intelectual, não precisava ser politizado porque sua cafonice já "incomodava" a sociedade.
E aí, despolitizados do brega-popularesco, não só musical mas também comportamental, se deixavam valer disso para pegar carona nas bandeiras laterais das "esquerdas médias".
Superestimou-se a causa LGBT não como a defesa de direitos de liberdade sexual e afetiva, mas como uma espetacularização caricatural digna de humorísticos de TV.
No caso dos gays, por exemplo, esquece-se que nem todo homem homoafetivo é uma "Vera Verão", há homens que mantém todos os aspectos masculinos e apenas se sentem atraídos por outros homens.
As mulheres, a mesma coisa. Nem todas seguem o estereótipo da durona rancorosa.
Mas no Brasil se viu essa imagem espetacularizada que as esquerdas médias encamparam na boa-fé.
Os intelectuais "bacanas", por sua vez, "etnicizam" e "elegebetizam" o espetáculo de mero consumismo e sensacionalismo, meras ações performáticas que tentam colocar o comportamentismo como substituto do engajamento político.
Temas pontuais como o uso de maconha (que eu, pessoalmente, não aprecio), a liberdade do corpo feminino, o amor homossexual etc, são até válidos, mas ficaram superestimados ou distorcidos pelo discurso cultural.
A discriminalização da maconha é um tema controverso, a ser debatido com muita cautela, pois a liberação não é em si uma solução plena para a situação do narcotráfico. Sem falar que há outras drogas comercializadas por criminosos.
A defesa espetacularizada, em artigos panfletários em publicações progressistas, revela o grande perigo dessa lateralidade que acha que certas liberdades comportamentais são um patrimônio das esquerdas.
Não, não são.
Vejam os círculos da direita do PSDB e derivados.
Fernando Henrique Cardoso, Fernando Gabeira e Soninha Francine defendem a liberação da maconha.
Fernando Holiday é negro e homossexual. Alexandre Frota também teve passado homossexual, já que hoje ele é evangélico.
Muitos pobres de direita são negros, índios e mestiços que acabam defendendo causas contrárias a suas origens populares.
Superestimou-se a etnografia e a liberdade sexual de maneira espetacularizada, sem um debate sério e imparcial, e isso fez as esquerdas se perderem num panfletarismo e num performancismo ocos.
E muitos professores, acadêmicos, jornalistas e cineastas apelaram para essa lateralidade temática.
Achavam que não era preciso defender a reforma agrária, o aperfeiçoamento das conquistas trabalhistas, a valorização do salário e a defesa da Educação pública, entre outras causas progressistas.
Acreditavam que isso tudo seria garantido se valorizasse não só a liberdade do sexo e das drogas, indo ao ponto da provocatividade gratuita e da apologia ao mau gosto.
Tanta provocatividade e espetacularização, tanto panfleto e performance, tudo isso deu em nada.
Vieram os direitistas com suas passeatas e Dilma Rousseff foi expulsa do poder.
Tem gente que achou que as mulheres-frutas do documentário Sou Feia Mas Tô Na Moda iriam empoderar o feminismo e garantir a permanência da presidenta no cargo.
Foi Ju Isen e, com mais sutileza, a Mulher Melão, defenderem Sérgio Moro e companhia, e o "feminismo de silicone" explodiu nas caras das militantes de esquerda.
Imaginavam que a imagem da mulher no machismo era só da dona-de-casa debiloide dos comerciais de produtos de limpeza.
Acreditava-se que as funqueiras, por exemplo, não seriam machistas e que trariam a Revolução Feminista de bandeja para a sociedade brasileira. Grande engano.
Além disso, o discurso intelectual a favor da liberdade sexual (do homossexualismo à prostituição) e liberação das drogas era apenas uma causa privativa dos intelectuais "bacanas" e seus consortes.
O que eles queriam é eles mesmos praticando libertinagem sexual sob o consumo recreativo de drogas. A "causa libertária" era apenas pretexto para eles defenderem sua própria diversão.
Sem discutirmos até que ponto ser LGBT, etnográfico ou defender o uso medicinal da maconha são ou não bandeiras libertárias, fragilizamos o debate público sobre as conquistas do povo brasileiro.
A bregalização em geral desviou o povo pobre do debate público sobre coisas de seu maior interesse.
A lateralidade temática da provocatividade comportamental superestimou aspectos polêmicos do comportamento humano, que assustam menos as forças reacionárias sociais do que antes.
Setores das esquerdas superestimaram temas comportamentais, e, guiados pelos intelectuais "bacanas", ainda defendiam o "mau gosto popular", sem perceber que isso é consequência de problemas econômicos, políticos e midiáticos mais graves.
Ninguém se lembrou que a breguice envolve toda uma simbologia de preconceitos elitistas, manipulação midiática e escravidão social.
E aí temos esse quadro que se apresenta hoje, com os direitos trabalhistas sendo desmontados um a um.
Tudo por considerar o discurso intelectual da bregalização e provocatividade algo "libertário".
Se esse discurso liberou o caminho de alguém, foi o dos sociopatas que hoje querem mais que o Brasil se afunde em retrocessos.
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