Diante do constrangedor fenômeno da Rádio Cidade, dublê de rádio rock com nome bobo, radialistas não-especializados no gênero e ouvintes fundamentalistas, ficamos a refletir.
Afinal, valeu a pena roqueiros sonharem com uma rádio própria?
Valeu o esforço de fãs de rock que, nos EUA dos anos 1960, desenvolveram rádios próprias, para tocar as músicas e os intérpretes que gostavam?
Pergunta-se isso porque, no Rio de Janeiro, todo o esforço de rádios como Eldo Pop e Fluminense FM, praticamente, foi para o lixo.
Temos a webradio Maldita 3.0 e o esforço digno da Cult FM, mas elas ficam presas na bolha da Internet.
O rádio FM está operacionalmente morto - hoje o rádio irradia a partir da Internet - , mas ele ainda é uma vitrine para o grande público.
Daí que, de rádio rock mesmo, temos a Kiss FM Rio, razoável, porque, às vezes, a emissora andou sofrendo uma leve "jovempanificação", nada que seja o fim do mundo, mas preocupa um pouco, apesar da rádio ter locutores roqueiros de verdade.
Mas quem domina o mercado é a canastrice da Rádio Cidade, que nunca foi especializada em rock.
A Rádio Cidade é uma rádio estruturalmente pop, com pessoal que não tem vínculo algum com a cultura rock e uma linguagem e mentalidade que são rigorosamente iguais ao de qualquer Mix FM ou Jovem Pan da vida, só que parcialmente adaptadas ao contexto roqueiro.
A Cidade, ao menos, desistiu do projeto flash rock, porque não dava para tocar rock clássico com aqueles locutores anunciando bandas de rock como se fossem grupos de k-pop.
Com tanta desonestidade (a falácia da "rádio rock original do Rio"), ao menos a Cidade se assumiu, na prática, como rock hits, tocando o que as gravadoras, a Billboard e a antiga MTV indicavam.
Na fase flash rock, até se colocaram radialistas especializados na equipe de produção e até locução em alguns programas, mas eles se cansaram, creio que não aguentaram o estrelismo de colegas mais pop.
Se for pelo estilo de locução, o Cidade do Rock poderia ser transmitido pela Mix FM que não faria problema algum.
É um pessoal sem especialização e cujo envolvimento com o rock se mede com o cartão de ponto do trabalho.
A Rádio Cidade virou "dona" do mercado roqueiro, só aceita concorrer com utras rádios de rock quando elas não buscam protagonismo nem liderança no segmento.
É muito triste, porque a atuação da Rádio Cidade é de uma canastrice vergonhosa. Sem falar que soa estranho ouvir clássicos do rock e, depois, ouvir aquelas vinhetas, várias delas antigas, após o final.
Que diferencial tem uma rádio cujos locutores falam de forma igual aos das rádios pop convencionais?
E que sentido tem esse "efeito Forer" (espécie de falta de discernimento pelo avesso, quando se vê diferença onde não existe) dos fundamentalistas da Rádio Cidade, que supõem que o estilo pop dos locutores "funciona" para um repertório roqueiro?
Nenhum, porque esses fanáticos da Rádio Cidade "roqueira" não têm moral para dar pitaco algum à cultura rock e ao radialismo rock, porque o que eles curtem de rock não chega a 1% do que foi e é feito em nome do gênero.
Os ouvintes da Cidade só curtem hit-parade e não podem bancar os "donos da verdade" do rock, como se eles fossem os juízes finais que mandassem até na cultura rock dos EUA e Reino Unido.
Mas o Brasil é isso mesmo. Tem muito terraplanista querendo bancar o mestre do universo.
Enquanto isso, os roqueiros de verdade, que não se contentam com o hit-parade, veem o segmento rock no rádio cada vez menos representado por eles.
Com a Rádio Cidade, a cultura rock se terceirizou com o pessoal não-especializado usando os microfones sem causa própria, anunciando bandas de rock que nem têm ideia do que são, achando que o Bad Company é o spin off do Bad Religion.
Daí que se pergunta. Valeu mesmo a pena os fãs de rock lutarem para desenvolver rádios próprias?
Ver que rádios hit-parade que nunca davam bola para o rock agora se fantasiam de rádios do gênero - a Eldo Pop saiu do ar em 1978 e a Rádio Cidade só passou a se apropriar do nicho de 1995 para cá, descontados vários hiatos - , invalida toda a luta do público roqueiro.
Afinal, rádio rock agora é só vitrolão. O estado de espírito roqueiro, no dial do Rio de Janeiro, há uns trinta anos não consegue mais ter lugar em ondas de longo alcance.
Engana-se que rádio de rock é aquela que só toca rock.
É necessário haver um tipo de linguagem, de filosofia, uma cautela até na escolha de um nome (Cidade é um nome b***** demais para rádio de rock) e de trajetória (procurar cometer menos erros possíveis), diferente do que fazem as rádios pop.
O que os arrogantes defensores da Rádio Cidade que disparam irritação gratuita em redes sociais não sabe é que, como em todo trabalho, tem que se gostar da causa em que se trabalha.
Não existe radialista que não gosta de rock e é um bom profissional para rádios do gênero. Acreditar nisso é uma grande tolice e pode fazer os ouvintes da Cidade passarem vergonha em muita entrevista de emprego.
Aliás, cuidado quando se banca o arrogante e o agressivo nas redes sociais. Como diz o ditado, "pavio curto, pé frio".
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