Recentemente, a ex-dançarina do grupo de "pagodão" baiano Gang do Samba - um dos genéricos da onda puxada pelo É O Tchan - , Rosiane Pinheiro, afirmou que está divorciada há dois anos, que sofreu um período de depressão e que não acredita mais em uma nova relação amorosa. Ela ainda acrescentou que o ex-marido vivia com ela uma relação tóxica, controlando severamente a vida dela.
Quem vê a realidade de maneira fragmentada, e contentando em ver peças soltas sem sequer tentar uma ligação entre as mesmas, ignora que o universo do "pagodão" baiano é rigorosamente machista. Quem vive no Instagram e no Tik Tok, compreendendo a realidade como se fosse um mundo de sonho e fantasia, deve pensar que o universo do "pagodão" baiano é um mundo cor-de-rosa marcado pela puerilidade juvenil e pelo suposto feminismo das dançarinas.
Grande engano. Um dos elementos da máquina de fazer dinheiro que é a axé-music, o "pagodão" baiano é um dos estilos mais perversos, em que o apelo machista da sexualização do corpo feminino associado à imagem idiotizada do homem negro, juntamente com o dado, ainda mais perverso, do incentivo à erotização infantil, se tornam suas caraterísticas mais típicas, não bastassem as músicas horríveis interpretadas por esses grupos, cujos líderes não são os vocalistas nem as dançarinas, mas empresários dotados de muita ganância e ambição.
Não sei que teor de escândalos podem haver nos bastidores do "pagodão" baiano, mas quando vivi em Salvador, alguns sucessos mostram, já nos títulos e refrões, a violência machista: "Tapa na Cara" e "Madeirada" ("é na madeirada, toma, toma"). O que houve, de escândalo conhecido, foi o tratamento degradante que várias dançarinas do É O Tchan receberam, a ponto de uma delas dizer que "elas eram tratadas como bichos".
É lamentável que as "boas famílias", nos tempos em que o É O Tchan se ascendeu, tenham incentivado seus filhos pequenos, bem crianças mesmo, a dançarem os sucessos do grupo e também de seus derivados, como Terra Samba, Gang do Samba e Companhia do Pagode.
Vi uma instituição "espírita" realizando um desfile com crianças ao som de "Segura o Tchan", música que tem uma estrofe fazendo apologia ao estupro. As mesmas famílias viam, orgulhosas, meninas pequenas imitando a Carla Perez no programa de Raul Gil, e isso é assustador porque são famílias que parecem "direitas" e "esclarecidas" de uma suposta consciência social.
A alegria tóxica, considerando que a "alegria", na axé-music como um todo, foi rebaixada a uma mera mercadoria de consumo, a enriquecer de forma exorbitante e abusiva seus empresários famintos de muita grana, tentou, no "pagodão" baiano, empurrar o gênero para um público de rapazes pacatos e moças oferecidas, uma ilusão marcada de muita hipocrisia que, felizmente, não deu certo.
O machismo tóxico é explícito e próprio do "pagodão" baiano. Não há como crer que o gênero seja um paraíso que combina feminismo com ingenuidade infantil. Perto do que significa o "pagodão" baiano, os escândalos de Dan Schneider, diretor e roteirista dos seriados da Nickelodeon, parecem estorinhas infantis.
Se não são os próprios intérpretes de "pagodão" baiano os responsáveis pelo machismo tóxico, eles estão a serviço de um mercado que é voltado para um público abertamente machista. O público-alvo desse estilo são os machistas agressivos, traiçoeiros e zombeteiros que se identificam com esse tipo de música, grosseiros o suficiente para se contentar com a sonoridade horrível dos seus sucessos radiofônicos.
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