Sabemos que é desagradável escrever isso para cariocas e fluminenses, mas em parte eles consentiram com a decadência que o Rio de Janeiro está vivendo nos últimos anos.
Os desastres que acontecem envolvem quase sempre aquela visão pragmática do "não é aquela maravilha, mas até que está bom demais".
Isso inclui até mesmo a adoção de milicianos como "segurança comunitária" e do Exército como arremedo de segurança policial.
Isso influiu nas duas das três tragédias ocorridas na semana que se encerra.
Um músico e segurança, Evaldo Rosa, foi assassinado por militares do Exército no Guadalupe, dentro de um carro que tinha ele e outras pessoas, gente realmente do bem, que ia a um chá-de-bebê de pessoas amigas.
Ontem foi o desabamento de dois prédios na Comunidade da Muzema, em Itanhangá, vizinho ao bairro de Rio das Pedras.
Esse entorno é dominado por milicianos que teriam ordenado a construção, de forma irregular, desses prédios, através de uma imobiliária clandestina que vendia moradias para pessoas pobres.
Esse também é efeito do pragmatismo, da influência que os milicianos, em tese, exerceriam como segurança "privada" e como dublês de empreendedores.
Sabe-se que eles controlam serviços de gás, transporte (vans), TV por assinatura (apelidada jocosamente de "Gatonet") e até de jukebox.
No caso do jukebox, é, em pqrte, uma das consequências da bregalização que a intelectualidade "bacana" defendia sob a desculpa do "combate ao preconceito".
Isso fez ampliar o mercado dessa discoteca miliciana, dentro do contexto da "pobreza linda" que nunca fez para superar a pobreza social do povo pobre, apesar da intelectualidade "bacana" entrar de penetra nos eventos, veículos e instituições esquerdistas.
E aí tivemos essa tragédia, porque ninguém se atenta para a questão da moradia.
No Rio de Janeiro, ninguém quer coisa alguma: melhoria cultural, melhoria no meio ambiente, melhoria das moradias do povo pobre.
Isso é também uma parte do pragmatismo, como é também o golpismo que os cariocas deram de presente ao país, elegendo Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro para o Legislativo em 2014.
Se Cunha não tivesse sido eleito, não teríamos impeachment e nem esse cenário político que, de 2016 para cá, está devastando o Brasil a ponto do nosso país virar vergonha mundial.
Cunha e Bolsonaro foram eleitos de forma pragmática, em nome de uma "moralidade" que muitos acreditavam estar neles, mas nunca esteve.
O Rio de Janeiro é culpado pelo golpe de 2016, portanto. É duro dizer isso, mas é verdade.
Esse pragmatismo também envergonha os patrulheiros digitais, sobretudo os valentões da Internet, que estavam em todos os segmentos das redes sociais, incluindo radialismo e busologia, e que ficavam ofendendo e agredindo quem discordava das medidas pragmáticas.
Se o caso era a Rádio Cidade brincando de ser rádio de rock, quem discordasse era humilhado nas redes sociais, inclusive através do "efeito manada" dos colegas de comunidades nas quais se associava o valentão digital de ocasião.
Se o caso era a pintura padronizada nos ônibus cariocas, a mesma coisa.
Valentões que se achavam os reis do pedaço, mas que, depois de seus quinze minutos de popularidade nos seus feudos digitais, passavam depois a virar vidraça, sendo traídos, brigando com amigos, hostilizado por "amigos mas nem tanto", sendo denunciados na Safernet etc.
Chegou-se ao ponto dos retrocessos implantados no Rio de Janeiro serem patrulhados por gente intolerante nas redes sociais.
E até o samba foi atingido pela maré pragmática, substituído pelo "pagode romântico" de origem paulista ou pela breguice provocativa do "funk carioca".
Neste contexto, a Bossa Nova não é sequer sombra do passado. Ela se sintetiza, dramaticamente, em João Gilberto doente e sofrendo sérios problemas financeiros. Tudo a ver nesse cenário pragmatista que abandona o que havia de melhor criado ou naturalizado no Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro sempre primou para esse papo: "não é aquela maravilha, mas até que está bom demais", "não é 100%, mas é nota déiz (sic)".
E isso cobra um preço muito caro para o Grande Rio.
E cobra também para Niterói, que leva o pragmatismo carioca às últimas consequências e também sofre suas tragédias e dramas.
E cariocas e niteroienses não gostam de serem criticados, de serem cobrados nem de serem convidados a conhecer seus problemas.
Se há vídeos na Internet falando sobre tais decadências, o pessoal foge. Prefere ver vídeo cassetadas dentro da zona de conforto do WhatsApp.
No seu ativismo de sofá, preferem inventar culpados fáceis, como Sérgio Cabral e Marcello Crivella.
Fumam muito e, se morrem em consequência desse vício, seus amigos culpam os hospitais por suposto erro médico.
Não cuidam do meio ambiente, de renovar nossas árvores e retirar ervas de passarinho, para evitar o enfraquecimento desses vegetais que, com esses parasitas, se tornam impotentes para realizar a fotossíntese, trabalho que acaba sendo feito pelas trovoadas incomuns que ocorrem no Grande Rio.
Mas cariocas e fluminenses votam muito mal. Votam naqueles que, guiados pela "imparcialidade" de O Dia, se indignarão artificialmente pela revolta seletiva.
Evidentemente, não queríamos que o Rio de Janeiro se situasse nessa condição vergonhosa.
Mas o Rio de Janeiro fez por onde, desde os anos 1990, que veio essa onda de pragmatismo, na aceitação de retrocessos sob a desculpa que "dá para viver com eles".
Só que não dá e vemos transtornos e tragédias ocorrendo, as balas perdidas, as chuvas, a violência abusiva de policiais, milicianos e militares matando inocentes, os congestionamentos monstruosos, a decadência cultural, o ódio nas redes sociais etc e fingir que "dá para viver com isso".
É necessário haver uma autocrítica. Uma população pode ter autocrítica? Sim, pode, quer dizer, deve, porque é obrigação do Rio de Janeiro, de Niterói, São Gonçalo, Baixada Fluminense, terem uma atitude de mea culpa pelos retrocessos que permitiu que ocorressem.
Devemos inclusive repudiar os monstros criados por esse pragmatismo, dos valentões da Internet que comandam espetáculos de valentonismo digital (cyberbullying) às milícias capazes de eliminar a vida da admirável e batalhadora Marielle Franco.
Por causa desse pragmatismo, o Rio de Janeiro está numa situação muitíssimo pior do que se acreditava que a antiga capital do Brasil sucumbisse, assim que fosse inaugurada Brasília, que fará 59 anos no próximo dia 21.
É hora de cariocas e fluminenses assumirem as feridas que criaram em si mesmos. Ter autocrítica, mea culpa, e um pouco de humildade para ler e conhecer a fundo os problemas que causaram.
Só assim é que será possível alguma atitude de melhoria. Caso contrário, tudo vai piorar. Principalmente nessa procura vã do 1958 perdido através do fanatismo pelo futebol ou na busca de videocassetadas idiotas no WhatsApp.
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