A música brega-popularesca virou establishment, mas também entrou na ressaca do proselitismo que fazia com as forças progressistas, através da intelectualidade "bacana".
Aquela festa feita sob o pretexto do "combate ao preconceito", que ocorria desde 2000 mas se impôs a todo vapor em 2005 também resultou numa pós-festa dolorosa e melancólica.
Na semana passada, dois queridinhos da intelectualidade "bacana" que foram empurrados goela abaixo nas esquerdas culturais, fizeram comentários infelizes.
Zezé di Camargo havia dito, na entrevista para Leda Nagle no perfil dela no YouTube, que o Brasil nunca teve uma ditadura militar, mas um "militarismo vigiado".
Dias depois, no Encontro com Fátima Bernardes, o cantor Luís Carlos, do grupo de sambrega Raça Negra, fez um comentário machista.
Disse que garotas menores de idade deveriam se vestir de "forma mais discreta" e evitar "roupas curtas e maquiagem para não atraírem o olhar masculino".
Evidentemente, as mulheres em geral, sobretudo menores de idade, não podem exagerar no visual.
Recentemente, houve a onda de "boazudas" que fingiam ostentar seus corpos para si mesmas, quando elas faziam o papel de objetos sexuais para um público de machões afoitos.
Foi uma grande armação que vendia como "feminismo" a coisificação da mulher brasileira, com o apoio da mídia venal, das FMs "mais populares" e até de "cartolas" dirigentes de futebol.
Mas aqui o comentário de Luís Carlos foi infeliz, mesmo.
Afinal, ele não comentou sobre a necessidade dos homens de conter seus impulsos sexuais e respeitar a integridade física de toda mulher.
O comentário repercutiu mal nas redes sociais e, depois, o cantor escreveu mensagem pedindo desculpas.
O Raça Negra não chega a se associar a um apelo sexista como o É O Tchan e o "funk".
O público feminino associado ao Raça Negra segue o estereótipo da "coitadinha", espécie de versão "derrotista" da "recatada do lar", mas sem a presença de um marido ou namorado.
As "coitadinhas" são geralmente jovens de origem pobre, manipuladas pelo poder midiático da TV e do rádio, que costumam apreciar canções brega-românticas.
São induzidas a sonhar com homens afins, simbolizados por cantores de "pagode romântico" ou "pagodão" (tipo Psirico), mas em contrapartida são também induzidas a vê-los como "inacessíveis".
O público feminino pobre que é induzido à hipersexualização midiática é aquele que está mais associado ao É O Tchan, Psirico, Harmonia do Samba.
As "coitadinhas" se dividem em ouvir ou não essa vertente do pagode-brega.
Umas até ouvem coisas como "Lepo Lepo" do Psirico, mas quando vêm as "madeiradas", "toma-tomas", "tira-e-botas" de outros congêneres, veem com um certo constrangimento.
Voltando ao Raça Negra, até pouco tempo atrás o grupo era alvo de "dirigismo cultural" nas esquerdas. Algo que, mais atrás, foi a função de Zezé di Camargo & Luciano.
A tal música "popular demais" e "transbrasileira", empurrada para as esquerdas para elas encamparem o financiamento de verbas da Lei Rouanet dos governos Lula e Dilma Rousseff, teve que se contentar com o establishment que sempre o acolheu.
Não se sabe o que houve. De repente, os heróis da "breguice sem preconceitos" surtaram, nos últimos dois ou três anos, após simbolizarem a "periferia" cantada pelas esquerdas médias.
E a antes "santíssima trindade" da intelectualidade "bacana" do Brasil foi mudar de assunto. Talvez por desilusão.
Paulo César Araújo, da "bíblia" Eu Não Sou Cachorro Não, passou a falar mais dos problemas com Roberto Carlos.
Hermano Vianna, de ciberativismo e sua interação com as comunidades mais pobres.
Pedro Alexandre Sanches passou a falar apenas da MPB autêntica. Recentemente, fez uma entrevista com Aldir Blanc, histórico parceiro de João Bosco (o da MPB, não o do "sertanejo").
O que resta do proselitismo musical dos brega-popularescos nem é feito por eles, mas por outros jornalistas e intelectuais.
E são coisas mais "localizadas", comportamentais: alguma "guevarização" de Anitta, de Pablo Vittar, e isso mais pelas posturas "empoderadas" de aparente militância feminista / LGBT do que pela música.
Nem o "funk" foi mais "guevarizado" como era em 2005, quando era vendido sob a falsa imagem de "sem mídia", apesar de aparecer o tempo todo na Folha e nos veículos das Organizações Globo.
A intelligentzia tentava convencer a todo o país que a bregalização cultural iria fortalecer a participação popular, mas ela só trouxe mais consumismo e desmobilização popular.
A tão sonhada "revolução social com o brega" só pôde dar no governo Temer.
O brega-popularesco envolve valores conservadores diversos, uma caricatura de classes populares envolvendo suas piores qualidades e os piores atributos que as elites jogavam sobre aquelas.
Machismo, racismo, subemprego, analfabetismo, imbecilização, erros gramaticais, sorrisos banguelas, tudo isso era tido como "positivo" num discurso "cordialmente" etnocêntrico.
Tinha que dar no esvaziamento da mobilização popular que fez Dilma Rousseff perder o mandato com facilidade.
A gente fica refletindo sobre o que ocorreu com a intelectualidade "bacana".
Mea culpa? Algum arrependimento sobre o que fizeram? Ou alguma mudança para reverter a péssima repercussão de suas campanhas?
Não se sabe. O que se sabe é que a "revolução cultural" do discurso pró-brega deixou o povo "brincando demais" de ser ativista, se perdendo no consumismo.
Diante disso, vieram grupos como o Movimento Brasil Livre no vácuo do debate popular.
E aí o governo Dilma Rousseff foi ceifado e acabou-se aquela verba estatal que a intelectualidade "bacana" apostava por meio da Lei Rouanet, para seus coletivos e outros grupos solidários.
Com Temer no poder, a intelectualidade "bacana" perdoou Chico Buarque e, diante dos tempos de exceção, chora nos ombros de Aldir Blanc, depois de ver os antigos heróis "populares demais" mostrando reacionarismo na mídia venal.
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