Uma exposição prevista para terminar no próximo dia 08 de outubro foi cancelada na semana passada.
A exposição Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, realizado desde o último dia 15 de agosto no Santander Cultural, em Porto Alegre, foi alvo de pressões reacionárias violentas.
O evento mostrava obras relacionadas ao universo LGBT, além de questionamentos acerca da sociedade patriarcalista e moralista.
São questionamentos pós-modernistas que, certamente, não fazem as obras necessariamente objetos de vislumbre e contemplação, mas de reflexão e debate na sociedade.
Mesmo assim, as obras foram acusadas de fazer apologia a zoofilia e à pedofilia, assim como de fazer ofensas a crenças religiosas.
É claro que muitas das obras que foram reproduzidas na Internet causam desagrado e um certo mal estar.
Mas seus artistas - cerca de 85, divulgando no conjunto cerca de 270 obras - não tinham o objetivo de agradar.
Eles tinham a intenção de provocar, não a provocatividade gratuita, a provocação reduzida a um produto e não a um gancho para a expressão artístico-cultural.
POLÊMICA OBRA "CRIANÇA VIADA", DE BIA LEITE, NA VERDADE UMA CRÍTICA AO MORALISMO.
Um exemplo dessa provocação como estímulo para o debate é a obra "Criança Viada", de Bia Leite.
Ela foi acusada de pedofilia, com as imagens da "travesti da lambada" e da "deusa das águas".
A meu ver, a obra seria, na verdade, uma pergunta aos pais a respeito de como ensinam ou estimulam a formação da sexualidade das crianças.
Ela pode sugerir uma reflexão a respeito de moralismo, sociedade de consumo, relações amorosas por conveniência ou a opressão dos desejos e necessidades humanas.
Mas o ultrarreacionário Movimento Brasil Livre (que deveria se chamar Movimento Me Livre do Brasil) fez uma campanha violenta contra o evento, que também expôs obras de Alfredo Volpi e Cândido Portinari que se inseriram no contexto do tema.
A exibição de outra pela, "Cruzando Jesus Cristo com Deusa Shiva", em que aparece Jesus crucificado com inúmeros braços e pernas, de autoria de Fernando Baril, também foi acusada de blafêmia religiosa.
Por ironia, a obra de Baril foi lançada no mesmo ano de 1996 que surgiu o embrião da Escola Sem Partido, através da Lei 9.394, de 20 de dezembro daquele ano, proposta pelo senador Magno Malta, co-idealizador do medonho projeto educacional junto ao advogado Miguel Najib.
O MBL fez uma campanha intensa nas mídias sociais, pedindo aos seus seguidores e adeptos que tivessem conta no Santander a cancelarem tais benefícios, em boicote ao banco que promoveu o evento.
"Há pouco tinha crianças olhando essa 'arte' escarnecendo a Cristo", disse o blogueiro Felipe Diehl, acrescentando: "O curador dessa obra, Gaudêncio Fidélis, esse cara deveria estar preso".
"Olha o Satanás no meio", disse Rafinha BK, outro blogueiro ligado ao MBL.
O MBL como um todo definiu o Santander como "vergonha dos gaúchos" por causa da exposição.
O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr., apoiado pelo MBL, chegou também a publicar uma postagem no Facebook condenando o evento, mas a postagem depois foi apagada.
Os reaças não entenderam que o evento Queermuseu não foi mesmo feito para agradar a todo mundo e sua expressão artística era feita para estimular o debate e a reflexão.
É claro que o cancelamento do evento, da parte do Santander, dono da casa que abrigou a exposição, foi movido por um sentimento de medo e de receio.
A exposição foi feita sob a consciência de que haveria reações conservadoras. O Santander preferiu sua zona de conforto de não estar associado a uma ousadia e cancelou o evento a cerca de um mês do final originalmente estabelecido.
O evento poderia ter sido mantido até o fim, apesar dos protestos conservadores, sem prejuízo da credibilidade publicitária do banco, de origem espanhola.
Em vez disso, o Santander fortaleceu os movimentos reacionários, que comemoraram a vitória diante de tanta pressão.
Eu já vi os embriões desses reaças no Orkut, em várias comunidades, incluindo o "Eu Odeio Acordar Cedo".
Eles já expressavam ideias reacionárias, mas não abertamente.
Fingiam "abominar" o Imperialismo e se passavam por "admiradores" de Che Guevara, e hostilizavam George W. Bush mas por seu papel de ridículo do que por ser um político conservador.
Mas faziam silêncio diante de figuras como Roberto Campos e Fernando Collor, evitando qualquer repúdio.
Em 2007, eram "esquerdistas" que defendiam o porte de armas e a privatização das universidades públicas. E evitavam falar mal de Lula.
Mas, pouco menos de dez anos depois, já expressavam defender a intervenção militar, caluniavam Lula e divulgavam gravações fake de sua voz e se afirmavam "direita democrática".
Entre 2005 e 2007, os reaças da Internet existiam, expressavam ideias obscurantistas, mas se limitavam a ser reaças no âmbito do lazer e em certas pautas sociais e políticas.
Mas eram mais discretos e, quando faziam cyberbullying em ataques coletivos combinados, eles evitavam escolher gente com alguma visibilidade, ainda que de esquerda.
Só cerca de dez anos depois eles tiveram coragem de humilhar famosos como Taís Araújo e Maju Coutinho.
Eles se ascenderam ao poder e, agora, saíram fortalecidos com o episódio do Queermuseu.
Isso é muito perigoso. Essa geração obscurantista e cheia de ideias medievais tem desejo de se apropriar do futuro do nosso país. Se isso ocorrer, o Brasil estará perdido.
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