O mercado de trabalho anda muito injusto e, tornando-se seletivo, movido por critérios que vão da meritocracia a agregação social, quase sempre empregam pessoas erradas, que, na melhor das hipóteses, apenas fazem o "mais do mesmo" nas empresas, pouco prejudicando mas também não somando muita coisa à rotina das mais rotineiras.
Um comediante que, para conquistar um emprego de Analista de Mídias Sociais, inventou uma carreira jornalística que não condiz com sua idade nem carreira, conseguiu enganar o recrutador. Com um jeito calmo demais de falar, o sujeito, com carreira num grupo humorístico, alegou que "também era jornalista" e inventou que passou por várias editorias na imprensa. Não disse quais, até porque o limite da videoconferência da entrevista de emprego não permitia.
Daí que, sem mencionar os periódicos, o humorista falou que "passou por todas as editorias", até mesmo de Economia. Um comediante de carreira, tipo comédia de estandape, que só por atuar na base do improviso, não significa redução de tempo de dedicação. Muito pelo contrário. O improviso, seja em atividades como fazer jazz ou comédia, exige o máximo de dedicação, pois só quem conhece as regras e o processo com muita profundidade é que pode improvisar e criar em cima.
Daí ser impossível um sujeito desses, com carreira humorística, ter uma carreira paralela no Jornalismo, que exige dedicação para ir para as ruas fazer reportagens, fazer plantão de notícias nas redações, discutir pautas em reuniões relativamente longas e redigir textos jornalísticos visando o limite de espaço e de tempo. E isso exige, não raro, ficar até o fim da noite, à espera das últimas notícias.
Imagine um sujeito desses, integrante de um grupo de humor, que precisa ensaiar esquetes com outros integrantes, memorizar textos para improvisar em cima e combinar com os parceiros essa possibilidade de improviso, dividir a semana percorrendo as ruas da cidade para colher matérias e entrevistas pessoas. Impossível. Sinal de que a "carreira jornalística" foi só uma conversa de pescador, tipo aquela "eu estava no riacho, um tubarão veio me atacar, eu briguei com ele, mordi o focinho e ele foi embora assustado".
Com 45 anos de idade, o humorista teve o descuido de narrar uma carreira jornalística longa demais para a idade dele. Passar por "tudo quanto é editoria" soa algo que sugere uma trajetória longa, e da forma que ele falou desse suposto trabalho isso indicaria que ele teve uma carreira mais longa que sua idade poderia sugerir. Só faltava ele dizer que cobriu a viagem do homem à Lua, em 1969, mas faltava pouco para isso.
E aí ele obtém o emprego nessas "oficinas de ideias" e o trabalho dele até que é corretinho. Mas leva tempo para fazer uma "análise de mídias sociais". Mas não tem problema, ele tem uma carga horária de trabalho curta, apenas o período da tarde, e o trabalho é quase intermitente, com remuneração de cerca de R$ 2,5 mil.
No seu computador, ele alterna, usando as abas do brauser, as consultas de uma página de esportes ou de humor com a página da empresa, na qual ele consulta os efeitos de uma mensagem da empresa-cliente nas redes sociais. Essa consulta é para ele criar ou sugerir uma campanha para melhorar os efeitos do cliente na campanha digital.
O humorista é bacaninha no seu ambiente de trabalho. Muito simpático, interage com os colegas, papeia muito na hora do cafezinho, conversa sobre futebol com seu supervisor. Nas atividades sociais da empresa, ele consegue interagir numa boa. Se bem que, usando o computador, ele passa mais tempo acariciando sua barbinha do que digitar textos.
Ele não é muito criativo no seu trabalho. Até porque não precisa. Ele é quase uma grife, associada a um grupo humorístico, do qual ele também é empresário sócio, e por isso empresta sua visibilidade à "oficina de ideias" em que trabalha. E o salário não é grande, mas como o humorista é divorciado, ele serve para pagar a pensão alimentícia da ex-mulher e do filho, liberando o dinheiro que ele já ganhava antes e continua ganhando para seu uso pessoal.
O trabalho dele não é ruim, mas não deixa marca. E, em todo caso, ele tirou o lugar de quem mais precisa de emprego, pois quem mais necessita trabalhar não enfrenta problemas como pagar pensão ao ex-cônjuge, mas ter que lidar com dívidas de condomínios, contas crescentes, despesas com alimentação e tudo o mais. Trata-se de uma realidade bastante injusta, na qual quem mais precisa não pode ter e quem acaba ganhando é aquele que não precisa muito de tal benefício.
Paciência. O Brasil é um parque de diversões e o mercado de trabalho, pelo jeito, anda preferindo gente "divertida", salvo honradas exceções. E, pelo jeito, há recrutadores que parecem não ter diferença entre fazer reportagem de TV e fazer comédia de estandape. A vida é uma piada? No nosso país, talvez...
Comentários
Postar um comentário