Favorito nas pesquisas para a sucessão presidencial, Luís Inácio Lula da Silva visitou ontem a cooperativa metalúrgica Uniforja, em Diadema, na Grande São Paulo.
Em suas peregrinações, Lula falou, entre outras coisas, que "pretende fazer um governo muito melhor que os anteriores" e que "o povo trabalhador fará do Brasil um grande país".
Eu gostaria que fosse assim, mas o contexto em que o Brasil vive hoje é falsamente positivo.
Temos ilusões por tudo quanto é canto. No Instagram, parece que estamos no paraíso, algo que se reflete, também, no Facebook e no WhatsApp.
Eu sou acusado de ser "arredio", por não usar muito as redes sociais, mas a verdade é que eu navego sozinho num mar aberto, enquanto o cardume curte sua "liberdade plena" dentro de um aquário.
Até os jornalistas culturais acreditam que "vivemos na melhor fase da cultura brasileira". Se iludem com o solipsismo, pois só eles têm acesso a bens culturais mais relevantes, enquanto a mediocridade na qual eles passam pano têm que se virar com o que o mainstream oferece de "diversificado".
Esquecemos que houve um golpe político em 2016. No próximo dia 31 de agosto, fará cinco anos em que o governo Dilma Rousseff foi forçadamente encerrado.
Perdemos direitos trabalhistas. Sindicatos ficaram enfraquecidos. O estelionato tornou-se "legalizado" na forma de "custos advocatícios" para os trabalhadores que perderem processos judiciais contra os abusos dos patrões.
As empresas públicas, em crise, ameaçam ser privatizadas. A Petrobras encolhe e já vai perder a BR Distribuidora, que vende combustíveis nos postos. Nossas riquezas naturais são adquiridas por empresas estrangeiras.
O Museu Nacional foi destruído por um incêndio causado pelo descaso público. Boa parte da floresta Amazônica e do Pantanal também foram destruídos. Tribos indígenas remanescentes são, aos poucos, dizimadas pela violência do campo, pela Covid-19 e outras catástrofes.
A necropolítica de feminicídios, violência no campo e grupos de extermínio eliminando mulheres, camponeses, negros, índios e mestiços ocorre porque, mesmo considerados crimes, são em parte ainda aceitáveis socialmente, até mesmo pelas religiões que tratam criminosos como "coitadinhos".
Michel Temer governou o país com muito cinismo e hipocrisia, e passou por cima de toda tentativa de tirá-lo do poder. Depois da empolgação momentânea, o grito "Fora Temer" foi inútil e só rendeu gargalhadas do temeroso ex-presidente.
E muita gente passando pano na intelectualidade pró-brega, sentindo medo de ver livros como Esses Intelectuais Pertinentes... tocarem os dedos nas fraturas culturais brasileiras!
E, com tudo isso, vem gente dizendo que o Brasil "está vivendo um excelente momento social e cultural"?
Lavem suas bocas e mãos com sabão de barra neutro de cor ocre (um tipo de marrom alaranjado, para quem não sabe), desses com cheiro insosso e gosto ruim.
Houve golpe no Brasil e os retrocessos vão muito além da catástrofe da Covid-19 e da cínica indiferença de Jair Bolsonaro.
O sucateamento das empreiteiras nacionais e das empresas públicas após o golpe e sob a pressão da Operação Lava Jato fizeram degradar as vidas de muitos trabalhadores.
A excelente empresa de aviação Avianca viveu o mesmo drama da Panair, falida sob pressão política, porque a companhia transportava passageiros das classes populares, devido à sua passagem barata e seu ótimo serviço.
E aí mesmo as esquerdas médias fingem acreditar que o golpe de 2016 não existiu ou, se existiu, foi como o espirro de ontem.
E aí a direita moderada que lutou pela queda de Dilma Rousseff passou a apoiar Lula. Muito fácil, né?
Eles abriram caminho para a ascensão de Jair Bolsonaro. Agora, como quem quer tirar os anéis para preservar os dedos, os direitistas moderados querem isolar os radicais, como se só eles fossem os autores do golpismo de cinco anos atrás.
PSDB apoiando Lula? Depois de tanta hidrofobia anti-petista, depois de sua sucursal jurídica chamada Operação Lava Jato chegar a botar Lula na cadeia, sob os aplausos do tucanato?
É muito estranho. Por enquanto, a coisa se sustenta pelo interesse comum de eleger Lula em 2022 para combater o bolsonarismo.
Mas vamos combinar que é bom demais para ser verdade ver a nata do empresariado, do tucanato político e da mídia e do Judiciário ligados à direita moderada apoiando "incondicionalmente" Lula.
Lula está até sob risco de um atentado, porque o anti-petismo agora se manifesta nas mentes vingativas dos bolsonaristas. Mas isso é um outro assunto.
O que se questiona, aqui, é como Lula vai agir se for eleito sob o apoio da direita moderada.
Ele terá que fazer papel de "terceira via", abrir mão de boa parte de sua agenda para atender às demandas dos que lhe ajudarem a ser eleito.
Ou então terá que ter um pulso muito firme para impor o projeto político que favoreça as classes trabalhadoras, que estão abandonadas até pelas esquerdas médias, que priorizam o identitarismo.
Lula dificilmente fará um governo "melhor do que os anteriores" se ele não observar duas coisas: ter jogo de cintura para não ceder à agenda neoliberal e revogar os retrocessos trabalhistas e outras medidas, como o teto de gastos públicos.
Se for mantido o teto de gastos públicos, o governo Lula será medíocre. Com um orçamento apertadíssimo, boa parte de seu projeto político para a população brasileira estará seriamente comprometido.
Não podemos supervalorizar o Auxílio Emergencial como se supervalorizou o Bolsa Família. Ambos trazem efeitos benéficos, mas são medidas paliativas, feitas mediante um contexto específico de gravidade social.
Ficar dependendo só destes projetos para promover o progresso social acaba sendo uma zona de conforto, da mesma forma que as cotas raciais nas universidades.
De que adianta facilitar o acesso de negros e índios nas universidades se eles tiveram os ensinos fundamental e médio deficitários, sem lhes oferecer um preparo para o ensino superior?
Não dá para usar a desculpa da pandemia para tratar o Auxílio Emergencial de R$ 600 como permanente e como única medida para promover o progresso social, e fazer mágica para desenvolver o país com recursos apertados.
Com o limite dos gastos públicos e sem as poupanças nacionais - só o FGTS os governos golpistas de Temer e Bolsonaro "esvaziaram" dando aos trabalhadores como "prêmio de consolação" dos direitos perdidos - , Lula não conseguirá sequer fazer 5% do que gostaria de fazer pelos brasileiros.
Vai ser uma decepção ver Lula ser eleito em 2022 e ele agir como um reles "presidente de terceira via".
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