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REDES SOCIAIS DÃO FALSA IMPRESSÃO DE QUE O 'MAINSTREAM' PARECE "ALTERNATIVO"


Vivemos numa sociedade hipermidiatizada e hipermercantilizada, algo que é uma realidade no Brasil e quase ninguém percebe nem quer saber.

Diante da ilusão da oferta de múltiplas possibilidades, imaginamos que o Brasil vive a melhor fase sócio-cultural de toda sua história.

Com o parque de diversões das redes sociais, imagina-se um paraíso expresso pela realidade paralela dos memes e postagens dotados de muita descontração e alegria. Ou, quando há uma crítica social ou política, sejam carregadas de paródia ou irreverência.

Tudo parece lindo nas redes sociais. O mundo parece um paraíso em seus aplicativos.

Daí que todo mundo acha que o Brasil vive o melhor momento de todos. Com Jair Bolsonaro no poder?

Num tempo em que aqueles que deveriam contestar, investigar ou combater problemas estão passando pano em tudo que é problemático, a situação é de se preocupar.

Vivemos um momento em que o "sistema" tenta parecer "anti-sistema". O mainstream parece "alternativo" porque, nas redes sociais, a aparente autonomia dos internautas faz crer, na aparência, que não há uma interferência de executivos da mídia e do mercado no entretenimento em curso.

Grande engano.

Nas redes sociais, os internautas são os "produtos". Os empresários da Tecnologia da Informação, conhecidos como Big Techs, "vendem" os internautas para os anunciantes.

É uma cruel realidade das redes sociais. E o suposto desaparecimento da grande mídia e do mainstream dá a impressão de que o "sistema" morreu porque tudo agora pode ser transgressor ou vanguardista.

Daí aberrações como creditar dois nomes do comercialismo mainstream mais explícito, como Michael Sullivan e Leandro Lehart, respectivamente pelos pretensos rótulos de "vanguarda" e "alternativo".

A própria música brega foi definida erroneamente como "vanguarda", só por causa da "polêmica" que supostamente provocava na crítica musical especializada e na velha guarda dos meios acadêmicos.

Só que a lógica diz que é impossível o brega ser vanguarda. Ele é retaguarda, mesmo. Por vários motivos:

1) O brega se fundamenta numa tendência cultural que foi moda meses ou anos antes no exterior e que, chegando a uma região do Brasil, geralmente o interior, já chega com muito tempo de atraso, começando a fazer sucesso local quando, lá fora, essa moda já se encontra obsoleta ou decadente;

2) Essa tendência de fora já é interpretada pelos culturalistas locais de maneira provinciana e ainda mais tosca do que a fonte original. Mesmo o pop estrangeiro mais comercial é assimilado de maneira deturpada, não bastasse sua assimilação tardia, quando a fonte original virou coisa do passado;

3) A assimilação acontece de maneira subordinada, através de uma relação hierarquizada entre a mídia que transmite os supostos bens culturais e o público pobre que os recebe, este erroneamente creditado como "protagonista" do entretenimento popularesco;

4) Existe uma hierarquia da mídia sobre o público, porque a suposta "cultura popular" que se observa hoje em dia, marcada pela cafonice e pelo falso "cheiro de povão", é na verdade um produto das empresas regionais de entretenimento, em aliança com as oligarquias midiáticas locais.

O sentimentalismo paternalista de uma geração de intelectuais - ver Esses Intelectuais Pertinentes... - fez criar uma narrativa que fabricou consenso pelos apelos emocionais e aparentemente positivos, supostamente sem raiva retórica.

Essa narrativa atribuía ao povo pobre o protagonismo do entretenimento popularesco, como receptor e produtor de conteúdo musical ou comportamental.

Embora os ídolos popularescos sejam pessoas de origem pobre, isso é um grande equívoco, porque eles estão a serviço de um sistema de mercado e mídia controlado por pessoas muitíssimo ricas.

As rádios "populares demais", por exemplo, são controladas por oligarquias regionais que estabelecem parcerias com redes de caráter nacional e também de propriedade de ricas famílias empresariais.

As redes sociais seguem outro contexto, porque supostamente a atuação de internautas é dotada de irrestrita liberdade.

Só que, além do público ser "educado" pela grande mídia, vide os valores sócio-culturais dominantes em seus espaços digitais, as redes sociais também são controladas por grandes empresas, os provedores de Internet.

A autonomia apenas dá ao mainstream ou establishment um suposto status de "alternativo" ou "transgressor".

A lógica, por exemplo, dos trend topics do Twitter, que é a lista dos assuntos ou palavras-chave mais destacados num momento, é a mesma do hit-parade, mas dá a falsa impressão de vanguardismo.

Afinal, vivemos o próprio contexto de gourmetização do hit-parade, com tanta gente na Internet supervalorizando os sucessos das paradas, principalmente dos anos 1970 para cá.

Tem gente que exagera e "vanguardiza" os sucessos comerciais antigos, só porque, supostamente, representam uma época distante.

E aqui o termo "supostamente" tem que ser levado em conta, porque da forma com que as FMs de pop adulto tocam flash backs estrangeiros, repetidamente até depois de cansar, a coisa que essas músicas deixam de lembrar é justamente o passado.

Você ouve os mesmos flash backs todo dia, toda hora, e mesmo músicas de 40 anos atrás lembram mais fatos da semana passada do que de quatro décadas antes.

E as pessoas, expressando o Tribunal do Umbigo, que é a avaliação subjetiva das coisas, desprovida de qualquer realismo, acabam julgando erroneamente o que é "vanguarda" ou "alternativo", motivados apenas pelos seus devaneios pessoais.

E aí vemos o quanto o cenário cultural de hoje está confuso e decadente.

Não é a oferta de "tudo de tudo" nos bens culturais que aponta que o Brasil vive um grande momento. Até porque "tudo" é oferecido, mas o que ganha mais cartaz vai geralmente do medíocre ao pior.

Mas temos também, para complicar as coisas, a flanelização cultural, pois até quem deveria ser mais crítico das coisas anda passando muito pano.

A Espiral do Silêncio sequestrou aqueles que poderiam investigar, questionar ou mesmo combater fenômenos problemáticos.

E aí fica mais difícil entender nossa realidade decadente, quando um grande número de pessoas se ilude em acreditar que tudo está bem no Brasil. 

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