Quando achávamos que o assunto estava completamente esgotado e não falarmos mais do caso Letícia Sabatella, eis que novos desdobramentos acontecem para inspirar novos questionamentos sobre as celebridades.
Nos últimos dias, a embriaguez de Letícia Sabatella, não bastasse a blindagem e a patrulha que recebeu dos "quenuncas" - espécie de "coxinhas" da boemia - , ela recebeu o apoio de duas figuras influentes da TV brasileira, o jornalista Zeca Camargo e a apresentadora Fernanda Lima.
Na sua coluna no portal G1, Zeca definiu a reação de Letícia - aquela que fala em "beber do céu as estrelas" e que manda "um brinde" aos acusadores - como "inteligente" e Fernanda, por sua vez, declarou que Letícia agiu com "senso de humor".
Fora deste contexto, o ator Alexandre Nero, do elenco da novela Império, da Rede Globo, disse que famosos também erram. E, fora de tudo isso, ainda teve nota do colunista de O Dia, Léo Dias, dizendo que uma atriz deu um calote num taxista em Niterói pagando a tarifa com uma nota cenográfica de R$ 50.
As pessoas erram, é verdade. E os famosos erram, sim. Há gente mais esquisita e cheia de neuroses em Hollywood do que na favela da Rocinha. Mas de repente a coisa se deu de forma que o erro não é mais visto como um ato a ser tolerado, mas como uma espécie de autopromoção às avessas.
De repente, veio a apologia do erro e a vaidade de não ser "certinho". Um sentimento de presunção, do "orgulho pelo pior" que acaba atropelando até mesmo os conceitos de consciência social, despertando sentimentos elitistas em seus seguidores.
Isso porque veio o ato dos "quenuncas" definirem como "gente como a gente" (pessoas comuns) aqueles que enchem a cara até cair no chão e precisarem de ajuda para levantar. Uma comparação de muito mau gosto, uma ofensa às pessoas simples, similar a que Diogo Mainardi fez com o povo nordestino.
Além do mais, Letícia estava bebendo vodca, uma bebida de elite, que custa muito caro e muitas vezes é um produto estrangeiro, que já vem caro e ainda sofre taxação de impostos no Brasil. Como ser "gente como a gente" usando bebida de rico é algo bastante complicado.
Nesse festival de erros, de atriz embriagada, outra atriz catoleira e todo um carnaval de apologia aos defeitos humanos, como se estivessem dizendo "sou errado com muito orgulho", quem se saiu melhor foi o casal Marcelo Adnet e Dani Calabresa.
Marcelo havia tido um impulso sexual e acabou "ficando" com uma moça de 30 anos numa boate do Leblon, no Rio de Janeiro. Com a repercussão do fato, ele agiu com humildade e autocrítica e admitiu o erro, pedindo desculpas à esposa.
Esta, por sua vez, compreendeu a situação e, na bancada do programa CQC (TV Bandeirantes), no qual faz parte, Dani ainda fez um beijo cênico no colega Marco Luque, mostrando que tem senso de humor, assim como o marido.
Neste caso, temos que discordar de Fernanda Lima, porque Letícia Sabatella escreveu uma mensagem que demonstra claramente que a atriz ficou irritada com as críticas que recebeu. A declaração "um brinde aos acusadores" também não soou simpática, mas irônica.
Numa época de crise de valores, como o Brasil, preocupa toda essa glamourização dos defeitos humanos, não bastasse o que a intelectualidade "bacana" pregava sobre o que entendiam como "forma ideal de cultura popular", submetida às regras do mercado estrangeiro e fundamentada na domesticação do povo pobre.
A coisa ficou tão grave que a antes deplorável impunidade dos assassinos se converte agora não só em impunidade jurídica mas numa impunidade social em que o criminoso tenta parecer "legal" e "simpático" para a opinião pública, como se quisesse pagar uma rodada de chope para comemorar sua soltura.
Difícil não lembrar do filme surreal O Fantasma da Liberdade (1974), de Luís Buñuel, em que o franco-atirador, apesar de ser condenado à morte, livra-se da cadeia e ainda dá autógrafos para um grupo de jovens admiradoras alucinadas.
O Brasil está se tornando surreal, sob diversos aspectos, e isso se torna preocupante. Não tivemos 500 anos de sacrifícios e lutas para construir um país imbecilizado e arrogante, em certos casos submisso, em outros prepotente, num lado condescendente, no outro vingativo.
Certamente o caso Letícia Sabatella também simboliza o status e a reputação que ela obteve em sua carreira. Ela ganhou uma imunidade que a faz ser elogiada por seus erros. Se fosse uma Luana Piovani, que metade do show business brasileiro quer derrubar, não haveria esse "auê" todo em favor da atriz.
Além dessas coisas, a visão de atraso que descrevi a respeito da própria visão de festa e liberdade de instintos no Brasil de hoje, que remetem mais a visões imprudentes que perderam o sentido nos EUA e Europa é pouco percebida pelas pessoas, afinal elas é que expressam esse contexto do atraso.
As pessoas "descoladas" e "bacanas" no Brasil procuram o glamour de festas que, lá fora, ocorreram há 25, 30 ou 40 anos atrás. O atraso é tão crônico que no Brasil ainda havia hippies quando lá fora até o punk rock parecia velho e cansado, no decorrer dos anos 80.
Mas dizer isso para pessoas que veem o mundo pelo próprio umbigo é em vão. O pessoal fica na farra, mesmo, vai enchendo mais suas caras com doses elevadas de cerveja e vodca, entre outras bebidas, e com muito mais doses de vaidade e presunção.
E imaginar que é justamente essa "liberdade" é vista como um triste drama para o pessoal do exterior. Mais uma vez o Brasil está com o relógio atrasado.
Comentários
Postar um comentário