ALEXANDRE PIRES, IVETE SANGALO E SAULO FERNANDES - MALABARISTAS VOCAIS.
Recentemente, o jornalista Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, escreveu um texto alertando sobre a onda de malabaristas vocais trazidas por programas como The Voice Brasil, revelando uma tendência que, no entanto, vem desde os anos 90, pelo menos da forma que conhecemos.
Sob o pretexto de estarem cantando bem, os cantores berram e, ensaiando um vocal pseudo-soul, fazem acrobacias com as palavras, criando tremedeira vocal, transformando monossílabos em octossílabos, inserindo "iiiihs" e "aaaahs"no final de cada verso, criando falsos vocalizes, alterando andamentos melódicos dos refrões etc etc etc.
É o fenômeno do oversinging, que dá aos incautos a falsa impressão de sofisticação vocal. Mas é tudo de mentira. Muita técnica, muito malabarismo, muito virtuose, mas nenhuma emoção real, por mais que o canto gritado, os gestos calculados, a animação no palco e a aparente desenvoltura tentem nos fazer crer que o entertainer é um "cantor brilhante" e um "artista completo".
Antes de mais nada, é preciso lembrar que entertainer, que não encontra equivalente semântico no Brasil, é aquele famoso que usa a música apenas como um passatempo sem importância, mais preocupado com o visual, a coreografia e outras apelações diante da incapacidade de se destacar como cantor ou músico, especialidades nas quais, no fundo, ele tem menos competência.
É como se um cirurgião ruim caprichasse na iluminação de sua sala de operações e ficasse dizendo "passe a tesoura", "passe a gaze", "isso, muito bem", "mas como esse coração está murcho", em vez de ficar quieto fazendo minuciosamente o seu trabalho.
O oversinger é o entertainer que apela nos dotes vocais. Ele não é apenas um malabarista da voz, mas também dos gestos. Em dado momento ele precisa inclinar a cabeça para cima para forjar um clímax naquele refrão cantado na parte final de uma música. Precisa dar sua dancinha para fazer crer que está contagiado pelo ritmo de uma canção mais dançante. E etcetera etcetera etcetera.
Para um país que teve grandes cantores como Elizeth Cardoso, Dick Farney, Agostinho dos Santos e Sylvia Telles, cujas vozes fluíam como as águas de um rio, com seu curso natural e sua beleza espontânea, ou Jair Rodrigues e Elis Regina que faziam sua dramaticidade na dose certa, é vergonhoso ver quem são tidos como "grandes cantores" na atualidade.
Nomes como Alexandre Pires, Ivete Sangalo, Saulo Fernandes, Tomate, Belo, Leonardo, Xanddy, Thiaguinho, e os próprios jurados da ala brega do The Voice Brasil, Cláudia Leitte e Daniel (que, incapaz de trazer uma música que preste, continua insistindo que "namorou" Suzana Alves, a ex-Tiazinha), são um exemplo deplorável do que são os ditos "grandes cantores" no nosso país.
Isso quando não nos lembramos da desafinação irritante de Chitãozinho & Xororó e Zezé di Camargo & Luciano e sua pseudo-sofisticação artística, que faz os primeiros agora pegarem carona em Tom Jobim (?!) e fez os segundos terem embarcado no trem baiano de Raul Seixas (?!?!).
Eles tentam fazer um jogo de cena para nos enganar e fazer pensarmos que eles são "grandes artistas". Fazem piruetas vocais, alguns versos são cantados em tremedeira - como Alexandre Pires - e monossílabos são impiedosamente prolongados, como fazem a turminha de Saulo Fernandes, Tomate, Adelmo Casé e outros.
Cantoras branquinhas forjando vocal de negras, sem ter sequer a estrutura da laringe para tanto, e certamente tirando do mercado as negras que possuem verdadeira beleza vocal. Os cantores branquinhos, a mesma coisa, e isso às custas de verdadeiras montanhas-russas silabais, fora os desvios de itinerário melódico, quando versos de refrões derrapam para fora de sua rota original.
Tudo isso é feito para dar a falsa impressão de dramaticidade, de emoção ou mesmo de improviso, quando mudanças de entonação melódica nos versos em relação à composição original indicam essa fuga de rota, esse desvio do percurso melódico original.
Só que tudo isso é tão técnico que até o improviso é falso. Improvisa-se demais e de forma tão previsível que deixa de ser improviso. Fica sendo desvio de percurso melódico, mesmo. E o resultado, apesar de toda a grandiloquência, torna-se tão ruim e insuportável, além de ser padronizado.
Tal padronização ocorre porque essa técnica - ainda vamos falar dos tais cantores e músicos amestrados - é igual em todo tipo de cantor, tudo fica muito parecido, até na maneira de "improvisar" e parecer "sofisticado". O cantor é treinado até para interagir com a platéia, tudo fica muito simpático, amistoso, organizado demais, mas sempre forçado e sem gosto.
Kiko Nogueira fez uma interessante comparação: "O que importa é colocar o máximo possível de confetes num bolo até ele perder o gosto. É a globalização da ruindade". E mais: é como colocar queijo ralado em cachorro-quente, o que tira completamente o sabor do famoso sanduíche de salsicha.
Quanta saudade dos artistas espontâneos, que tinham o que dizer, o que fazer, e sabiam nos encantar sem forçar a barra. Ouvir Sylvia Telles, prematuramente falecida no auge da carreira, traz um prazer celestial que Ivete Sangalo (que já ultrapassou em dez anos o tempo de vida da cantora bossa-novista) seria capaz de trazer com toda a pompa e "embelezamento vocal".
Somos acusados de meritocracia, mas o problema é que a meritocracia está do lado dos entertainers e oversingers, porque a meritocracia não é a verdadeira valorização dos méritos naturais, mas a alegação de que os privilégios dos medíocres se dá por motivações falsamente meritórias, quando elas, na verdade, foram feitas mediante alguma vantagem pouco lícita.
Pior é que esses "artistas" estão programados a durar pelo menos 50 anos de carreira, ou até quando não puderem mais ficar em pé. Eles vão nos enrolar com álbuns medíocres, muitos covers de grandes compositores regravados de maneira espúria, músicas autorais que não deixam marca, jogo de cena nos palcos e muita superprodução.
Tudo parece bonito e organizado, mas é sem graça. Música enfeitada e sem alma, verdadeiras embalagens bem-feitas para um conteúdo oco e entediante.
Recentemente, o jornalista Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, escreveu um texto alertando sobre a onda de malabaristas vocais trazidas por programas como The Voice Brasil, revelando uma tendência que, no entanto, vem desde os anos 90, pelo menos da forma que conhecemos.
Sob o pretexto de estarem cantando bem, os cantores berram e, ensaiando um vocal pseudo-soul, fazem acrobacias com as palavras, criando tremedeira vocal, transformando monossílabos em octossílabos, inserindo "iiiihs" e "aaaahs"no final de cada verso, criando falsos vocalizes, alterando andamentos melódicos dos refrões etc etc etc.
É o fenômeno do oversinging, que dá aos incautos a falsa impressão de sofisticação vocal. Mas é tudo de mentira. Muita técnica, muito malabarismo, muito virtuose, mas nenhuma emoção real, por mais que o canto gritado, os gestos calculados, a animação no palco e a aparente desenvoltura tentem nos fazer crer que o entertainer é um "cantor brilhante" e um "artista completo".
Antes de mais nada, é preciso lembrar que entertainer, que não encontra equivalente semântico no Brasil, é aquele famoso que usa a música apenas como um passatempo sem importância, mais preocupado com o visual, a coreografia e outras apelações diante da incapacidade de se destacar como cantor ou músico, especialidades nas quais, no fundo, ele tem menos competência.
É como se um cirurgião ruim caprichasse na iluminação de sua sala de operações e ficasse dizendo "passe a tesoura", "passe a gaze", "isso, muito bem", "mas como esse coração está murcho", em vez de ficar quieto fazendo minuciosamente o seu trabalho.
O oversinger é o entertainer que apela nos dotes vocais. Ele não é apenas um malabarista da voz, mas também dos gestos. Em dado momento ele precisa inclinar a cabeça para cima para forjar um clímax naquele refrão cantado na parte final de uma música. Precisa dar sua dancinha para fazer crer que está contagiado pelo ritmo de uma canção mais dançante. E etcetera etcetera etcetera.
Para um país que teve grandes cantores como Elizeth Cardoso, Dick Farney, Agostinho dos Santos e Sylvia Telles, cujas vozes fluíam como as águas de um rio, com seu curso natural e sua beleza espontânea, ou Jair Rodrigues e Elis Regina que faziam sua dramaticidade na dose certa, é vergonhoso ver quem são tidos como "grandes cantores" na atualidade.
Nomes como Alexandre Pires, Ivete Sangalo, Saulo Fernandes, Tomate, Belo, Leonardo, Xanddy, Thiaguinho, e os próprios jurados da ala brega do The Voice Brasil, Cláudia Leitte e Daniel (que, incapaz de trazer uma música que preste, continua insistindo que "namorou" Suzana Alves, a ex-Tiazinha), são um exemplo deplorável do que são os ditos "grandes cantores" no nosso país.
Isso quando não nos lembramos da desafinação irritante de Chitãozinho & Xororó e Zezé di Camargo & Luciano e sua pseudo-sofisticação artística, que faz os primeiros agora pegarem carona em Tom Jobim (?!) e fez os segundos terem embarcado no trem baiano de Raul Seixas (?!?!).
Eles tentam fazer um jogo de cena para nos enganar e fazer pensarmos que eles são "grandes artistas". Fazem piruetas vocais, alguns versos são cantados em tremedeira - como Alexandre Pires - e monossílabos são impiedosamente prolongados, como fazem a turminha de Saulo Fernandes, Tomate, Adelmo Casé e outros.
Cantoras branquinhas forjando vocal de negras, sem ter sequer a estrutura da laringe para tanto, e certamente tirando do mercado as negras que possuem verdadeira beleza vocal. Os cantores branquinhos, a mesma coisa, e isso às custas de verdadeiras montanhas-russas silabais, fora os desvios de itinerário melódico, quando versos de refrões derrapam para fora de sua rota original.
Tudo isso é feito para dar a falsa impressão de dramaticidade, de emoção ou mesmo de improviso, quando mudanças de entonação melódica nos versos em relação à composição original indicam essa fuga de rota, esse desvio do percurso melódico original.
Só que tudo isso é tão técnico que até o improviso é falso. Improvisa-se demais e de forma tão previsível que deixa de ser improviso. Fica sendo desvio de percurso melódico, mesmo. E o resultado, apesar de toda a grandiloquência, torna-se tão ruim e insuportável, além de ser padronizado.
Tal padronização ocorre porque essa técnica - ainda vamos falar dos tais cantores e músicos amestrados - é igual em todo tipo de cantor, tudo fica muito parecido, até na maneira de "improvisar" e parecer "sofisticado". O cantor é treinado até para interagir com a platéia, tudo fica muito simpático, amistoso, organizado demais, mas sempre forçado e sem gosto.
Kiko Nogueira fez uma interessante comparação: "O que importa é colocar o máximo possível de confetes num bolo até ele perder o gosto. É a globalização da ruindade". E mais: é como colocar queijo ralado em cachorro-quente, o que tira completamente o sabor do famoso sanduíche de salsicha.
Quanta saudade dos artistas espontâneos, que tinham o que dizer, o que fazer, e sabiam nos encantar sem forçar a barra. Ouvir Sylvia Telles, prematuramente falecida no auge da carreira, traz um prazer celestial que Ivete Sangalo (que já ultrapassou em dez anos o tempo de vida da cantora bossa-novista) seria capaz de trazer com toda a pompa e "embelezamento vocal".
Somos acusados de meritocracia, mas o problema é que a meritocracia está do lado dos entertainers e oversingers, porque a meritocracia não é a verdadeira valorização dos méritos naturais, mas a alegação de que os privilégios dos medíocres se dá por motivações falsamente meritórias, quando elas, na verdade, foram feitas mediante alguma vantagem pouco lícita.
Pior é que esses "artistas" estão programados a durar pelo menos 50 anos de carreira, ou até quando não puderem mais ficar em pé. Eles vão nos enrolar com álbuns medíocres, muitos covers de grandes compositores regravados de maneira espúria, músicas autorais que não deixam marca, jogo de cena nos palcos e muita superprodução.
Tudo parece bonito e organizado, mas é sem graça. Música enfeitada e sem alma, verdadeiras embalagens bem-feitas para um conteúdo oco e entediante.
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