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CINCO ANOS APÓS O RETORNO, RIDE TOCOU NO BRASIL


Depois de decidirem se reunir após 18 anos de declarada extinção, a banda Ride, de Oxford, tocou no Brasil.

Foi ontem, em São Paulo, no Balaclava Fest, organizado pela gravadora do mesmo nome.

O evento, realizado na casa noturna Audio, teve outras atrações, como Wild Nothing (EUA), Land of Talk (Canadá), Vagabon (Camarões) e os paulistanos Luíza Lian e Terno Rei.

Mas o Ride acabou tendo destaque, e isso é uma justiça dada, ainda que com 29 anos de atraso.

Ride foi um dos maiores nomes do shoegaze, tendência do rock alternativo do Reino Unido que infelizmente não foi levada a sério fora da monarquia britânica.

O shoegaze só repercutiu em circuitos alternativos dos EUA, mas fora disso tinha dificuldades até nos outros meios alternativos.

Isso porque, infelizmente, como ocorreu no Brasil, o radialismo rock começou a entrar em colapso.

As rádios de rock autênticas sofriam de dificuldades financeiras e um sem-número de "rádios rock" canastronas, a partir da paulista 89 FM, na verdade "rádios pop que só tocam rock", surgiu no final dos anos 1980 para tocar só hit-parade.

E veio ainda a ciumeira dos jornalistas estadunidenses quando o britânico Everett True foi cobrir a cena roqueira de Seattle, no extremo oeste dos EUA, e deu no que deu.

A imprensa ianque foi superestimar o grunge, que era a tal cena, de forma a fazer todo mundo esquecer que era um correspondente da extinta Melody Maker que descobriu o cenário.

E aí foi um hype danado que causou vários prejuízos.

O shoegaze, filho da cena alternativa britânica dos anos 1980, foi desprezado. Da cena britânica de 1990-1992, só quem fazia crossover com a house music - o chamado indie dance - furava a bolha britânica e aparecia fácil nas rádios supostamente alternativas do Brasil.

Com isso, um inexpressivo Jesus Jones tinha mais cartaz fora do Reino Unido que grandes grupos como Ride e Slowdive.

RENATO RUSSO FOI UM DOS MAIORES FÃS DO RIDE.

Nem o fato de Renato Russo, da Legião Urbana, ter sido fã do Ride - ele faleceu na época de Tarantula, o último disco - , sensibilizou mídia e mercado a divulgarem a banda no Brasil.

Mas o que mais prejudicou o shoegaze foi o quase monopólio do grunge, que, mesmo já se tornando mainstream, virou um paradigma do suposto alternativo.

E o faz-de-conta de "cultura alternativa" no Brasil, com selos de grandes gravadoras fantasiados de "independentes", rádios comerciais ditas "de rock" (das quais, dessa época, resiste a 89 FM), revistas comerciais fantasiadas de "zines" ou "revistas alternativas", foi feito.

Tinha até parada "independente" que o caderno Zap!, de O Estado de São Paulo, copiada da britânica.

Mas quanto ao som, até a indústria fonográfica boicotava os shoegazers em benefício da supervalorização do grunge.

Isso prejudicou tanto o shoegaze, que nunca foi devidamente conhecido no Brasil, quanto o próprio grunge, que sofreu as pressões do sucesso extremo.

Não por acaso, ao longo dos anos vários nomes do grunge se mataram ou morreram em consequência da depressão e outros problemas.

E o Ride nunca foi devidamente divulgado no Brasil. Quando o grupo lançou o seminal Nowhere, de 1990, as rádios Fluminense FM (Niterói) e 97 Rock (Santo André) viviam fases muito fracas, na tentativa de correr atrás da nascente MTV.

Nowhere teria o impacto que tiveram os Smiths nos anos 1980, se tivesse sido divulgado amplamente. Mas, quando havia "rádio rock" bem estruturada, na verdade eram rádios pop com vitrolão roqueiro, que não tinham pessoal especializado.

E era uma época bem inflexível, no qual as músicas só tocavam nas "rádios rock" se tiverem videoclipe. Se não tiverem, nem sob súplicas de ouvintes ajoelhados ou cabisbaixos, à maneira dos shoegazers.

É claro que hoje os tempos mudaram e até as "rádios pop que só tocam rock" de hoje (89 e Rádio Cidade) precisam caçar rinocerontes na Disneylândia e têm que tocar até coisas mais "difíceis", para o bem do mercado de festivais e concertos de rock.

O som do Ride não é digestível. Apesar dos rapazes, em 1990, terem beleza atraente para as fãs, eles eram muito consistentes musicalmente, e muitas músicas de Nowhere são sombrias.

O mais irônico é que três faixas de Nowhere, o trio de lentas "In a Different Place", "Polar Bear" e "Dreams Burn Down", acabaram influenciando o britpop num tempo em que o rock dos EUA e Reino Unido se tornou melancólico.

O britpop, derivado menos criativo (o que não significa que era ruim) do shoegaze, foi marcado por bandas como Muse, Travis, Radiohead e as fases mais melancólicas de Oasis, Verve e Cranberries (estes surgidos ainda no auge da ultracriativa cena de 1990-1992).

Salvo exceções, parece que as bandas queriam perseguir "In a Different Place" e criar canções iguais a ela. Ou então "Polar Bear" e "Dreams Burn Down", que, creio, devem ter sido a obsessão de Thom Yorke, do Radiohead, conterrâneo do Ride, de Oxford.

E isso prejudicou muito. Afinal, o britpop foi um pequeno consolo que a mídia corporativa de rock deu aos ouvintes depois que ela boicotou o shoegaze.

Não se permitiu conhecer as melodias do Ride, as guitarras ágeis e equilibrando ou alternando musicalidade e barulho, as harmonias vocais dos vocalistas Andy Bell e Mark Gardener, e não ser garimpando os espaços alternativos aos "alternativos" que haviam no Brasil.

O Ride lançou quatro álbuns de estúdio, Nowhere, Going Blank Again (originalmente sem a faixa-título, música de compacto que só foi "adotada" pelo álbum em edição de CD), Carnival of Light e Tarantula, o problemático disco de 1996, produzido durante as desavenças de Andy e Mark.

O álbum Tarantula inspirou meu antigo zine Tarantula View, embrião do zine O Kylocyclo, depois renascido em blogue e que, em parte, teve sua proposta herdada por este blogue atual.

O Ride chegou a fazer turnê com a banda The Creation, quando esta banda (que teve Ron Wood em uma de suas formações) fez sua última excursão com o vocalista original, Kenny Pickett, que faleceu poucos anos depois.

Nessa época, 1994, o Ride havia incluído, em Carnival of Light, a música "How Does It Feel to Feel" do Creation, cujo nome, aliás, inspirou a gravadora independente de Alan McGee, para a qual a banda de Gardener e Bell era contratada.

Andy Bell tornou-se conhecido também por ter trocado a guitarra pelo baixo quando fez parte da última formação do Oasis e da breve trajetória da banda Beady Eye (tentativa dos integrantes do Oasis seguirem juntos sem Noel Gallagher).

O Ride já ensaiou uma volta, em 2001, mas foi em 2014 que o grupo retomou para valer a carreira e fez sua amostra pela primeira vez no Brasil.

Vamos ver se, desta vez, o Ride se torna mais conhecido, e seus discos possam ser lançados aqui no Brasil.

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