Pular para o conteúdo principal

"MEU CORPO NÃO É MURAL"

CLÉO PIRES E DEMI LOVATO - ANTES GAROTAS LEGAIS, ELAS SE PERDERAM NO IDENTITARISMO FESTIVO QUE AS FEZ SE ENCHEREM DE TATUAGENS.

O identitarismo de resultados é terrível. Dá a falsa sensação de liberdade e fortalecimento de auto-estima, quando, na verdade, se torna um misto de narcisismo com vitimismo.

De 2010 para cá, a moda de tatuar os corpos tornou-se um dos apelos principais para essa "Contracultura de resultados" que faz as esquerdas médias interagirem com os bolsomínions numa rivalidade de fachada, tipo Emilinha Borba versus Marlene.

Tanto isso é verdade que, em vários episódios de linchamento digital de alguém reclamando do "estabelecido", as esquerdas identitaristas agiam ao lado daqueles que, depois, se revelaram bolsonaristas.

Isso porque tanto uns quanto outros têm um ponto que os une completamente: o hedonismo exacerbado, ao mesmo tempo libertino e autodestrutivo.

Afinal, o ato de fumar um cigarro, que voltou à reputação de antes - apesar de não haver mais comerciais desse produto nem tentativas de associá-lo à saúde, seja com propagandas com médicos fumantes ou grife de moda esportiva dos cigarrros Hollywood - , também é considerado "liberdade".

Em países como os Estados Unidos, em que a "liberdade" se torna mandamento do ideal capitalista e, em nome dela, se promovem ataques no Oriente Médio, e o Brasil, em que a mesma palavra virou pretexto para uma marcha pedindo a ditadura militar, se dizer "livre" gera muitas dúvidas.

Sobretudo no que se diz em tatuar o corpo, reduzindo o físico a um mural vivo.

Isso revela, em parte, a hipocrisia das mulheres identitaristas, não tão grave quanto as mulheres-objetos se passando por "feministas", mas ainda assim uma hipocrisia.

Afinal, elas reclamam de homens que tocam nos corpos das mulheres, mas ao serem tatuadas, são tocadas por homens que são a maioria esmagadora dos tatuadores.

Não sou intolerante quanto a pessoas tatuadas, mas dá para perceber, entre os tatuados, quem realmente curte essa escolha e quem está apenas de onda, na obsessão de querer parecer diferente.

No primeiro caso, temos a saudosa Fernanda Young e o hoje atuante Marco Bezzi, dos Galãs Feios, que tinham (e têm, no caso de Bezzi) motivos para tatuarem seus corpos.

Geralmente só 1% das pessoas tatuadas o fazem por realmente gostarem disso. Os demais, embora digam que "gostem", só estão pegando carona na esperança de parecerem "diferenciados".

É o caso de Cléo Pires e Demi Lovato.

Ambas eram garotas bem legais por volta de 2008, dava gosto vê-las talentosas e autênticas.

Hoje elas dão a impressão de que estão interpretando personagens "identitárias", misturando narcisismo e vitimismo, se vendendo com uma imagem de "autêntica" bastante duvidosa.

Afinal, a pessoa precisa se tatuar para ser "verdadeira"? E esse hedonismo que, no caso de Demi, quase a matou, não será um forçamento de barra para parecer "parafrentex"?

Hoje elas decepcionaram, por conta dessa imagem "hedonista" em que o pronome "eu" serve mais como pretexto para vaidades pessoais do que para uma forma real de valorizar a auto-estima.

As duas perseguem uma suposta forma de rebeldia, um suposto meio de empoderamento.

Cléo se arriscou como cantora se tornando uma espécie de versão brega da Lana Del Rey. Demi quis ser uma sub-Beyoncé branca, abandonando o pop-rock adolescente que era até muito simpático.

E Demi, querendo parecer "excêntrica", ela apelou para o não-binarismo, aquela convenção em "não ser homem nem mulher" que os identitaristas adoram, porque se submetem aos impulsos do hedonismo desenfreado.

As duas sucumbiram a uma pretensão identitarista que é ótima para o internauta padrão das redes sociais, porque gera uma catarse coletiva no chamado "gado digital".

Elas deixaram de ser elas mesmas, porque suas atitudes, sobretudo a de tatuarem seus corpos, são na verdade um "lado B" da ditadura estética.

É um aspecto da ditadura estética que nada tem de livre: a obsessão em parecer diferente de todo mundo, supostamente para romper zonas de conforto, mas criando zonas mais confortáveis e acomodadas, ainda.

E essa obsessão pela transgressão virou tanto a marca do mainstream que hoje a verdadeira transgressão está na sobriedade, no perfil dicreto (low profile) e despretensioso.

Aquilo que se entende como o "ato de incomodar a sociedade" é que virou o "novo sistema", com obesas se sensualizando demais e músicos de "pagode romântico" querendo se passar por "artistas alternativos".

É neste contexto que tatuar os corpos virou coisa de subcelebridades ou milicianos.

Tão "livre" quanto se escravizar pela religião usando esse mesmo pretexto de "liberdade".

Num país em que "liberdade", durante muito tempo, era o escravo viver preso em sua senzala, não há como dizer que tatuagem é livre, se ela se equipara ao gado marcado a ferro.

O "gado humano" das redes sociais tenta falar mal do vaqueiro, na tentativa de parecerem "livres". Mas essas pessoas seguem o caminho que o vaqueiro, supostamente detestado, decide que elas irão.

O corpo não é mural para ficar cheio de rabiscos. Ou, ao menos, quem quiser se tatuar, que tenha razões para isso. Chega do "porque sim" identitário a que se reduziu o lema "meu corpo, minhas regras".

Daqui a pouco se vai tatuar até lista de compras, pois já se fazem demonstrações de amor tatuando nomes e desenhos no corpo, algo que é de um superficialismo terrível. Afinal, amamos com a alma, o corpo não tem necessidade de provar esse amor.

Transformar o corpo em um mural revela o vazio dos identitaristas, incapazes de dizer a que vieram por conta própria, e precisam que outros (os tatuadores) escrevam nos corpos as ideias que a patota tem medo de desenvolver.

E isso se torna uma escravidão estética pela obsessão em parecer diferente, de preferência fazendo com que as pessoas deixem de ser elas mesmas, em nome de vantagens sociais do grupo do qual querem fazer parte.

E aí a desculpa de "liberdade" serve mais como desculpa para disfarçar o medo de remover as tatuagens por cirurgia ou laser, que quase sempre soa bastante doloroso, quando a tatuagem sair de moda.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SIMBOLOGIA IRÔNICA

  ACIMA, A REVOLTA DE OITO DE JANEIRO EM 2023, E, ABAIXO, O MOVIMENTO DIRETAS JÁ EM 1984. Nos últimos tempos, o Brasil vive um período surreal. Uma democracia nas mãos de um único homem, o futuro de nosso país nas mãos de um idoso de 80 anos. Uma reconstrução em que se festeja antes de trabalhar. Muita gente dormindo tranquila com isso tudo e os negacionistas factuais pedindo boicote ao pensamento crítico. Duas simbologias irônicas vêm à tona para ilustraresse país surrealista onde a pobreza deixou de ser vista como um problema para ser vista como identidade sociocultural. Uma dessas simbologias está no governo Lula, que representa o ideal do “milagre brasileiro” de 1969-1974, mas em um contexto formalmente democrático, no sentido de ninguém ser punido por discordar do governo, em que pese a pressão dos negacionistas factuais nas redes sociais. Outra é a simbologia do vandalismo do Oito de Janeiro, em 2023, em que a presença de uma multidão nos edifícios da Praça dos Três Poderes, ...

"ANIMAIS CONSUMISTAS"AJUDAM A ENCARECER PRODUTOS

O consumismo voraz dos "bem de vida" mostra o quanto o impulso de comprar, sem ver o preço, ajuda a tornar os produtos ainda mais caros. Mesmo no Brasil de Lula, que promete melhorias no poder aquisitivo da população, a carestia é um perigo constante e ameaçador. A "boa" sociedade dos que se acham "melhores do que todo mundo", que sonha com um protagonismo mundial quase totalitário, entrou no auge no período do declínio da pandemia e do bolsonarismo, agora como uma elite pretensamente esclarecida pronta a realizar seu desejo de "substituir" o povo brasileiro traçado desde o golpe de 1964. Vemos também que a “boa” sociedade brasileira tem um apetite voraz pelo consumo. São animais consumistas porque sua primeira razão é ter dinheiro e consumir, atendendo ao que seus instintos e impulsos, que estão no lugar de emoções e razões, ordenam.  Para eles, ter vale mais do que ser. Eles só “são” quando têm. Preferem acumular dinheiro sem motivo e fazer de ...

A SOCIEDADE HIPERMERCANTIL E HIPERMIDIÁTICA

CONSUMISMO, DIVERSÃO E HEDONISMO OBSESSIVOS SÃO AS NORMAS NO BRASIL ATUAL. As pessoas mais jovens, em especial a geração Z mas incluindo também a gente mais velha nascida a partir de 1978, não percebe que vive numa sociedade hipermercantilizada e hipermidiatizada. Pensa que o atual cenário sociocultural é tão fluente como as leis da natureza e sua rotina supostamente livre esconde uma realidade nada livre que muitos ignoram ou renegam. Difícil explicar para gente desinformada, sobretudo na flor da juventude, que vivemos numa sociedade marcada pelas imposições do mercado e da mídia. Tudo para essa geração parece novo e espontâneo, como se uma gíria fabricada como “balada” e a supervalorização de um ídolo mediano como Michael Jackson fossem fenômenos surgidos como um sopro da Mãe Natureza. Não são. Os comportamentos “espontâneos” e as gírias “naturais” são condicionados por um processo de estímulos psicológicos planejados pela mídia sob encomenda do mercado, visando criar uma legião de c...

COVID-19 TERIA MATADO 3 MIL FEMINICIDAS NO BRASIL

Nos dez anos da Lei do Feminicídio, o machismo sanguinário dos feminicidas continua ocorrendo com base na crença surreal de que o feminicida é o único tipo de pessoa que, no Brasil, está "proibida de morrer". Temos dois feminicidas famosos em idade de óbito, Pimenta Neves e Lindomar Castilho (87 e 84 anos, respectivamente), e muitos vão para a cama tranquilos achando que os dois são "garotões sarados com um futuro todo pela frente". O que as pessoas não entendem é que o feminicida já possui uma personalidade tóxica que o faz perder, pelo menos, 20 anos de vida. Mesmo um feminicida que chega aos 90 anos de idade é porque, na verdade, chegaria aos 110 anos. Estima-se que um feminicida considerado "saudável" e de boa posição social tem uma expectativa de vida correspondente a 80% de um homem inofensivo sob as mesmas condições. O feminicida tende a viver menos porque o ato do feminicídio não é um simples desabafo. No processo que se dá antes, durante e depois ...

ESTÁ BARATO PARA QUEM, CARA PÁLIDA?

A BURGUESIA DE CHINELOS ACHA BARATO ALUGUEL DE CASA POR R$ 2 MIL. Vivemos a supremacia de uma elite enrustida que, no Brasil, monopoliza as formas de ver e interpretar a realidade. A ilusão de que, tendo muito dinheiro e milhares de seguidores nas redes sociais dos quais umas centenas concordam com quase tudo, além de uma habilidade de criar uma narrativa organizada que faz qualquer besteira surreal soar uma pretensa verdade, faz da burguesia brasileira uma classe que impõe suas visões de mundo por se achar a "mais legal do planeta". Com isso, grandes distorções na interpretação da realidade acabam prevalecendo, mais pelo efeito manada do que por qualquer sentido lógico. "Lógica " é apenas uma aparência, ou melhor, um simulacro permitido pela organização das narrativas que, por sorte, fabricam sentido e ganham um aspecto de falsa coerência realista. Por isso, até quando se fala em salários e preços, a burguesia ilustrada brasileira, que se fantasia de "gente si...

ED MOTTA ERROU AO CRITICAR MARIA BETHÂNIA

  Ser um iconoclasta requer escolher os alvos certos das críticas severas. Requer escolher quem deveria ser desmascarado como mito, quem merece ser retirado do seu pedestal em primeiro lugar. Na empolgação, porém, um iconoclasta acaba atacando os alvos errados, mesmo quando estes estão associados a certos equivocos. Acaba criando polêmicas à toa e cometendo injustiças por conta da crítica impulsiva. Na religião, por exemplo, é notório que a chamada opinião (que se torna) pública pegue pesado demais nos pastores e bispos neopentecostais, sem se atentar de figuras mais traiçoeiras que são os chamados “médiuns”, que mexem em coisa mais grave, que é a produção de mensagens fake atribuídas a personalidades mortas, em deplorável demonstração de falsidade ideológica a serviço do obscurantismo religioso de dimensões medievais. Infelizmente tais figuras, mesmo com evidente charlatanismo, são blindadas e poupadas de críticas e repúdios até contra os piores erros. É certo que a MPB autêntica ...

A EXPLOSÃO DO SENSO CRÍTICO QUE ENVERGONHA A "BOA" SOCIEDADE

Depois de termos, em 2023, o "eterno" verão da conformidade com tudo, em que o pensamento crítico era discriminado e a regra era todos ficarem de acordo com um cenário de liberdade consumista e hedonista, cuja única coisa proibida era a contestação, o jogo virou de vez. As críticas duras ao governo Lula e as crises sociais do cenário sociocultural em que temos - como a queda da máscara do "funk" como suposta expressão do povo pobre, quando funqueiros demonstraram que acumularam fortunas através dessa lorota - mostram que o pensamento crítico não é "mera frescura" de intelectuais distópico-existencialistas europeus. Não convencem os boicotes organizados por pretensos formadores de opinião informais, que comandam as narrativas nas redes sociais. Aquele papo furado de pedir para o público não ler "certos blogues que falam mal de tudo" não fez sentido, e hoje vemos que a "interminável" festa de 2023, da "democracia do sim e nunca do nã...

COMO A BURGUESIA DE CHINELOS DISSIMULA SUA CONDIÇÃO SOCIAL?

A BURGUESIA ENRUSTIDA BRASILEIRA SE ACHA "POBRE" PORQUE, ENTRE OUTRAS COISAS, PAGA IPVA E COMPRA MUITO COMBUSTÍVEL PARA SEUS CARRÕES SUV. A velha Casa Grande ainda está aqui. Os golpistas de 1964 ainda estão aqui. Mas agora essa burguesia bronzeada se fantasia de “gente simples” e se espalha entre o povo, enquanto faz seus interesses e valores prevalecerem nas redes sociais. Essa burguesia impõe seus valores ou projetos como se fossem causas universais ou de interesse público. A gíria farialimer “balada”, o culto aos reality shows , o yuppismo pop-rock da 89 FM, Rádio Cidade e congêneres, a exaltação da música brega-popularesca (como a axé-music, o trap e o piseiro), a pseudo-sofisticação dos popularescos mais antigos (tipo Michael Sullivan e Chitãozinho & Xororó) e a sensação que a vida humana é um grande parque de diversões. Tudo isso são valores que a burguesia concede aos brasileiros sob a ilusão de que, através deles, o Brasil celebrará a liberdade humana, a paz soc...

LULA QUER QUE A REALIDADE SEJA SUBJUGADA A ELE

LULA E O MINISTRO DA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, SIDÔNIO PALMEIRA. A queda de popularidade do presidente Lula cria uma situação inusitada. Uma verdadeira "torre de Babel" se monta dentro do governo, com Lula cobrando ações dos ministros e o governo cobrando dos assessores de comunicação "maior empenho" para divulgar as chamadas "realizações do presidente Lula". Um rol de desentendimentos ocorrem, e acusações como "falta de transparência" e "incapacidade de se chegar à população" vêm à tona, e isso foi o tom da reunião que o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, publicitário responsável pela campanha de Lula em 2022, fez com 500 profissionais de assessorias de diversos órgãos do Governo Federal, na última sexta-feira. Sidônio criticou a falta de dedicação dos ministros para darem entrevistas para falar das "realizações do governo", assim como a dificuldade do governo em apresentar esses dados ao ...

THE ECONOMIST E A MEGALOMANIA DA BURGUESIA DE CHINELOS ATRAVÉS DO "FUNK"

A CANTORA ANITTA APENAS LEVA O "FUNK" PARA UM NICHO ULTRACOMERCIAL DE UM RESTRITO PÚBLICO DE ORIGEM LATINA NOS EUA. Matéria do jornal britânico The Economist alegou que o "funk" vai virar uma "febre global". O periódico descreve que "(os brasileiros modernos) preferem o sertanejo, um gênero country vibrante, e o funk, um estilo que surgiu nas favelas do Rio. O funk em particular pode se tornar global e mudar a marca do Brasil no processo". Analisando o mercado musical brasileiro, o texto faz essa menção em comparação com a excelente trilha sonora do filme Eu Ainda Estou Aqui , marcada por canções emepebistas, a julgar pela primeiro sucesso póstumo de Erasmo Carlos, "É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo", uma antiga canção resgatada de um LP de 1971. "A trilha sonora suave do filme alimenta a imaginação dos estrangeiros sobre o Brasil como um país onde bandas de samba e bossa nova cantam canções jazzísticas em calçadões de areia. Mas ...