Entre as páginas 134 e 136 do livro A Elite do Atraso, Jessé Souza oferece subsídios para pensarmos sobre a farsa do "combate ao preconceito" detalhada no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes....
Nessas páginas, Jessé conta como o culturalismo conservador, através das elites acadêmicas da Universidade de São Paulo - que, durante décadas, foi o think tank das elites paulistas - , não só expressava o projeto político do PSDB como colonizou as esquerdas intelectuais.
Antes de avançarmos na análise, vale reproduzir um trecho na página 134 da primeira edição, que destaca esse processo:
"A elite do dinheiro soube muito bem aproveitar as necessidades de justificação e de autojustificação dos setores médios. Comprou uma inteligência para formular uma teoria liberal moralista feita com precisão de alfaiate para as necessidades do público que queria arregimentar e controlar. Esse tipo de 'compra' da elite intelectual pela elite do dinheiro não se dá apenas, nem principalmente, com dinheiro. São os mecanismos de consagração de um autor e de uma ideia seguindo, aparentemente, todas as regras específicas do campo científico. Mas a quem pertencem os jornais, as editoras e os bancos e empresas que financiam os prêmios científicos? Desse modo, sem parecer compra, o expediente é muito mais bem-sucedido. Depois, usou sua posição de proprietária dos meios de produção material para se apropriar dos meios simbólicos de produção e reprodução da sociedade. É aqui que entra o contexto que existe até hoje entre imprensa, universidade, editoras e capital econômico.
Como o dinheiro não pode aparecer comprando diretamente os valores que guiam as esferas da cultura, do conhecimento e da informação, essas esferas precisam construir mecanismos de consagração internos a ela como se fossem infensos à autoridade do dinheiro e do poder. Isso explica, em grande parte, que tanto a direita quanto a esquerda tenham se deixado colonizar por esse tipo de prática e de discurso".
Em outro trecho, Jessé menciona o intelectual Francisco Weffort, um dos braços-direitos acadêmicos de Fernando Henrique Cardoso, que no entanto aparentemente se integrou às esquerdas e ao Partido dos Trabalhadores.
Weffort tornou-se um "tio" da intelectualidade que passou a defender a bregalização cultural, na medida em que foi um dos críticos principais dos debates intelectuais do Instituto Social de Estudos Brasileiros (ISEB) e dos Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE).
Francisco Weffort, citado por Jessé como um dos críticos do nacionalismo varguista, entendido como "populismo", foi um dos principais pensadores do liberalismo conservador.
No âmbito cultural, ao desqualificar o ISEB, tido como "ideológico", o que podemos entender, por associação, como crítica ao CPC da UNE, Weffort contribuiu para uma abordagem cultural mais asséptica e menos crítica.
Vários intelectuais educados nesse "tucanato acadêmico" da USP nos anos 1980-1990 e, sob sua influência, no resto do Brasil, foram defender a bregalização como suposta campanha contra o preconceito aos ditos "sucessos do povão".
Era o tempo da glamourização da bregalização cultural, dos ídolos cafonas do passado aos funqueiros, entre tantos outros gêneros do mesmo apelo popularesco, e seus ideólogos tentaram esconder o pano de fundo tucano ao tentarem se vincular ao projeto progressista do PT entre 2002 e 2016.
Gente que varia de "técnicos" como Ivana Bentes e Adriana Facina a porraloucas como Eugênio Raggi e o falecido Roberto Albergaria, analisados em Esses Intelectuais Pertinentes....
Isso sem falar do trio Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna, chamados por mim de "santíssima trindade" pela alta reputação conquistada entre seus pares.
Sob a desculpa do "combate ao preconceito", essas elites intelectuais exaltaram a inferioridade social do povo pobre como se isso fosse inerente a ele.
E esses intelectuais se adulavam, trocavam elogios, recebiam prêmios e eram blindados, e "infensos" à autoridade do dinheiro e do poder.
Daí o teatrinho pretensamente esquerdista desses intelectuais "bacanas", que não raro davam um verniz "libertário" para seus discursos.
Todo o aparato de objetividade "científica", trazido por monografias, documentários, livros e grandes reportagens, era presente ou talvez nem tanto.
Em dado momento, havia comentários hidrófobos contra quem rejeitasse a bregalização cultural, além da porralouquice linguística de Eugênio Raggi e Roberto Albergaria.
Ou alegações nada científicas de Milton Moura, que atribuiu "criatividade" na pressa dos grupos de "pagodão" baiano, o que não tem a menor coerência.
Mas ele teve o prestígio nas mãos, podia jogar comentários especulativos e opinativos sob o aparato do "artigo científico".
Vocês precisam ler, em Esses Intelectuais Pertinentes..., o momento "vergonha alheia" do programa acadêmico de Roberto Albergaria, ou os ataques que Eugênio Raggi, bem naquele clima "Luciano Hang da pseudo-esquerda", fez contra mim quando critiquei a música popularesca.
Está tudo lá. Coisas mais instigantes que os bonecos de Minecraft, vampiros estudantis, adolescentes trágicas, cavaleiros medievais atormentados que povoam os best sellers que andam por aí, em livros que passam longe da finalidade de trazer Conhecimento.
Esses Intelectuais Pertinentes..., aliás, fala de realidade, o que é ainda mais empolgante do que os fictícios bonecos quadrados e os dráculas de ensino médio que fazem chover dinheiro nas editoras.
O meu livro descreve com detalhes o que a elite do atraso queria fazer com a cultura popular, transformando o rico patrimônio das classes populares em peça de museu, de preferência de Museus Nacionais condenados a serem queimados pelo fogo.
Sob a desculpa do "combate ao preconceito", se queria pasteurizar a cultura do povo pobre, atribuir como sua um entretenimento popularesco patrocinado pelas oligarquias regionais e, assim, desmobilizar as classes populares.
Só lendo o meu livro para entender melhor o assunto, complementando o que descrevi, nesta e na postagem de anteontem, a partir de trechos do livro de Jessé Souza.
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