Se vivo estivesse, o ex-beatle John Lennon seria a última pessoa a aguentar ouvir a canção "Imagine".
Parece estranho, mas não é.
Nos lembremos de 1966. Os Beatles estavam com uma popularidade folgada, com uma grande legião de fãs, com um sucesso mundial invejável.
Naquela época, começavam a romper com isso, numa atitude de risco.
Gravando a melancólica "Eleanor Rigby", irritaram boa parte dos fãs. Naquele mesmo 1966, os quatro rapazes de Liverpool encerraram as apresentações ao vivo.
Eles haviam lançado Revolver, o segundo disco com faixas psicodélicas - o primeiro foi Rubber Soul, no ano anterior - , preparando os fãs para uma virada de cabeça para baixo.
O John Lennon de "I Want to Hold Your Hand", que em 1966 gravou a esquisita "Tomorrow Never Knows", brindava o público com estranhezas como "Lucy In The Sky With Diamonds", "I Am the Walrus" e "Strawberry Fields Forever".
Em 1971, já em carreira solo, compôs "Imagine" como um protesto contra as tensões sócio-políticas da época.
Mas Lennon, não fosse o criminoso falecimento no final de 1980, teria se cansado da canção e se aborrecido com a banalização pelas razões que se viu em 1966-1967.
Certamente ele não gostaria das homenagens que se faz usando a música "Imagine".
Bem escreveu André Barcinski, quando definiu "Imagine" como o "Parabéns pra Você" das cerimônias pela paz.
Praticamente o Rock In Rio só tem "rock" no nome. Sempre foi um evento mais para pop, apenas com parte das atrações voltada ao rock.
O grande problema é que o Rock In Rio desnorteou tanto a cultura rock, trocando a essência pela cosmética, que na edição deste ano o maior burburinho foi a ausência da cantora pop Lady Gaga.
As demais atrações mais comentadas foram o ícone popularesco Pablo Vittar, o astro teen Shawn Mendes e a nova solteira do pedaço, a cantora Stacy Ferguson, a Fergie, também ex-Black Eyed Peas.
E olha que tinha referências do primeiro Rock In Rio original, como a banda Blitz, de Evandro Mesquita, e sua ex-cantora, Fernanda Abreu, há muito tempo em carreira solo.
E ainda terá o Who e o Red Hot Chili Peppers, num contexto em que rock autêntico virou coisa de roqueiro autêntico.
Isso depois das atuações vexaminosas das "rádios rock", FMs comerciais que nunca chegaram a ser sequer a sombra do que foi a Fluminense FM.
Depois que a Rádio Cidade, que era melhor quando era pop e tocava disco music, se encanou em ser "roqueira", o rock despencou.
Virou coisa reacionária, escravo do hit-parade, uma coleção de poses e gestos que faziam o rock como um todo virar "cultura poser".
E, resultado: as "rádios rock" fizeram mais para os não-roqueiros do que para os roqueiros e hoje o "sertanejo universitário" e o "funk" dominam o gosto juvenil.
O Rock In Rio tornou-se apenas um happening pop num Rio de Janeiro hoje tomado de puro provincianismo.
Depois de 100 anos querendo ser cosmopolita e moderna, o Rio de Janeiro, de 1990 para cá, foi tomado de um surto de provincianismo que só se imaginava no Norte / Nordeste dos tempos da ditadura militar.
Com o neocoronelismo do PMDB carioca, isso se radicalizou completamente a partir do falso desenvolvimentismo do demagógico Eduardo Paes.
Os cariocas, aliás, passaram a ser ruins de urna, só pensam em futebol e consumismo e perderam até o olfato, se conformando com tudo e se contentando com pouco.
Infelizmente não é preconceito e desejo não estar generalizando, mas vejo que os cariocas se tornaram menos sensíveis, mais relapsos, acomodados e conformados.
Há fumantes demais, fanáticos por futebol que humilham quem não curte o esporte e há gente reacionária que dispara ódio na menor contrariedade.
O Rio de Janeiro precisa dar uma mexida, como Salvador está tendo nos últimos dez anos.
O Rio virou capital do conformismo, do pensamento único, da monocultura, do pragmatismo em que as "necessidades básicas" viram desculpa para qualquer retrocesso.
É preciso despoluir o Grande Rio, não só a Baía da Guanabara, mas as cidades em si. E tirar o fedor das latas de lixo. Precisa combater a violência sem sacrificar os pobres inocentes, vítimas de balas perdidas.
É preciso puxar as orelhas dos gerentes de estabelecimentos comerciais e reabastecer produtos com mais agilidade e maior diversidade. E não cobrá-los com preços tão caros.
As pessoas precisam se rever como pessoas, serem mais afetivas, mais sensíveis e menos agressivas.
Deixar de acreditar cegamente na grande mídia e deixar de depender da Rede Globo ou do jornal O Dia para tomarem alguma atitude na vida.
Precisam avaliar seus desejos, suas vontades e saber que nem todo mundo é fumante, bebe álcool, é fanático por futebol, gosta de "funk" ou canta "Levanta Senhor" em festas de aniversário.
O Rio de Janeiro sucumbiu a uma mesmice que, há 60 anos, nem de longe era inimaginável.
Só perde para Niterói, que de repente passou a gostar, tardiamente, de seu "complexo de vira-lata" depois que a ditadura fundiu os antigos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara.
Niterói está tendo a fama da "cidade do interior que nenhuma cidade do interior gostaria de ser".
O Rock In Rio é apenas mais um dos eventos que fazem a ex-Cidade Maravilhosa ter seus poucos dias de fama mundial.
Mas, depois que tudo acaba, volta-se à atual rotina de capital provinciana de um Estado provinciano, em situação bastante vexaminosa.
Afinal, Salvador, depois de muitos anos deixada para trás pela supremacia carioca que, séculos antes, tirou da capital baiana o status de capital do Brasil, começa a acordar do seu sono provinciano.
Um sono provinciano que, de forma inesperada, o Rio de Janeiro dorme mais pesado, com dificuldades para despertar. Depois dizem que baiano é preguiçoso.
Comentários
Postar um comentário