Os concursos públicos, às vezes, parecem padecer de uma certa situação kafkiana. Além de haver uma multidão de "atletas de concurso" - gente que até tem outros empregos, e dos bons, mas faz concurso para se jogar para a plateia e acabam na lista de aprovados - , os organizadores e suas máquinas de avaliação, verdadeiros robôs, parecem viver de certas "viagens".
Muitas pessoas fazem provas de concurso e marcam as respostas das questões que garantem estarem certas. E, depois, vendo os gabaritos, se surpreendem que cada resposta é errada e que existe até argumento para dizer por que a resposta certa está "errada" e uma outra resposta, menos verídica, tem seu valor de validade.
Um exemplo fictício. Digamos que haja a seguinte questão: "Qual foi o presidente do Brasil que foi deposto pelo golpe militar de 1964" e quatro opções, das letras "a" a "e", distribuídas, respectivamente, nas seguintes opções: "Washington Luiz", "Dom Pedro I", "Rainieri Mazzili", "João Goulart" e "Fernando Collor".
Evidentemente, a resposta certa é João Goulart, porque ele governava o país quando as tropas do general Olímpio Mourão Filho, sob ordens do governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, estavam se dirigindo ao Rio de Janeiro para lá organizar a intervenção que resultou na ditadura militar.
Todavia, o gabarito do organizador do concurso público afirma que foi Rainieri Mazzili, que na verdade sucedeu Jango no comando do Brasil, portanto, tendo sido presidente em exercício até que se escolhesse um general para governar a República. Apesar de ilógica, a resposta recebeu a seguinte argumentação do organizador do concurso:
"Rainieri foi tirado do poder quando os militares assumiram o poder. Quando o general Castello Branco foi escolhido pelos seus pares presidente da República, Jango havia deixado o poder e, portanto, quem foi destituído do poder foi o presidente em exercício".
Justificativa inconvincente, mas verossímil, descrita num discurso "objetivo" feito para convencer as pessoas de que tais desculpas esfarrapadas obedecem a critérios técnicos e conceitos de objetividade na organização e avaliação de provas de concursos.
Outro exemplo fictício. "Diga qual artista NÃO está relacionado com o movimento da Tropicália, que marcou a cultura brasileira na década de 1960. Cinco opções, na seguinte ordem: "Tom Zé", "Maria Bethânia", "Nara Leão", "Odair José" e "Torquato Neto".
Evidentemente, a resposta é Odair José, que, em que pese o dueto que fez com Caetano Veloso, um dos mentores do Tropicalismo, no festival Phono 73, nunca teve qualquer relação com a causa tropicalista. Até para a Jovem Guarda Odair estava bastante deslocado, porque ele só foi aderir de vez ao movimento depois que ele acabou, em 1968, chegando tarde na "festa de arromba".
No entanto, o organizador do concurso estabelece como resposta a cantora Nara Leão. Justificativa: "Ela foi musa da Bossa Nova e descobriu a música nordestina no começo dos anos 60, logo ela estava vinculada a esses movimentos que, nos festivais de música, vaiaram os artistas do Tropicalismo". Sobre Odair, os organizadores disseram que o brega era "um dos elementos" da Tropicália.
É um argumento sem lógica, uma vez que Nara Leão estava presente no disco Tropicália ou Panis et Circensis, disco que simboliza o movimento e que hoje é ensinado aos jovens nas aulas de música brasileira, quando elas são possíveis de ocorrer.
ROBÔ - Outro aspecto surreal é sobre o que a máquina entende como questão corretamente assinalada. Há, na folha de respostas, uma série de quadradinhos que são lidos por um dispositivo eletrônico, que vê se as questões saíram corretas ou não.
Aí você assinala a questão correta mas ela não sai. A máquina lê errado e entende como questão não marcada ou então duplamente marcada. Você assinalou a resposta correta mas ela é marcada errada ou anulada pelo leitor digital.
Por que será? Dizem nos bastidores que não se pode assinalar todo o retângulo, quadrado ou círculo da questão, mas mesmo assim não dá para decidir se a gente vai assinalar uma meia-lua, ou de que lado do quadrado a máquina consegue ler. Isso gera um grande impasse.
Da mesma maneira, a gente nem sabe se marcar forte dificulta a leitura ou é preciso marcar levemente. A máquina consegue ler uma questão marcada forte ou fraca? A máquina é sensível ou ela só consegue ler algo marcado forte? Isso fica muito complicado.
Enquanto questões como essa ocorrem, os "atletas de concurso", capazes de acertar até quando marcam errado, ficam pentelhando as disputas e levam a melhor nas listas de aprovados. Eles já têm os melhores empregos e fazem concursos só para "testar". Levam a melhor e roubam a vaga dos que precisam trabalhar. E os organizadores de concursos na maior "viagem"...
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