MORADORES DO JACAREZINHO PROTESTAM CONTRA O MASSACRE QUE MATOU 25 DE SEUS MORADORES.
O Rio de Janeiro está decadente. Com muita dificuldade, muitos começam a admitir isso.
Até pouco tempo atrás, mesmo com toda a decadência, houve quem persistisse, lançando mão de tudo quanto é desculpa, em acreditar que o Grande Rio vive o melhor de seus tempos.
Claro, é uma classe média, mesmo a esquerdista-identitarista, que tenta viver no mundo da fantasia desde 2016, esquecendo que o golpe ocorreu.
Tem nas redes sociais seu parque de diversões. Acham que, só por haver, em tese, grande oferta de bens culturais, a cultura está em alta, seja supervalorizando expressões da "alta cultura" nas bolhas sociais, seja passando pano na bregalização cultural, de certa forma.
Essas pessoas falam portinglês, usando dialetos em inglês no português mal falado dessa patota abastada. Trocam "rapaz" por "boy", "bicicleta" por "bike" e "bichinho" por "pet". Só falta falarem River de Janeiro.
São pessoas que conheceram o conceito de liberdade nos programas de entretenimento do SBT, Record e Rede Globo, nas ondas da Jovem Pan e nas páginas da Folha de São Paulo.
Apesar disso, se dão ao luxo de dizer que "nunca curtiram" esses veículos da mídia e que só veem Internet e canal Netflix. Contem outra que essa não convenceu.
E aí vemos o quanto o Rio de Janeiro paga pelo pragmatismo, essa ilusão de que "é piorando que se melhora", que nos empurrou ônibus padronizados, mulheres-frutas e rádios pseudo-roqueiras, sofrendo horrores, além da má fama que a região metropolitana acaba tendo no resto do Brasil.
E aí vemos a violência policial que, mais uma vez, mostra um Rio de Janeiro diferente do Sol da Zona Sul, e mostra também o lado sombrio das favelas.
O "funk" fala que viver na favela é "lindo", e criou uma aberração que o jornalismo sério nunca teria o descaramento de fazer, que é transformar favela em "instituição".
É só ler na imprensa de uns 60 anos atrás para ver que favela era vista como um problema habitacional, e não como um paraíso de consumo e diversão que a intelectualidade "bacana" - ver Esses Intelectuais Pertinentes... - tanto pregou na sua campanha supostamente "contra o preconceito".
A gente até desconfia desse "ufanismo das favelas", dessa gourmetização da pobreza que institucionaliza a miséria, a prostituição, o subemprego, o alcoolismo e a moradia em casas precárias, em detrimento do povo pobre, bajulado mas desprotegido.
Afinal, o "orgulho de ser pobre" só faz os pobres serem prisioneiros das favelas para, na sanha necropolítica da sociedade burguesa, serem mortos pela truculenta ação policial.
Criancinhas inocentes já foram mortas por esse verdadeiro "tiro ao alvo" que policiais sem um pingo de piedade fazem, na sua fúria higienista em atirar em pessoas negras e pobres.
No Jacarezinho, anteontem, um massacre causou pânico não só entre moradores de Jacarezinho, favela localizada no bairro de Jacaré, Zona Norte do Rio de Janeiro, mas também em quem estava na estação de metrô de Triagem.
Em 1989, eu passava muito, no ônibus de fretamento da Universidade Gama Filho em seu percurso de volta para Niterói, pela Rua Ana Néri, no Jacaré, junto à linha férrea.
O ônibus descia pela Triagem, para pegar depois a Av. Brasil pelo bairro do Benfica.
No morro do Jacarezinho, uma ação policial supostamente era feita motivada pela investigação de que traficantes estariam dominando o local e expulsando moradores das casas. Havia 21 supostos suspeitos, que teriam mandado de prisão decretado.
O governador fluminense Cláudio Castro disse que a ação policial era parte de um "trabalho de inteligência" da Polícia Civil.
Dos 21 suspeitos listados, apenas três morreram na troca de tiros e outros três foram presos.
Mas o tiroteio deixou um saldo de 28 mortes, das quais uma foi a de um policial civil, André Farias.
E se 15 suspeitos não foram sequer capturados, 24 dos mortos da ação eram provavelmente pessoas inocentes, sem antecedentes criminais.
Uma moradora, desesperada, disse que seu marido foi morto quando ia comprar pão para o café da manhã.
A ação policial revoltou o mundo inteiro e é considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro.
Esse é o lado sombrio, o lado pesadelo de um Rio de Janeiro que não consegue superar sua pobreza.
E mostra o quanto o Rio de Janeiro tornou-se uma região metropolitana vergonhosa, vítima de seu próprio pragmatismo, que faz crescer o crime organizado, eleger maus políticos e até promover o golpe de 2016.
Pois, se Eduardo Cunha não tivesse sido eleito, não teria havido esse caminho que se deu do golpe contra Dilma Rousseff à eleição de Jair Bolsonaro.
Marielle Franco não teria sido assassinada e Paulo Gustavo não teria pego a Covid-19 que encerrou sua vida, deixando uma lacuna irreparável no humorismo brasileiro.
Foi esse Rio de Janeiro que, querendo "mais por menos" e que tinha patrulha de internautas reaças defendendo até a gíria "balada" (©Jovem Pan), que está sofrendo sua tragédia dantesca.
E a truculência policial é filha desse pragmatismo, que permitiu que o crime crescesse para atender a demandas circunstanciais da "boa sociedade".
Os traficantes surgiram porque as elites queriam sua "merenda" para suas festinhas noturnas.
Os bicheiros surgiram representando uma "loteria facilitada" para incrementar as finanças dos cariocas e fluminenses de rendas média e baixa.
Os milicianos representam a segurança "informal", supostamente desburocratizada e pretensamente mais eficaz, diante do caos da violência descontrolada.
E aí, deu no que deu. As três forças só fizeram o Rio de Janeiro enfrentar um cenário de profundo horror.
Eu, um sujeito que sempre foi do Rio de Janeiro, de Niterói (minha cidade de criação), agora estou morando em São Paulo, que para mim sempre teve uma imagem "externa", "de fora".
Vejo o quanto o Rio de Janeiro perdeu sua grandeza, aceitando retrocessos na ilusão de que eles trariam um progresso a longo prazo. Como os ônibus padronizados que muitos defenderam acreditando que haveria BRT com ar condicionado e chassis sueco até em linhas de Santa Teresa.
É um Rio de Janeiro que não dá atenção devida à população pobre, tratada de forma subalterna (para não dizer degradante) até por fenômenos "positivos" como o "funk" e a religião do Espiritismo brasileiro (muito pior do que os já piores neopentecostais que iludem a população carente).
Um povo pobre tratado com "pão" e "circo", como se fosse um bando de animaizinhos domésticos.
O povo pobre merece respeito e merece ser ouvido, não pela caridade paliativa de oportunistas de uma "espiritualidade" farsante ou pelo comercialismo lúdico de um ritmo popularesco, mas através do tratamento digno que busca atender necessidades e resolver problemas reais.
Daí que, constantemente, ocorrem incidentes como o do massacre do Jacarezinho. E os pobres temendo que esse não seja o único incidente do tipo lhes deixa assustados, embora acostumados com esse drama terrível.
Esse pesadelo ocorre, ceifando a vida de tanta gente trabalhadora e tantas crianças e jovens com sonhos e projetos de vida, causando traumas e revoltas intermináveis.
Enquanto isso, a "boa sociedade", mesmo a esquerdista-identitária, brinca nas redes sociais acreditando que basta chover dinheiro no Rio de Janeiro para vir o Sol da prosperidade, uma ilusão desmentida por um famosíssimo ditado popular: "dinheiro não traz felicidade".
Comentários
Postar um comentário