O PÚBLICO MÉDIO BAJULA MILTON NASCIMENTO, MAS NÃO PARECE DAR O DEVIDO VALOR A ELE.
A "cultura MPB" que o público brasileiro médio consome, através de trilhas sonoras de novelas, do Domingão do Faustão e do couvert artístico de churrascarias e restaurantes, não ajuda a valorizar de forma devida a Música Popular Brasileira autêntica.
Primeiro, porque os medalhões, ou seja, aqueles artistas que conseguem furar a bolha do público seletivo, são muito bajulados, mas não devidamente valorizados.
Seus sucessos até são cantados pelo público, mas aí tem o dado negativo da desafinação, do coral forçadamente entusiasmado que até atrapalha a audição da canção.
Essa "MPB de couvert artístico" está mais próxima de um monte de bajulação e adulação e, culturalmente, é de um superficialismo terrível.
Gente que, na sua vida normal, no dia a dia, ouve "sertanejo", "pagode romântico" e "funk", só vão ver Martinho da Vila, Maria Bethânia e Djavan como quem vai a um evento natalino.
Além disso, o "gosto musical sofisticado" do público médio que, na sua vida normal, ouve música popularesca e acha a MPB coisa de outro planeta, empaca nos medalhões e nos grandes sucessos.
Além disso, pessoas cantam "Disparada", de Geraldo Vandré, e "Como Nossos Pais", de Belchior, respectivamente nas vozes de Jair Rodrigues e Elis Regina (que, juntos, se destacaram em O Fino da Bossa, na TV Record, nos anos 1960), sem entender uma vírgula das letras.
"Disparada" é uma crítica à opressão dos fazendeiros contra o povo no campo.
"Como Nossos Pais" é uma crítica à acomodação da juventude brasileira depois que todo o estardalhaço dos movimentos estudantis deu lugar ao AI-5.
Meu irmão Marcelo viu casais cantando "Desde que o Samba é Samba", de Caetano Veloso e Gilberto Gil, sem ter ideia do tema. Abraçados, cantavam coisas como "Solidão apavooooora...".
E há também aquela coisa de "gostar, mas nem tanto". Nas redes sociais, as solteiras trash - elas se afirmam pela mediocridade cultural e comportamental - dizem que "também curtem MPB", mas esse "também" traz o gosto amargo de algo secundário e sem muita importância.
Além disso, esse gosto musical mostra que o público brasileiro médio mais parece se submeter ao poder do emissor do que da música em si.
A música popularesca também é assim. O público acha que é "livre" no seu gosto musical, mas a verdade é que o que esse público segue é o poder de determinada emissora de rádio ou de um dado programa de rede de televisão.
É toda a simbologia trazida por essa emissora de rádio ou TV. A catarse que seus radialistas e programadores impulsionam no público pode ser inconsciente, mas até parece que rádios e TVs "oferecem" ao público receptor um "mundo" do qual eles devem sonhar.
Daí a Rádio Cidade, dublê de rádio rock do Rio de Janeiro (com a mesma obsessão "roqueira" que ajudou na morte de Michael Jackson), que nem de longe leva a cultura rock a sério.
Tanto que a maioria esmagadora de seus ouvintes nem gosta realmente de rock, apenas o usa como válvula de escapa de seus ressentimentos pessoais. Até porque a Rádio Cidade é ressentida por não ter alcançado o carisma da Fluminense FM.
É só um gancho para aquecer a testosterona do público masculino, os neurônios do público feminino (e do masculino também) e fazer o público todo, que vai dos burguesinhos do Leblon, Barra da Tijuca e Recreio até o "pobre de direita" da Baixada Fluminense, sonhar que vive na Califórnia.
Mas as rádios popularescas também mostram esse "universo de sonho", se aproveitando de ressentimentos e frustrações mil.
A sofisticação de mentirinha do "pagode romântico" cria um mundo fabuloso para as mulheres que curtem esse gênero, de tal forma que seus boys next door como Thiaguinho e Alexandre Pires são "inacessíveis" para essas moças.
Daí que não há uma cultura de verdade, porque ela sempre se apresenta como um "ponto de fuga".
A MPB é de Júpiter, a música popularesca mostra um cenário de contos de fadas dentro dos subúrbios e roças e a Rádio Cidade "transporta" seus ouvintes para a Route 66. Já vi muitos ouvintes da Cidade com semblante de transe mental. Sério.
E é isso que faz a MPB não ser devidamente valorizada. Ela não é o cotidiano, não é o dia a dia. Paulinho da Viola é "estrangeiro" na Madureira onde nasceu e se criou. Tanto quanto Paul McCartney tocando no Engenhão, "logo ali".
O samba dos morros foi para o Leblon. Martinho da Vila é cortejado pela alta sociedade e tem músicas bem mais instigantes que a meia-dúzia de sucessos que o público popularesco consegue ouvir, via Faustão e algumas rádios FM.
E o pior disso tudo é que a MPB vai além desses nomes. Vai além dos medalhões, dos nomes de sucesso, de quem aparece no Domingão do Faustão e precisa disputar espaço com os ídolos popularescos.
Porque os ídolos popularescos estão invadindo os espaços da MPB. Até pouco tempo eles eram blindados pela "intelectualidade mais legal do Brasil" (ver o meu empolgante livro Esses Intelectuais Pertinentes...).
Fala-se que a música popularesca era "vítima de preconceito". Quanto se chorou na campanha coitadista que descrevo no referido livro, que todos deveriam ler.
Talvez fosse preciso que os brasileiros saíssem da zona de conforto. Fácil ficar sentado na TV ver o Faustão dizer o que deve ou não ser MPB. Difícil é seguir a própria consciência e garimpar.
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