Um dos episódios que chocou a mídia progressista nos últimos dias foi a saída de Glenn Greenwald do jornal The Intercept.
Greenwald pediu demissão porque o jornal vetou a publicação de matérias sobre os negócios irregulares envolvendo o empresário Hunter Biden, filho do candidato favorito à Presidência dos EUA, Joe Biden, na Ucrânia.
Sabe-se que os EUA estão em plena finalização da campanha eleitoral, já houve votação antecipada de muitos estadunidenses e uma campanha em prol do voto, porque, lá, os cidadãos são dispensados de votar.
Foi, aliás, a abstenção de voto que, em 2016, permitiu a vitória de Donald Trump em estados estratégicos, surpreendendo todos que achavam que Hillary Clinton iria vencer com certeza.
Glenn, através de mensagens de fontes trocadas por e-mail, colheu informações sobre uma possível armação envolvendo a empresa ucraniana Burisma, na qual os EUA, então sob o governo de Barack Obama, mobilizou sua política externa para favorecer os negócios de Hunter no país.
Sob o pretexto de combater a corrupção, o então vice-presidente Joe Biden teria promovido esforços para tirar do cargo de Promotor-Geral da Ucrânia Viktor Shokin, que estaria investigando irregularidades na Burisma.
Shokin foi substituído por Yuriy Lutsenko, de menor competência jurídica mas afinado com os interesses da família Biden. Hunter e seu tio, irmão de Joe, Jim Biden, estariam envolvidos nesses negócios, além de terem intenção em investir em empresas na China.
Glenn teve vetada a reportagem, que ele agora publica na sua nova plataforma jornalística, Substack, e a chefia do Intercept o proibiu de, na condição de seu contratado, publicar matéria em outro veículo de mídia.
Greenwald acusa o Intercept de censurá-lo. O Intercept, em comunicado, respondeu criticando o demissionário.
"(Glenn) acredita que qualquer pessoa que discorde dele é corrupta e qualquer pessoa que pretenda editar suas palavras é um censor", declarou o comunicado do Intercept.
O comunicado segue, acusando-o de "vitimismo": "(A narrativa que) Glenn apresenta sobre sua partida está repleta de distorções e imprecisões - todas destinadas a fazê-lo parecer uma vítima, em vez de uma pessoa adulta fazendo birra".
E conclui: "Foi Glenn quem se desviou de suas raízes jornalísticas originais, não The Intercept".
Li o texto de Glenn e tenho que concordar com o jornalista, que expôs suas razões.
Afinal, ele faz duras críticas não só ao Intercept, mas ao restante da chamada mídia de esquerda dos EUA, que parece seguir a tendência da mídia corporativa estadunidense, complacente com Biden.
O problema não é discordar das suspeitas sobre os negócios da família Biden, mas se recusar a investigá-las dentro do senso de apuração jornalístico.
Greenwald cita, em seu longo texto, que a imprensa estadunidense chega a fazer galhofa com a possibilidade de investigar as denúncias contra a família Biden.
Não creio que Greenwald quisesse "impor sua verdade". O que ele quer é o compromisso com a informação, e pelos argumentos que apresentou, considero consistente a sua tese de que procurava exercer jornalismo sem facciosismo.
Nem vejo muito o que a grande mídia falou, alegando que Greenwald fez "críticas" à família Biden. As críticas que ele fez foi para a omissão da imprensa estadunidense quanto ao caso.
Existe um grande lobby para fazer Joe Biden vencer as eleições nos EUA, cujo resultado se dará na semana que vem, após consulta do Colégio Eleitoral, já que nem sempre a votação dos eleitores é decisiva para eleger um presidente, na dita "maior democracia do planeta".
Daí que existe uma grande histeria de que a divulgação de algo comprometedor a Joe Biden seja usado para favorecer a campanha de Donald Trump.
Evidentemente não é essa a finalidade de Glenn Greenwald, que, aliás, era um apoiador de Bernie Sanders, um dos poucos esquerdistas dentro daquela selva liberal chamada Partido Democrata.
O caso Glenn Greenwald manchou a reputação do The Intercept, que já criou problemas no caso das denúncias de participação da Rússia nas eleições de 2016 nos EUA, quando não trabalhou para proteger uma fonte informante, a Reality Winner, presa depois pelo FBI.
No caso de Biden, existe essa histeria contra as matérias investigativas, e isso ocorre dentro de um contexto em que, no Brasil, as esquerdas médias pensam que o Partido Democrata é um "partido de esquerda".
Elas também querem porque querem a vitória de Joe Biden, temendo que qualquer crítica a uma tosse do candidato pudesse barrar sua chegada à Casa Branca.
Daí que a imprensa, mesmo investigativa, mantém silêncio sobre o caso Hunter Biden e atribui as denúncias sobre negócios seus na Ucrânia e seus planos na China a uma "campanha de desinformação" difundida pela Rússia.
A mídia estadunidense plantou essa fofoca, da "influência russa", na falta de uma desculpa mais habilidosa, só para justificar a "falta de sentido" das denúncias contra o filho de Joe Biden.
Essa histeria, no Brasil, é semelhante ao que ocorre na imprensa investigativa quando se recusa a investigar os podres do Espiritismo brasileiro, religião da qual rompi em 2012, depois de 28 anos pedindo "pão" e recebendo "serpentes".
Existem denúncias arrepiantes envolvendo o suposto "maior médium do Brasil", que envolvem até mesmo colaboração com a ditadura militar.
Ele ia a programas de TV defender a ditadura e o AI-5 e usou as "cartas mediúnicas" como diversionismo para diversos motivos, entre eles o de tentar salvar o regime militar, então em séria crise.
O "médium" também é associado à literatura fake, pois sua "obra psicográfica", creditada a nomes que variam de grandes escritores a pessoas comuns, nunca passou de uma farsa.
O caso Humberto de Campos e de um livro com título "parnasiano" numa época de consolidação do Modernismo são extremamente aberrantes e apontam vários aspectos que atestam vergonhosa literatura fake.
Por ironia, o The Intercept Brasil, onde Greenwald também atuou, sobretudo nas matérias da Vaza Jato, tem na equipe editorial um ex-jornalista do Superinteressante, Alexandre DeSanti.
Foi ele que organizou um livro sobre esse pretenso médium, um volume encalhado da Superinteressante que tenta, em vão, ser relançado nas bancas, e que segue o padrão "isentão" de abordagem.
Nessa abordagem "isenta", as "psicografias" do tal "médium" são atribuídas como "nem verdadeiras nem falsas", o que é um grande absurdo, pois ofende a memória dos mortos, reduzidos a brinquedos de charlatães supostamente paranormais e a garotos-propagandas da "fé espírita".
Uma das matérias fala em uso de algoritmos (Deep Learning) para testar "psicografias" envolvendo três dos supostos nomes creditados, Humberto incluído.
Num tempo de combate a fake news, no entanto, ninguém investiga o pioneiro na literatura fake, mesmo com muitos problemas nos textos "mediúnicos", vários gravíssimos.
É a mesma histeria Biden X Trump. O medo de investigar um suposto "médium espírita" supõe que isso irá favorecer as seitas neo-pentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus.
Não vai. Até porque "espíritas" e "evangélicos" teriam crescido nos anos 1970 financiados pela ditadura militar, para combater o Catolicismo que se opunha à opressão ditatorial e estava promovendo projetos assistenciais que emancipavam a população pobre.
As ações católicas estavam respaldando até mesmo os movimentos operários e camponeses, daí que a ditadura militar não podia sair prendendo e torturando católicos.
Daí que "bispos" e "médiuns" vieram à tona como pretensos salvadores da humanidade, tentando distrair a população e minimizar a revolta contra a ditadura militar que não conseguiu fazer o Brasil progredir.
São dados que necessitam de investigação jornalística, mas somente as seitas "evangélicas" são alvos de alguma ação desse tipo, assim como alguma campanha de repúdio.
Os "espíritas", o "Joe Biden" das religiões brasileiras, não. Ainda que as "psicografias" sejam fake no sentido mais vergonhoso da palavra e seus "ensinamentos" os mais reacionários, do nível de fazer apologia da desgraça humana e da culpabilização da vítima.
É lamentável haver esses limites da nossa imprensa investigativa, que num momento ou em outro perdem a coragem e a contundência no exercício da verdadeira informação.
Daí a desconfiança quanto ao discurso de "imparcialidade e isenção" do mercado jornalístico.
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