A volta da Rádio Cidade "roqueira" ocorreu há cerca de dois meses e meio, mas agora seu marketing começa a pegar.
Dentro da terra de cegos que se tornou o Rio de Janeiro, com cariocas ajudando a construir o golpe de 2016 e abrindo caminho para a tirania das milícias, a Rádio Cidade é "soberana" dentro de um antro de funqueiros e simpatizantes do breganejo.
A emissora voltou com a relativa mudança de prometer tocar um som voltado ao público "jovem / adulto", mais ou menos entre 25 e 49 anos.
Muito blablablá se deu embolando as coisas, dizendo que a Rádio Cidade atual "voltou às origens", "recolocou o rock no mapa radiofônico do RJ" e por aí vai.
A obsessão da Rádio Cidade pelo rock surgiu de uma certa ciumeira com o sucesso da Fluminense FM.
A Cidade contribuiu para enfraquecer a concorrente, como Antonio Salieri contra o gênio Wolfgang Amadeus Mozart. Infelizmente, a "façanha" da Cidade deu certo, e a "fobia" da equipe da Maldita de ver a outra despejando rock sobre o RJ se concretizou.
É claro que três dos maiores erros da Rádio Cidade, que a derrubaram em 2016, foram mantidos.
Primeiro, o nome, um tanto cafona para uma rádio de rock, e que só tem força como marca para os empresários que investem em eventos e produtos relacionados ao público de rock.
Segundo, a equipe, feita por "profissionais de rock" cujo envolvimento com o gênero é medido com o cartão de ponto do horário de trabalho. Gente que não entende nem curte rock, mas deve ter algum pistolão da Artplan por trás, para continuar explorando o gênero.
Entre eles está o locutor de estilo bem pop, Demmy Morales, remanescente do grupo de iconoclastas radiofônicos que destruíram a Fluminense FM e abriram caminho para a Rádio Cidade virar "roqueira".
Para quem não sabe, de um lado, nomes como Marcelo Arar, Victor Orelhinha, Mário Bittencourt e DJ Saddam (que empresariou a então cantora e hoje musa fitness Kelly Key, one wit wonder do sucesso "Baba Baby") formataram a Jovem Pan Rio / Jovem Rio.
De outro, Rhoodes Dantas (que "entregou" a Flu FM a DJs acima citados), Paulo Becker e Demmy Morales foram formatar a "programação roqueira" da Rádio Cidade.
Terceiro, o repertório, ainda preso no hit-parade, pois a mentalidade da Rádio Cidade sempre foi "só sucesso", mesmo nos momentos, digamos, "mais neuroticamente roqueiros".
Agora a emissora tenta não apenas repetir menos as músicas, como na fase 2014-2016, mas tenta escapar levemente dos hits.
Típico costume carioca-niteroiense (a Rádio Cidade "nasceu" em Niterói). Leva-se tempo para aprender as lições e adotar as mudanças.
Isso porque a Rádio Cidade nunca rompeu com sua trajetória original. O fantasma da "rádio pop" assombra até hoje, como um espectro de alguém que foi abandonado, morreu e ainda ronda a casa onde perdeu a vida.
Daí por exemplo o estilo de locutores de estilo Mix FM, anunciando nomes como AC/DC e Clash mas com as vozes e entonações de quem estivessem falando para fãs de Justin Bieber e Ariana Grande.
Aliás, fala-se tanto que os radialistas "são experientes", mas eles personificam o chamado protótipo dos "profissionais de rock".
Daí que não vai dar para o roqueirinho deslumbrado perguntar ao Demmy Morales se o Greta Van Fleet é ou não uma fotocópia do Led Zeppelin. Ele não é do ramo.
O marketing da Rádio Cidade também mostra muita "gente bonita" e a rádio teve a "façanha" de introduzir, no Rio de Janeiro, o protótipo dos "mauricinhos e patricinhas de jaqueta".
Na prática, a Rádio Cidade é aquela rádio pop que transforma as jaquetas de couro em camisas de força.
Por mais "esforçado" que seja seu playlist, o apego ao hit-parade é inevitável.
Para os padrões indigentes do Rio de Janeiro, a Rádio Cidade parece ser "genial" e "criativa", mas é só comparar ao das melhores rádios de rock dos EUA, Reino Unido ou mesmo da Austrália, Canadá e outros países europeus, a programação é sofrível.
Pelo menos, sabiamente, o jornalista Bernardo Araújo não define a Rádio Cidade como uma rádio "especializada em rock", mas uma rádio "dedicada ao rock", bem mais honesto.
Afinal, com a equipe de "profissionais de rock" que, fora do trabalho, correm de pavor de qualquer som de guitarra elétrica adiante, a Rádio Cidade tem dificuldades para crescer.
Com o nome "Rádio Cidade" - que no auge do punk rock e no alvorecer do metal, tocava disco music - , seu histórico confuso continua sendo difundido, sob a resignação da crítica especializada (paciência, nem todo mundo que entende de rádio necessariamente entende de rock).
A programação, agora tocando mais rock clássico no repertório - diferente dos anos 1990 e 2000 e na fase 2014-2016, havia maior ênfase na quadra grunge-poser-poppy punk-nu metal) - , tenta agora, com 42 anos de atraso, competir com a histórica Eldo Pop.
Entre 1972 e 1978, a Eldo Pop tocava rock clássico e contemporâneo na época. Ao ser extinta há 41 anos, a Cidade nem estava aí para herdar o formato.
Se a Cidade tivesse surgido em 01 de maio de 1977 adotando a linha atual, teria sido mais honesto, em termos históricos, apesar do nome blasé.
Tem até a política da boa vizinhança: a Cult FM, webradio muito boa, mas presa à "bolha" digital, já veio com elogios à rádio dos 102,9 mhz. A Kiss FM e a maioria dos órfãos da Fluminense FM também manifestam a mesma postura.
A verdade é que a Rádio Cidade é a única rádio com relações umbilicais com o empresariado ligado a produção de eventos musicais, festivais e de donos de casas noturnas que abrigam concertos de rock no Rio de Janeiro. Na prática, Roberto Medina é o maior público-alvo da Rádio Cidade.
Daí que a Rádio Cidade não é uma rádio de roqueiros, já que seu quadro de locutores é quase todo de gente fora do ramo, sem a menor segurança de palpitar um novo rock que valha a pena para os ouvidos do público.
Na verdade, a programação musical nem é bolada pelo coordenador, mas por consultorias que atendem a ele e aos produtores da Rádio Cidade, que a partir de suas sugestões, bolam o repertório musical tocado.
O repertório pode ser pesquisado aqui, para quem não tem paciência de ouvir o repertório e ver seus ouvidos arranhados por alguma locução "poperó" que pintar no horário.
Enquanto isso, eu fico humildemente nas buscas auditivas do YouTube.
Até porque a descoberta de psicodelia de 1959-1960 (Joe Meek and The Blue Men) e música eletrônica de 1957-1958 (Tom Dissevelt e Kid Baltan) já tornam a plataforma de vídeos mais interessante.
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