A música "O Bêbado e o Equilibrista", com melodias de João Bosco e letra de Aldir Blanc, foi uma crônica da crise da ditadura militar.
Foi uma ideia calcada a partir de "Smile", de Charlie Chaplin, lançada em 1978, pouco depois do falecimento do comediante, músico e cineasta inglês, no Natal do ano anterior.
Era um hino de esperança pela anistia e pela redemocratização, depois das tragédias da ditadura militar.
A música começava e terminava como uma vinheta instrumental em arranjo circense tocado por um acordeon, intercalada por um samba, na famosa gravação de Elis Regina, em 1979.
Era um outro período de crise, quando a Era Geisel não conseguia controlar a crise econômica e o Brasil vivia uma convulsão social.
Naquela época, havia um sindicalista em plena ascensão política chamado Luís Inácio da Silva, o Lula, marido da hoje falecida Marisa Letícia e, mais tarde, fundador de um novo partido, o Partido dos Trabalhadores (PT).
38 anos depois, Aldir Blanc volta à tona com um novo trabalho, A Poesia de Aldir Blanc, com várias participações.
A nova parceria com João Bosco se chama "Duro na Queda" e o contexto atual guarda semelhanças e diferenças.
Elis Regina faleceu prematuramente há 35 anos. Mas sua filha caçula, Maria Rita Mariano (que não participa da antologia de Blanc), segue carreira musical firmemente.
A MPB, antes com relativa predominância no gosto do público de classe média, tornou-se minoritária entre saudosistas culturais, especialistas e apenas alguns universitários mais curiosos.
Enquanto isso, se o comercialismo "popular" do brega atingia apenas subúrbios e roças, hoje ele é quase totalitário até entre os universitários e em parte de um público mais elitista.
A ditadura que temos não é militar nem oficialmente declarada.
É uma ditadura jurídico-parlamentar, mas que se autoproclama uma "democracia".
Um momento de muita confusão político-institucional, mais complexo do que a simples divergência de generais moderados e os de linha-dura e a animosidade do governo militar com os abusos do DOI-CODI, que rumavam para a quebra de hierarquia militar.
O antigo sindicalista Lula hoje é um ex-presidente da República acusado por supostas denúncias de corrupção nunca rigorosamente esclarecidas.
Em vez de um líder em ascensão, é um político veterano massacrado pelo poder midiático e pelo tendenciosismo da Justiça.
Hoje o Brasil é (des)governado por Michel Temer, cujo governo funde tanto o pragmatismo tecnocrático do general Castelo Branco quanto o colapso do final do governo do general Ernesto Geisel.
A bronca de 1979 era a vaidade do tropicalista Caetano Veloso e suas apropriações a tudo que era ativismo, cultura e comportamento.
O mesmo Caetano Veloso, hoje, depois de defender Dilma e pedir "Fora Temer", passou a cortejar o juiz carioca da Lava Jato, Marcelo Bretas, e foi jantar com o paranaense Deltan Dalagnol, o dos esquemas criados no aplicativo Microsoft Powerpoint.
A entrevista de Aldir Blanc, compositor abertamente esquerdista, repercutiu nas mídias progressistas, como algumas entrevistas recentes com o ex-presidente Lula.
Em ambos os casos, entrevistados por gente "de fora".
No caso de Lula, foi o baiano Mário Kertèsz, apresentador de rádio que se originou, nos anos 70, como um engenheiro filiado à ARENA, durante a ditadura militar.
No caso de Aldir, foi o paranaense radicado em São Paulo Pedro Alexandre Sanches, originário da fase em que a Folha de São Paulo dava continuidade ao Projeto Folha, nos anos 90.
Num momento em que se discute as articulações em favor das esquerdas, soa estranho que entrevistas com esquerdistas que causaram grande impacto foram dadas por gente de fora do esquerdismo.
Pode ser questão de visibilidade, também. Ou de busca de protagonismo, de parte de Kertèsz e Sanches, dentro de um cenário em que várias forças e personalidades também buscam protagonismo histórico.
Mas até que ponto se pode capitalizar tais entrevistas em favor da reabilitação de Lula ou do PT é algo muito, muito complexo.
Ainda mais quando a coisa fica mais complexa dentro do próprio esquerdismo.
Há críticas, sobretudo em portais emergentes como O Cafezinho, tanto ao imobilismo quanto ao triunfalismo dos movimentos de esquerda.
A ilusão de que, só porque Lula teve uma turnê bem sucedida no Nordeste, possa ter o caminho livre para as urnas em 2018, lembra o triunfalismo do comício de João Goulart na Central do Brasil, em 13 de março de 1964.
Lula recebeu sete acusações de supostos esquemas de corrupção e é massacrado pela mídia hegemônica.
A revista Isto É, por exemplo, definiu políticos petistas e alguns de outros partidos como "facínoras". Lula, Dilma Rousseff e Gleisi Hoffmann estão incluídos, assim como o traidor Antônio Palocci.
Palocci, que depois de seu depoimento (que teve o status de "delação premiada") a Sérgio Moro, virou o "dedo-duro de Lula", tem iniciado o processo de expulsão do PT.
O ex-ministro de Lula também se insere num contexto em que o PSOL, segundo rumores, ameaça ser o novo PPS.
O deputado Chico Alencar cortejou Aécio Neves num evento, a Rede Globo apoiou Marcelo Freixo na candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro e o próprio Freixo se solidarizou com o juiz Marcelo Bretas.
A situação anda complicada nos dois lados, esquerda e direita, num Brasil ao mesmo tempo bêbado e equilibrista.
Bêbado, embriagado na preocupante despreocupação do povo, que deixa os cidadãos do resto do mundo pasmos. E bêbado, perdido em crises que tem dificuldades até em diagnosticar.
Equilibrista, procurando se manter incólume nessa tragédia política. E também equilibrista no fato dos despreocupados parecerem felizes na corda-bamba da realidade que menosprezam.
O momento de hoje, no entanto, difere de 1979 por um detalhe: as perspectivas atuais são muito, muito sombrias.
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