Uma coisa chamava a atenção do já saudoso Kid Vinil.
Apesar dos 62 anos de vida, infelizmente encerrada ontem, Kid Vinil era um meninão.
Muito jovial, espontaneamente jovial e muito, muito descontraído e simpático.
Comunicativo, tranquilo, apesar de estar associado ao punk paulista, que tinha imagem de agressivo.
Nascido em 1955, ele dava a impressão de ser uma pessoa zen, e como locutor tinha o estilo tranquilo que fazia um diferencial num radialismo rock cada vez mais decadente.
Com "rádios rock" cada vez mais reduzidas a sub-Jovem Pan com "vitrolão roqueiro", com seus locutores cada vez mais histéricos, Kid Vinil era um dos que restavam do velho e heroico radialismo rock dos anos 80.
Na 89 FM cada vez mais jovempanizada (alguém poderia me dizer se Tutinha virou sócio da 89?), Kid era uma ilha naquela programação decadente da emissora paulista.
Esse estilo tranquilo era um diferencial até para os homens de sua geração.
Há cerca de dez anos, folheava a revista Caras e via uma geração de empresários, executivos e profissionais liberais casados com ex-modelos, atrizes e apresentadoras cerca de 15, 20 anos mais novas.
Era entre 2004, 2005.
Homens grisalhos que começavam os 50 anos tentavam se comportar como se tivessem 70.
De repente, homens que nasceram entre 1950 e 1955 passavam a falar, de maneira pedante, sobre Millôr Fernandes, Norman Mailer e até Benny Carter.
Foi só essa geração completar 50 anos, abraçados eles às suas jovens esposas, para eles "descobrirem" as maravilhas dos anos 1940-1950.
A vida deles tenta ser como nos standards de Hollywood, mas a realidade lhes impõe uma rotina hardcore.
Eram apenas meninos que ouviram Jovem Guarda na adolescência e eram contemporâneos de britânicos e estadunidenses que fizeram o punk rock e "desenharam" o "espírito dos anos 80".
E vemos uma grande ironia.
Kid Vinil parecia tranquilo no contato com as pessoas.
Já os sisudos born in the 50s que apareciam nas colunas sociais vivem tensos e transtornados.
E um tanto deslocados, numa realidade frenética nos seus consultórios e escritórios.
Acham que uma maratona de festas de gala lhes irá fazer entrar em amplo contato com o mundo.
Kid Vinil nem se preocupava com eventos especiais para entrar em contato com o mundo, porque ele naturalmente dialogava com o mundo e colhia novidades do rock com um faro espontâneo.
Kid Vinil via o futuro, e passou com desenvoltura nos anos 1980.
A década em que a geração sisuda dos sugar daddies maridos de belas famosas (ou semi-famosas, jogadas ao ostracismo pelos próprios maridos) encarou com inibição no interior de suas salas de trabalho ou nos cursos de pós-graduação universitários.
Envergonhados com a juventude workaholic que tiveram, os sessentões granfinos fogem da própria juventude, que criam situações cômicas.
Como naquele pai de 65 anos que, numa conversa em família, trata os Ramones como se fosse a banda da geração de seus filhos, geralmente adolescentes nos anos 1990.
Só que os Ramones são uma banda originalmente formada por membros nascidos entre 1949 e 1951.
E o "paizão", digamos, nasceu em 1952 ou época próxima.
E aí ele fica vermelho de vergonha quando é advertido que os Ramones não são uma banda "dos anos 90", mas da geração do "paizão", até porque o primeiro álbum da banda punk foi lançado em 1976.
Outros aspectos cômicos são o fato de que esses senhores veem a juventude com um certo distanciamento.
Um exemplo é o Vestibular.
Eles acham que, já tendo diplomas diversos (Administração, Medicina, Economia, por exemplo), já não podem mais viver a realidade das faculdades.
Mas vejam a forma com que eles correm para obter informações e conhecimentos para a próxima conversa entre amigos num almoço social ou numa reunião no Iate Clube ou algum evento mais formal, sem excluir os eventos de gala, claro.
Vestibular puro.
Leituras de revistas de arte, pesquisas no Wikipedia, a ajudinha do filho mais velho para pegar mais coisas na Internet.
Informações que evitem o "coroão" de confundir Benny Carter com Benny Goodman, de atribuir autoria a Nelson Rodrigues peças de Plínio Marcos etc.
O "coroão" precisa dar um show narrando a fundação do Copacabana Palace (em 1923; lembremos que essa "moçada" grisalha nasceu nos 1950) como se estivessem vivido a ocasião.
Tudo decoreba de Vestibular, tendo até o pré-Vestibular dos especialistas em jazz, por exemplo.
Afinal o "coroão" tem que enumerar os músicos que tocaram com Sarah Vaughan naquela apresentação antológica tal, como se enumerasse a escalação do Flamengo no Brasileirão de 1956.
Tudo isso para mostrar uma geração "superinformada" de senhores grisalhos ou de cabelos brancos que parecem envergonhados em terem mocinhas lindas a tiracolo.
Mas nada que chegue aos pés da sabedoria zen de Kid Vinil.
A vida dos engravatados sugar daddies é que é punk, totalmente hardcore.
E, na realidade entre os negócios e as festas de gala, a complexidade da vida lhes faz entrar constantemente em tiques nervosos.
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