O falecimento de Eddie Van Halen não foi surpresa alguma, porque ele estava muito mal de saúde, devido a um câncer gravíssimo, mas entristeceu fortemente.
Isso porque ele representava a alegria, o vigor e a criatividade do notável guitarrista que foi. Um super guitarrista, fundador da banda com seu sobrenome, que havia se encerrado quando seu líder ficou incapaz de se apresentar nos palcos, com a piora de sua doença.
A perda de Eddie é a perda de um músico ímpar. Sua morte representou, assim como o fim irrecuperável de sua banda, a perda de um guitarrista inimitável, porque é difícil reproduzir a agilidade de sua guitarra, assim como a de Jimi Hendrix.
No âmbito da cultura em geral, havíamos perdido, recentemente, o cartunista Quino e o produtor, músico, diretor e escritor Zuza Homem de Mello.
Quino se notabilizou pelo humanismo e pelo senso crítico de sua personagem Mafalda, que por ironia foi inicialmente concebida para uma propaganda de eletrodomésticos que foi cancelada.
Comparando com os tempos de hoje, em que as causas identitárias se tornam mercadoria sem que seus propagandistas percebam, o caso da Mafalda, que se "descapitalizou" para trazer ideias progressistas, é bastante curioso. Foram outros tempos.
Zuza Homem de Mello foi um grande profissional de bastidores de programas musicais de TV e de festivais da MPB nos anos 1960 e 1970, época em que se respirava cultura de verdade.
Um sujeito de muita vivência e que, felizmente, registrou sua experiência de vida em livros como A Era dos Festivais, da qual pude ler, apenas, alguns trechos.
Foram outros tempos. Tempos em que, culturalmente, havia muita criatividade, despretensão, mas muito, muito talento, competência e uma visão de mundo mais abrangente, moderna e humanista.
Era uma cultura para respirar, sentir, não o entretenimento debiloide de hoje, mais voltado a instintos meramente pragmáticos e sob a irritante desculpa "não é 100%, mas é melhor do que nada".
É sempre assim. Uma coisa regride, e aí vem esse refrão estúpido: "não é 100%, mas é melhor do que nada". Aí regride mais, e se solta o mesmo refrão. Há mais retrocesso e é o mesmo papo.
Daqui a pouco estaremos no fundo do poço e o que era ruim há 30 anos é visto como "genial" só porque "não é 100%, mas é melhor do que nada".
Sempre aquele papo, muito comum no Rio de Janeiro, de "querer o básico", um cacoete de cerca de 25, 30 anos que está destruindo o Estado (que ainda vai eleger, novamente, aquele picareta político, Eduardo Paes para prefeito da Cidade Calamitosa).
E aí lembro de quanta gente do rock que perdemos. Até agora não estamos digerindo a morte de David Bowie e as lacunas de Jimi Hendrix não foram superadas.
Eddie Van Halen, totalmente diferente de Hendrix, mas com um vigor ímpar, agora é mais uma perda que dificilmente será reparada.
Era um músico autêntico, no âmbito da guitarra, como foi, no baixo, John Eintwistle do Who e, na bateria, outro Who, Keith Moon, este ao lado de John Bonham e Neil Peart, do Rush.
Eram tempos em que as bandas de rock empolgavam em apresentações ao vivo, onde não tinha idiota com celular erguido para gravar uma imagem ruim de um concerto, e as bandas não tocavam pleibeque, como ocorre hoje com alguns nomes do gênero.
Hoje, quando no Brasil nossa mídia roqueira se resume à vexaminosa canastrice da Rádio Cidade e ao conjunto da obra da "Jovem Pan com guitarras" 89 FM, do qual só salvam alguns programas, cultura rock se reduziu a uma masturbação forçada de um público que nem roqueiro é.
São aquelas pessoas que dizem que "curtem rock" só para levar vantagem, e se irritam quando outras pessoas desmascaram o faz-de-conta marcado pela apreciação de uns poucos hits de medalhões roqueiros.
São pessoas que se acham "donas da verdade" do rock, mas não conhecem 99,99% do universo roqueiro. Compensam a falta de rebeldia pelo pavio curto e pela arrogância, e não passam de uns terraplanistas do rock, de uns olavistas e bolsomínions metidos a ser "cheios de razão".
Tanto isso é certo que, nas redes sociais, os maiores propagandistas da Rádio Cidade e seu roquinho de hit-parade são fãs de Wando, Zezé di Camargo, "funk" e até Benito di Paula. Mas que, de Van Halen, mal conhecem "Jump" e os sucessos da fase Sammy Hagar, mais comercial.
Esses "roqueiros de butique", entre os "bacaninhas" do Leblon e da Barra / Recreio e os "lumpen-fascistas" da Baixada Fluminense, elegem como "marco" da carreira do Eddie Van Halen um solo para o sucesso do nada roqueiro Michael Jackson, "Beat It".
Ver a cultura rock assim sem autenticidade, sem visceralidade, é muito triste, se vermos que, nos áureos tempos do Van Halen, as pessoas que gostavam mesmo de rock queriam ouvir um som, sem tirar onda disso ou daquilo, apenas acreditando na proposta musical.
Compare o talento de Eddie Van Halen com os guitarristas dessas bandinhas do "novo rock brasileiro" dos anos 1990 para cá que soam como cópias do Skank imitando o Santana dos primórdios, com solos burocráticos que não lembram Carlos Santana na melhor fase, nem Hendrix, nem Van Halen etc.
Eddie Van Halen parecia, com seu sorriso, ter um prazer extasiado ao tocar sua guitarra e fazer o seu solo com muita habilidade. Tudo era natural, criativo, bem feito.
E ele viveu num tempo em que o cenário de rock, sem a exploração predatória do mercado dos anos 1990 para cá, era bem mais consistente e influía no cotidiano da rapaziada, que nas escolas comentava sobre bandas, discos e sobre se vai ser possível ir a um show de um artista.
Nos primórdios do Van Halen, nos EUA, era entusiasmante para os fãs da banda ir às suas potentes apresentações, os adolescentes ficavam abismados com a guitarra de Eddie, porque era difícil ter aquela agilidade ao mesmo tempo virtuosa, criativa e espontânea.
Mesmo assim, naqueles tempos em que havia Kiss, Thin Lizzy, Aerosmith dos primórdios, Blue Öyster Cult etc, quando até a banda teen Runaways tinha que "mostrar serviço", o rock era algo que se respirava nos poros, era mais orgânico e visceral.
Não é coisa de burguesinho carioca mandando ídolos popularescos "tomar no..." arrotando rebeldia de proveta, com irritabilidade fácil em proporção inversa à capacidade de se indignar por qualquer injustiça.
E vemos a mediocridade cultural galopante de hoje, que se torna preocupante quando vemos pessoas talentosas morrerem uma a uma.
Num tempo em que pessoas sem ter o que dizer usam a tatuagem como "meio de livre (sic) expressão", marmanjos com mais de 30 anos atuam como bolsomínions e terraplanistas odiosos e o que temos de ativismo é a rebeldia de proveta dos fãs de k-pop, a situação é grave.
Ainda temos grandes mestres, como Noam Chomsky na ciência política - apesar dele estar bem idoso - e, na música, exemplos como Robert Fripp e Tony Levin nos trazem alegria.
Mas é preciso romper com essa mediocridade terrível, antes que nossa humanidade despenque pelo abismo.
E fica aqui nosso agradecimento ao grande Eddie Van Halen, e por sua breve trajetória que deixou um legado bastante significativo. Que ele, agora, sobreviva através das lições que ele deixou.
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