A intelectualidade "bacana", aquela que defende a bregalização do país, não cuida mesmo dos próprios defendidos e cai em muitas confusões e contradições. Nem os funqueiros acabam sendo protegidos nesse carnaval todo da "celebração do mau gosto popular".
Depois que o roqueiro Lobão, já nos seus devaneios reacionários, disse que o "funk carioca" era mais instigante que o Rock Brasil, e a dupla breganeja Zezé di Camargo & Luciano decepcionou as esquerdas médias assumindo seu lado ruralista, e, no meio disso tudo, a Joelma da Banda Calypso revelando uma homofobia digna de Marco Feliciano, a nossa intelligentzia se desnorteou.
Mas também essa intelectualidade faz por onde. Quando é para ela se projetar transformando meros fenômenos comerciais em "etnografia pós-moderna", eles vão fundo. Mas quando é para assistir os funqueiros nos momentos mais difíceis, eles não fazem.
O caso mais recente é o do programa Esquenta!, da Rede Globo, que havia sido o símbolo da "mistureba cultural" promovida pela intelectualidade etnocêntrica. Era um programa feito na trincheira do poder midiático, mas simbolizava os interesses dessa intelectualidade metida a esquerdista que, depois de um "baile funk" era capaz de bajular até o Barão de Itararé.
Um dançarino que participava do programa, Douglas Pereira, o DG, havia sido assassinado há cerca de sete meses durante uma ação policial e sua mãe pediu ao programa um apoio a ela na luta por justiça, pela devida punição dos culpados e pelo apoio a ela na angústia de não ter mais consigo seu filho querido.
Eis que Regina Casé demonstrou indiferença e, quando o fato ainda era muito recente, explorou o caso de maneira tendenciosa, oportunista, recentemente denunciado pela mãe, Maria de Fátima Silva, em evento realizado no último dia 20, Dia da Consciência Negra:
"Praticamente me arrancaram da minha casa e me levaram para a TV. A senhora Regina Casé e a produtora do programa Esquenta! limitaram o que eu devia falar. Eu só deveria responder o que me perguntassem. Quando eu tentava falar sobre a violência da polícia, era cortada. Regina é uma farsa, uma artista, uma mentirosa".
Fátima ainda encontrou, nos bastidores do Esquenta!, uma agenda que continha as seguintes anotações: "Não pode falar que foi a polícia" e "Solta fotos sensacionalistas para a mãe chorar". Numa outra página, há uma anotação de Regina dizendo que "nunca foi vontade" da apresentadora apresentar programa "sobre pobre e periferia".
Regina já sinalizou que sofre de estrelismo, que não quer se ver misturada sequer com os astros da TV e que se irritou ao perder um prêmio para a simpática e generosa Fernanda Lima. E demonstrou seu elitismo cruel por trás de seu suposto populismo que a fez ser até garota-propaganda da Caixa.
O "funk", carro-chefe do programa, está envolvido em uma série de impasses e contradições. Seus ativistas costumam defender sutilmente o fim do policiamento nas favelas. Em contrapartida, a corrupção e a burocracia políticas produzem policiais truculentos e muito mal treinados. Ambos os casos geram um desequilíbrio que acaba resultando na morte de inocentes como DG.
Quanto aos programas de Regina Casé - que apresentou outros de proposta similar ao Esquenta!, todos em parceria com o antropólogo Hermano Vianna - , ele simboliza o processo de domesticação e estereotipação das classes populares, que são o lado inocente da coisa, enquanto ficam na cruzada entre uma periferia sem polícia e um Estado com polícia corrupta e brutamontes.
Até a acadêmica Ivana Bentes, em que pese seu notável ativismo social, se contradisse quando reprovou o projeto do programa Central da Periferia (antecessor do Esquenta!) por explorar o mito da "periferia legal", mas elogiou o documentário Sou Feia Mas Tô Na Moda, de Denise Garcia, que trabalha a mesmíssima proposta, mesmo sob um discurso "etnográfico".
A onda de contradições, só dentro do "funk", acontece de tal forma que seus astros, depois que se autoproclamam "fora da mídia", se entregam ao establishment midiático mais conservador, sob as calças dos barões da grande mídia.
Uma gafe cometida na revista Caros Amigos, há cerca de cinco anos atrás, é ilustrativa. Nela, uma repórter havia escrito que Mr. Catra "seguia invisível às corporações da grande mídia", mas ele já havia marcado presença constante no programa Caldeirão do Huck, do nada esquerdista Luciano Huck, transmitido em rede nacional, para milhares de espectadores, via Rede Globo de Televisão.
Outro fator foi o fenômeno MC Guimê, que as "esquerdas médias", persuadidas por Pedro Alexandre Sanches - colaborador enrustido dos barões da grande mídia infiltrado na intelectualidade de esquerda - tentaram classificar como o herói do "ativismo das periferias", mesmo com uma proposta que defendia o consumismo e exaltava o capitalismo.
Pois o MC Guimê que estranhamente era definido como "anti-capitalista" exaltando o mais caro consumismo capitalista, tão cortejado pela mídia esquerdista, a apunhalou pelas costas quando passou a ser capa e alvo de matéria elogiosa pela revista Veja, famosa pelo seu ódio mais furioso aos movimentos sociais.
Se a Veja corteja o MC Guimê, a Globo exalta o Mr. Catra e Valesca Popozuda agora virou queridinha da revista Caras, que revolução sócio-cultural as "esquerdas médias" querem promover com o "funk", principalmente depois que Regina Casé, sua maior propagandista, foi reprovada?
Nem vamos falar do jogo duplo de MC Leonardo, que apunhala os leitores de Caros Amigos pelas costas abraçando as Organizações Globo através de uma coluna do jornal Expresso, Esse jogo duplo dos dirigentes funqueiros os fazem abraçarem até mesmo um Danilo Gentili, um Gilberto Dimenstein e fazem "tigrões" e "cachorras" participarem dos bacanais dos "urubus" da mídia.
Por trás disso, quando os funqueiros são alvo da polícia, curiosamente seus defensores nem ligam. No caso do MC Daleste, seu crime não foi até agora esclarecido, mas seus defensores exploraram nele uma imagem de "mártir", de "revolucionário", de "ativista", "símbolo da rebelião popular", "guerrilheiro da cultura" e tudo o mais.
No entanto, o que realmente importa, que é descobrir quem matou Daleste - e olha que o crime ocorreu quando ele se apresentava a uma plateia cheia, com muitas testemunhas - e punir os culpados conforme a lei (de preferência barrando brechas para a impunidade), isso ninguém faz.
O caso de Regina Casé, mesmo que seja feito nos quintais do esquemão midiático, põe a intelectualidade "bacana" sob um impasse, mesmo aquela que se esconde nos portais de Caros Amigos, Fórum, Brasil de Fato e Carta Capital. Pois é toda uma intelectualidade que deseja a bregalização do país que fica enquadrada num impasse.
Afinal, são eles que, defendendo ideias tecnocráticas igualzinho a que Hermano Vianna, Ronaldo Lemos e outros defendem no Navegador da Globo News (espécie de "Manhattan Connection da periferia"), e, em contrapartida, defendem a domesticação do povo pobre pelo "brega de raiz" (tal qual Paulo César Araujo), "funk" e similares, desmascarados junto com Regina Casé.
Todos eles acabam deixando claro seus interesses elitistas, sua ojeriza em não se misturarem com o povo pobre, chegando a inventar que "a verdadeira MPB" é o brega, o "funk", o "sertanejo" e por aí vai para impedir que as periferias ouçam música de verdade, e mesmo o samba de raiz que nem MC Leonardo suporta ver os jovens pobres redescobrindo fora dos filtros radiofônicos.
O que esses intelectuais querem é uma periferia imbecilizada, desmobilizada, que só se "mobiliza" quando George Soros, as Organizações Globo e seus intelectuais "bacaninhas" quiserem. Nada que possa representar uma melhoria de qualidade de vida, mesmo quando há a desejada injeção de dinheiro (Bolsa Família, Lei Rouanet etc)
O que interessa para essa moçada "bem legal" é que o "povão" continue preso no seu papel imbecilizado e subordinado, pouco importando que seus integrantes morram no meio do caminho. A vida deles só serve mesmo para alimentar o marketing intelectualoide e movimentar a poderosa máquina do mercado hipócrita da imbecilização cultural.
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