"DEITAÇO" - ARROGÂNCIA EM VEZ DE INOCÊNCIA E IDEALISMO.
Não há como repetir os anos 60, com a liberdade desenfreada de sexo, drogas e bebedeira que, até aqueles tempos, representou a inocência e um certo romantismo das pessoas que encararam os excessos, antes que a Família Manson, o Festival de Altamont e as ondas de overdoses e, mais tarde, a AIDS pudessem mostrar o lado trágico dessa inocência masoquista.
Poucos dias atrás, grupos de jovens articularam um "deitaço", em solidariedade à embriaguez da atriz Letícia Sabatella, em várias partes do país, protestando contra as críticas pesadas feitas à atriz, por conta de muitas doses de vodca.
Nota-se, em manifestações como esta - e o que dizer da solidariedade à Patrícia Marx, que, longe de ser uma figura carismática como Letícia, tem no entanto seus aliados na defesa do consumo de "baseado" - , uma certa arrogância, nada comparável que os excessos que o pessoal cometia nos anos 60.
Estou pesquisando a vida dos escritores beatniks, para um livro sobre 1961, e vejo que, naqueles anos de 1950 e 1960, as pessoas usavam drogas, bebiam muito, fumavam muito, e eram sexualmente promíscuas.
Mas ninguém cometia a gafe de defender a bebedeira, as drogas e a promiscuidade como "bandeira de luta", pelo menos com a convicção com que defendiam causas políticas, intelectuais etc. Há uma ou outra defesa próxima desse sentido, entre os hippies e alguns setores sociais, mas nada muito militante e tudo mais ingênuo.
No Brasil, porém, cuja combinação da cultura trash com os ideais politicamente corretos resultou tanto na bregalização da cultura popular quanto na obsessão das elites pela libertinagem dos instintos, a bebedeira foi convertida a "bandeira de luta" e lá veio o pessoal fazer "deitaço" longe da simplicidade e idealismo dos que faziam os antigos sit-ins ("sentaços", como diríamos hoje).
Em 1960 e 1961, nos EUA, há relatos de grupos de jovens negros que, impedidos de consumirem refeições em restaurantes e lanchonetes frequentadas por brancos, permaneciam sentados às mesas, de maneira pacífica e serena, até poderem ser atendidos. Eles não sairiam do lugar sem que pudessem ser atendidos e se portavam de forma discreta e tranquila, conversando naturalmente.
Nada a ver com o "deitaço" feito com a natural arrogância de muitos jovens adultos brasileiros que acham que a libertinagem é uma "bandeira de luta", ao mesmo tempo "stalinizando" a liberdade de instintos e "macartizando" contra quem se opuser a seus ideais.
É uma espécie de "liberdade" tirânica, em que dois "zés" são usados, um de maneira defensiva, o Josef Stalin, para a radicalização de seus ideais de bebedeira, drogas, pornografia e prostituição, e outro de maneira ofensiva, o Joseph McCarthy, famoso senador anti-comunista dos EUA, para desqualificar aqueles que se opõem a essa "liberdade".
Ai de você dizer, na Internet, que as "mulheres-frutas" não são o seu tipo de mulher e que nem as musas do UFC lhe interessam para o amor. É humilhação na certa, por parte dessa turma "tudo de bom" - os "coxinhas do bem", aparentemente imunes a críticas - que, nesses momentos difíceis, mostra ser mesmo uma turma tudo de ruim.
Isso em nada lembra os antigos drogados, promíscuos e ébrios que eram assim não porque necessariamente achavam seus vícios libertários. Muitos admitiam que não eram. Lou Reed, o falecido poeta e cantor do Velvet Underground, escrevia sobre o submundo não da maneira otimista e feliz que os "bacanas" do Brasil que defendem Leticia Sabatella, Patrícia Marx e companhia.
Antes havia ao mesmo tempo a ingenuidade despretensiosa, que depois cria uma consciência do pesadelo que produzem. Ninguém usa o consumo de drogas ou a bebedeira como "bandeira de luta", ninguém comete a gafe com que a Revolta da Vacina de 1904, no Rio de Janeiro, significou na História.
Sabe-se que a Revolta da Vacina foi um violento levante popular contra a campanha de vacinação promovida pelo médico e cientista Osvaldo Cruz para combater a varíola, e, pasmem, o pessoal estava indignado em ter que encarar uma simples vacina.
Felizmente, na Contracultura, ninguém em sã consciência dizia que "encher a cara" e "ficar doidão" é uma "bandeira de luta" tão importante quanto protestar contra a Guerra do Vietnã ou contra a bomba atômica e a segregação racial. E o pessoal sabe muito bem que drogas e bebidas trazem efeitos colaterais, como crise de vômito, dores de cabeça, distúrbios mentais.
Aqui é que intelectuais "bacaninhas" querem liberar as drogas sob desculpa do uso medicinal, quando o que está em jogo é liberar para eles mesmos fazerem suas "curtidas": sem sermos politicamente corretos, há monografias, mesmo as de pós-graduação, que são feitas mesmo a base de "pó" ou de "ervas".
Da mesma maneira, esses intelectuais também defendem a causa LGBT não por causa do direito de pessoas do mesmo sexo se amarem, mas apenas como pretexto para essa intelectualidade promover sua promiscuidade sexual em suas festinhas particulares, sem proibições de qualquer ordem.
Mas tudo isso é feito sem a puerilidade dos anos 60. E de forma imprudente, arrogante, exibicionista e esnobe. O pessoal que hoje faz "deitaços" ou age nas mídias sociais defendendo tais libertinagens, fora a blindagem artística ou acadêmica, não tem idealismos, e pensa que está na vanguarda do ativismo social, quando está na retaguarda.
Eles adotam modelos de transgressão comportamental que hoje soam datados, sem a puerilidade dos anos 60, como muito se escreveu aqui. São moralistas pelo avesso, agressivos em suas convicções, "patrulheiros" a serviço de seus próprios abusos, tirânicos em sua libertinagem, em que até os gracejos expressam arrogância e presunção.
No fundo, eles descobriram tardiamente todo o astral de curtições, num hedonismo atrasado e demodê, buscando festas que já haviam terminado muitos anos atrás e cujos frequentadores em boa parte já morreram.
Eles querem celebrar a vida e a juventude do velhote que morreu ontem. Acham que são modernos, vanguardistas, fazendo "deitaço" e outras manifestações - mesmo as trolagens contra seus discordantes - como se estivessem à frente do tempo. Não estão. Estão bem atrás.
Eles perderam o trem da véspera e acham que virá um novo trem-bala para acolhê-los. Mas, se esse trem vier, é para atropelá-los no curso do tempo. Não dá para repetir a ingenuidade ébria, drogada e promíscua dos anos 60. Os anos são outros.
Não há como repetir os anos 60, com a liberdade desenfreada de sexo, drogas e bebedeira que, até aqueles tempos, representou a inocência e um certo romantismo das pessoas que encararam os excessos, antes que a Família Manson, o Festival de Altamont e as ondas de overdoses e, mais tarde, a AIDS pudessem mostrar o lado trágico dessa inocência masoquista.
Poucos dias atrás, grupos de jovens articularam um "deitaço", em solidariedade à embriaguez da atriz Letícia Sabatella, em várias partes do país, protestando contra as críticas pesadas feitas à atriz, por conta de muitas doses de vodca.
Nota-se, em manifestações como esta - e o que dizer da solidariedade à Patrícia Marx, que, longe de ser uma figura carismática como Letícia, tem no entanto seus aliados na defesa do consumo de "baseado" - , uma certa arrogância, nada comparável que os excessos que o pessoal cometia nos anos 60.
Estou pesquisando a vida dos escritores beatniks, para um livro sobre 1961, e vejo que, naqueles anos de 1950 e 1960, as pessoas usavam drogas, bebiam muito, fumavam muito, e eram sexualmente promíscuas.
Mas ninguém cometia a gafe de defender a bebedeira, as drogas e a promiscuidade como "bandeira de luta", pelo menos com a convicção com que defendiam causas políticas, intelectuais etc. Há uma ou outra defesa próxima desse sentido, entre os hippies e alguns setores sociais, mas nada muito militante e tudo mais ingênuo.
No Brasil, porém, cuja combinação da cultura trash com os ideais politicamente corretos resultou tanto na bregalização da cultura popular quanto na obsessão das elites pela libertinagem dos instintos, a bebedeira foi convertida a "bandeira de luta" e lá veio o pessoal fazer "deitaço" longe da simplicidade e idealismo dos que faziam os antigos sit-ins ("sentaços", como diríamos hoje).
Em 1960 e 1961, nos EUA, há relatos de grupos de jovens negros que, impedidos de consumirem refeições em restaurantes e lanchonetes frequentadas por brancos, permaneciam sentados às mesas, de maneira pacífica e serena, até poderem ser atendidos. Eles não sairiam do lugar sem que pudessem ser atendidos e se portavam de forma discreta e tranquila, conversando naturalmente.
Nada a ver com o "deitaço" feito com a natural arrogância de muitos jovens adultos brasileiros que acham que a libertinagem é uma "bandeira de luta", ao mesmo tempo "stalinizando" a liberdade de instintos e "macartizando" contra quem se opuser a seus ideais.
É uma espécie de "liberdade" tirânica, em que dois "zés" são usados, um de maneira defensiva, o Josef Stalin, para a radicalização de seus ideais de bebedeira, drogas, pornografia e prostituição, e outro de maneira ofensiva, o Joseph McCarthy, famoso senador anti-comunista dos EUA, para desqualificar aqueles que se opõem a essa "liberdade".
Ai de você dizer, na Internet, que as "mulheres-frutas" não são o seu tipo de mulher e que nem as musas do UFC lhe interessam para o amor. É humilhação na certa, por parte dessa turma "tudo de bom" - os "coxinhas do bem", aparentemente imunes a críticas - que, nesses momentos difíceis, mostra ser mesmo uma turma tudo de ruim.
Isso em nada lembra os antigos drogados, promíscuos e ébrios que eram assim não porque necessariamente achavam seus vícios libertários. Muitos admitiam que não eram. Lou Reed, o falecido poeta e cantor do Velvet Underground, escrevia sobre o submundo não da maneira otimista e feliz que os "bacanas" do Brasil que defendem Leticia Sabatella, Patrícia Marx e companhia.
Antes havia ao mesmo tempo a ingenuidade despretensiosa, que depois cria uma consciência do pesadelo que produzem. Ninguém usa o consumo de drogas ou a bebedeira como "bandeira de luta", ninguém comete a gafe com que a Revolta da Vacina de 1904, no Rio de Janeiro, significou na História.
Sabe-se que a Revolta da Vacina foi um violento levante popular contra a campanha de vacinação promovida pelo médico e cientista Osvaldo Cruz para combater a varíola, e, pasmem, o pessoal estava indignado em ter que encarar uma simples vacina.
Felizmente, na Contracultura, ninguém em sã consciência dizia que "encher a cara" e "ficar doidão" é uma "bandeira de luta" tão importante quanto protestar contra a Guerra do Vietnã ou contra a bomba atômica e a segregação racial. E o pessoal sabe muito bem que drogas e bebidas trazem efeitos colaterais, como crise de vômito, dores de cabeça, distúrbios mentais.
Aqui é que intelectuais "bacaninhas" querem liberar as drogas sob desculpa do uso medicinal, quando o que está em jogo é liberar para eles mesmos fazerem suas "curtidas": sem sermos politicamente corretos, há monografias, mesmo as de pós-graduação, que são feitas mesmo a base de "pó" ou de "ervas".
Da mesma maneira, esses intelectuais também defendem a causa LGBT não por causa do direito de pessoas do mesmo sexo se amarem, mas apenas como pretexto para essa intelectualidade promover sua promiscuidade sexual em suas festinhas particulares, sem proibições de qualquer ordem.
Mas tudo isso é feito sem a puerilidade dos anos 60. E de forma imprudente, arrogante, exibicionista e esnobe. O pessoal que hoje faz "deitaços" ou age nas mídias sociais defendendo tais libertinagens, fora a blindagem artística ou acadêmica, não tem idealismos, e pensa que está na vanguarda do ativismo social, quando está na retaguarda.
Eles adotam modelos de transgressão comportamental que hoje soam datados, sem a puerilidade dos anos 60, como muito se escreveu aqui. São moralistas pelo avesso, agressivos em suas convicções, "patrulheiros" a serviço de seus próprios abusos, tirânicos em sua libertinagem, em que até os gracejos expressam arrogância e presunção.
No fundo, eles descobriram tardiamente todo o astral de curtições, num hedonismo atrasado e demodê, buscando festas que já haviam terminado muitos anos atrás e cujos frequentadores em boa parte já morreram.
Eles querem celebrar a vida e a juventude do velhote que morreu ontem. Acham que são modernos, vanguardistas, fazendo "deitaço" e outras manifestações - mesmo as trolagens contra seus discordantes - como se estivessem à frente do tempo. Não estão. Estão bem atrás.
Eles perderam o trem da véspera e acham que virá um novo trem-bala para acolhê-los. Mas, se esse trem vier, é para atropelá-los no curso do tempo. Não dá para repetir a ingenuidade ébria, drogada e promíscua dos anos 60. Os anos são outros.
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