O escritor Marcelo Mirisola é um daqueles talentos que seguem seu caminho de qualidade e de avaliação crítica da sociedade que não passam sequer perto do carnaval midiático e do atual modismo de livros sobre diários de moças alucinadas, ficções sobre vampiros ou mistérios medievais e as auto-ajudas de sempre.
Mirisola é associado a uma tendência literária chamada "autoficção", que cresceu a partir de 1977 com a produção de obras em que autor, personagem e narrador se misturam, e na qual particularidades da vida do autor se misturam a narrativas fictícias, mesmo de maneira implícita. Ele publica livros desde 1998.
Não li as obras de Marcelo Mirisola, mas chamou-me a atenção de um comentário que ele fez em relação ao oba-oba literário, que ele compara ao do antigo sofá do programa da Hebe Camargo, com aquele desfile de elogios rasgados a qualquer um, mania de bajulações que vemos tanto no âmbito da MPB autorreverente de hoje e na intelectualidade "bacana" que quer bregalizar o país.
Na MPB, esse "sofá da Hebe" se nota nas intermináveis homenagens aos grandes nomes e grandes clássicos da MPB autêntica, que soa como um canto de cisne da música de qualidade, e cria um clima de puxa-saquismo que contagia os bregas que brincam de "ser MPB", como os neo-bregas da geração 1990, como "sertanejos" e "pagodeiros", já se perdendo nessa tsunami de "tributos".
Na literatura, Mirisola comenta que também existe essa mania de troca de elogios, bajulações, puxa-saquismos, alcovitagens. E que podemos inferir que se carateriza também no clientelismo, nos compadrios, nos apadrinhamentos e em todo um círculo de conveniências que faz o meio artístico mais parecer uma expressão de favores do que de valores.
Na intelectualidade e no meio acadêmico, passando por jornalistas culturais, antropólogos, sociólogos etc, nota-se que um jornalista cultural tal bajula o livro do historiador tal, que bajula o documentário da cineasta tal, que bajula o ativismo de uma acadêmica acolá, que se engaja para bajular o antropólogo da vez etc etc etc.
E aí entra o comentário de Mirisola, sobre a mediocrização do meio acadêmico, com as teses que defendem a bregalização do país em monografias delirantes, que fazem etnografia do nada, criando, "sem preconceitos", uma abordagem preconceituosa que atribui a fenômenos popularescos uma rede de referências culturais e ativistas que só existe na imaginação dos próprios monografistas.
"Com relação às teorizações, a autoficção é apenas uma gota num oceano de picaretagens. Ontem mesmo recebi um livro aqui em casa cujo título é, pasme, "A estética funk carioca – Criação e conectividade em mister Catra". Aí eu lhe pergunto e lhe respondo: como é que pode? Pode porque você e eu pagamos impostos, e esse dinheiro é jogado no lixo das CNPq, CAPES, Faperj e similares, verba pros doutores(as) se masturbarem em teses esdrúxulas sobre Popozuda, "pegging" – sabe o que é isso? Tem tese na PUC-RJ, dá uma googada – Mister Catra, autoficção etc etc etc".
Pode ser que Mirisola não tenha a metade da visibilidade que os "bacaninhas" que acham o "funk" e outras porcarias similares o máximo. Mas, pelo menos, é uma voz com notável projeção, pelo menos é um nome bastante conhecido no meio e com um considerável número de obras publicadas.
Os tempos estão mudando e os pensadores que não compactuam com a mediocridade e desejam uma cultura melhor para o país voltaram a terem destaque.
Comentários
Postar um comentário