"É barato cuidar do pobre, caro é cuidar do rico", disse Lula, numa frase que parece correta, mas, por incrível que pareça, não é. Antes de explicarmos por que, informamos que Lula disse essa frase no discurso de anteontem, no Maranhão, durante o anúncio de medidas do Governo Federal no Estado. O comentário repetiu mensagem que, no ano passado, o presidente brasileiro escreveu no seu perfil oficial no X, então Twitter. Disse Lula, no discurso para seus seguidores em São Luís, no Maranhão:
"A única razão pela qual eu quis ser presidente da República era para provar: é possível e é barato cuidar do povo pobre desse país. O que custa caro é cuidar de rico. Rico custa caro. Porque o pobre vai conversar com você e ele pede R$ 10. O rico pede logo R$ 10 milhões".
Não, Lula. Pobre custa muito caro. Para investir no povo pobre, é necessário investir em cursos gratuitos, em trabalho digno e com salários idem, em desfavelização com a construção de moradias populares, em seguro-desemprego, saúde gratuita etc. As elites têm uma dívida astronômica com o povo pobre, com valores em dimensões incalculáveis.
Poucos percebem, mas esta é uma das muitas gafes do presidente brasileiro em seu atual mandato, o que mostra que Lula erra muito em falar demais. E quem fala demais age menos, pois, ainda que admitamos que o presidente do Brasil faz alguma coisa, no entanto é aquém do que seus seguidores alardeiam, pois o atual mandato mostra o presidente em uma performance medíocre, mais parecendo um misto do neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso com o "tudo pelo social" de José Sarney.
Outra gafe de Lula foi ele se proclamar o "novo" na política, rebatendo o que havia dito o jornalista Pedro Bial, que em entrevista ao economista Delfim Netto e ao banqueiro José Olympio Pereira, afirmou que as candidaturas de Jair Bolsonaro e Lula na campanha de 2022 "representam o passado". Bial é conservador e tem vários pontos de vista discutíveis, mas aqui ele acertou na sua preocupação com a renovação na política. O que, portanto, desagradou Lula, que escreveu, também no antigo Twitter:
"Esse discurso de renovação… O que que é o novo?! 20 milhões de pessoas passando fome?! 100 milhões de brasileiros em insegurança alimentar?! Olha como deixamos esse país e como ele tá hoje".
Evidentemente, Lula não é o "novo" na política. Não bastasse ele não ter indicado um sucessor mais jovem, um discípulo para exercer a Presidência da República, Lula faz a velha política, como se vê nas relações com o Centrão por meio das "verbas para emendas", eufemismo para compra de votos e clientelismo político. O atual governo Lula lembra mais um "milagre brasileiro" com Assistencialismo e voltado ao desbunde identitário.
Aliás, nesta frase, Lula tenta afirmar que o Brasil "já está melhor", o que mostra sua contradição sobre se a reconstrução do Brasil já aconteceu ou vai acontecer. Essa contradição só faz sentido para quem vê a realidade fragmentada e aceita que uma narrativa diga uma coisa em um momento e diga outra num outro momento, se contentando com ideias soltas que, unidas, se chocam, mas que, separadas, "convivem" pacificamente diante de fatos tidos como desconexos.
O atual mandato de Lula expressa uma mediocridade muito grande, pois virou o mandato de artifícios, com relatórios, canetadas, estatísticas, cerimônias, discursos e a blindagem nas redes sociais garantem um simulacro de realizações, enquanto o Brasil segue num progresso muito mais lento e precário do que a propaganda lulista insiste em fazer crer.
E Lula, querendo falar mais do que agir, neste mandato em que as concessões à direita se tornam mais intensas, acaba cometendo várias gafes, como se pode ver no levantamento feito pela Folha de São Paulo, um periódico que, em verdade, é muito discutível, mas com os erros das esquerdas lulistas, a mídia hegemônica acaba se empoderando, assim como o antipetismo em geral.
Vejamos o que Lula disse de constrangedor em cada um dos diversos eventos, em grande parte neste ano:
"Eu sou da turma que acredita que artista, cinema e novela não são para ensinar putaria. É para ensinar cultura, contar história, contar narrativas, e não para dizer que nós queremos coisas erradas para as crianças. Nós só queremos fazer aquilo que se chama arte. Quem não quiser entender o que é arte, dane-se. Nós queremos multa cultura, muita arte e muita disposição das pessoas participarem".
(Cerimônia do Dia do Cinema Brasileiro, em Brasília, quando o Governo Federal anunciou investimentos de R$ 1,6 bilhão para o setor audiovisual, em 19 de junho último)
Aqui Lula comete o equívoco de ignorar que, infelizmente, o Brasil está dominado por uma cultura medíocre, marcada pelo universo brega-popularesco e pelas subcelebridades que, com certeza, não têm a ver com "arte" nem "cultura", independente de se preocuparem com "putaria" ou não. E, lembremos, o "funk", tão glorificado pelas esquerdas médias, é o que mais investe nesta tal "putaria". Quanto a essa declaração, Lula demonstrou ser um conservador e não necessariamente engajado na valorização da cultura verdadeira.
"Quem é que compra essas coisas? São mulheres, a maioria, jovens. E tem muita bugiganga. Eu nem sei se essas bugigangas competem com as coisas brasileiras, mas nós temos dois tipos de gente que não paga imposto: as pessoas que viajam, que têm isenção de US$ 500 nesses shoppings, gente que é de classe média, e tem aquelas 24 milhões de pessoas que podem viajar mais de uma vez por mês ao exterior. Como você vai proibir os pobres, meninas e moças que querem comprar uma bugiganga? Mulher gosta de cabelo, esses negócios. Quando discuti com o [vice-presidente Geraldo] Alckmin, eu disse: "sua mulher compra, minha mulher compra, a filha do [presidente da Câmara, Arthur] Lira compra, a filha de todo mundo compra".
(Entrevista de Lula a jornalistas em maio último, no Palácio do Planalto)
O comentário soa bastante grosseiro e desnecessário.
"Muita gente acha que uma televisão é uma pequena coisa, que não tem muita importância. Mas, para uma pessoa mais humilde, a televisão é um patrimônio. O fogão é um baita de um patrimônio. A geladeira, então, nem se fala. E uma máquina de lavar roupa é uma coisa muito importante para as mulheres que estão sobrevivendo a um verdadeiro sofrimento e martírio com essa chuva".
(Declaração dada durante anúncio de medidas para o Rio Grande do Sul, nos primeiros dias da tragédia dos temporais, em abril deste ano)
Igualmente grosseiro, este comentário é que não tem muita importância para ser dito.
"Quando a mulher tem uma profissão, ela tem um salário, pode custear a vida dela. Ela não vai viver, comer, com um homem que não goste dela. Não vai viver por necessidade, por dependência, vai viver a vida dela e vai morar com alguém se ela gostar de alguém. Vai ter a opção dela, ela vai escolher. Ela não vai ficar dependente. Não vai ficar dizendo: "Eu preciso do meu pai para me dar R$ 5 para comprar um batom. Eu preciso do meu pai para me dar R$ 10 para comprar uma calcinha". Não. Quando a gente precisa, a gente perde a independência da gente".
(Evento de abertura de 100 institutos federais de Educação, em março passado, em Brasília)
O comentário soa como o de um machista querendo parecer solidário ao feminismo.
"Essa menina bonita que está aqui. Eu estava perguntando o que faz essa moça sentada, que eu não ouvi ninguém falar o nome dela. Eu falei: 'Ela é cantora, vai cantar'. Aí perguntei [e disseram]: 'Não, não vai ter música'. Então, ela vai batucar alguma coisa. Porque uma afrodescendente assim gosta de um batuque, de um tambor".
(Durante anúncio de investimentos na Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, em fevereiro último)
A declaração soou preconceituosa com a imagem do povo negro, associado de forma generalizada ao som dos instrumentos percussivos.
"O Ricardo Stuckert [fotógrafo oficial da Presidência] não quer que eu ande de andador. Ele já falou: 'Não vou filmar você de andador'. Então significa que vocês não vão me ver de andador, de muleta. Vão me ver sempre bonito, como se eu não tivesse sequer operado".
(Declaração dada no programa Conversa com o Presidente, em setembro de 2023, a respeito da suposta cirurgia no quadril, da qual suspeitamos ter sido, na verdade, cirurgia de câncer, pois a "dor no quadril" teria sido uma mentira usada por Lula para evitar a euforia da oposição)
Lembremos que Lula nunca apresentou sintomas de dor no quadril, mas sim indícios de câncer, como a estranha calvície típica de quem faz quimioterapia e a voz do presidente está bastante cansada e fraca. Os eventuais sumiços de Lula seriam para acompanhamento médico no tratamento contra o câncer. Em nenhum momento Lula apareceu mancando nem apresentando outro indício de dor no quadril.
"Nós brasileiros somos formados pelo povo africano. A nossa cultura, a nossa cor, o nosso tamanho, é resultado da miscigenação de índios, negros e europeus. E nós temos profunda gratidão ao continente africano por tudo o que foi produzido durante 350 anos de escravidão no nosso país".
(Declaração dada em julho de 2023, durante visita ao Cabo Verde, país africano, e dita com a presença do presidente cabo-verdiano José Maria Neves)
Declaração perigosamente confusa, pois Lula, por acidente, "elogiou" a escravidão, criando um incômodo mesmo quando o presidente brasileiro seja um opositor do trabalho escravo.
"A OMS sempre afirmou que, na humanidade, deve haver mais ou menos 15% de pessoas com algum problema de deficiência mental. Se esse número é verdadeiro, e você pega o Brasil, com 220 milhões de habitantes, significa que temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso. Pode, uma hora, acontecer uma desgraça".
(Comentário durante uma reunião de Lula com ministros e governadores para discutir o problema da violência nas escolas, em abril de 2023, após a ocorrência de atentados com vários mortos)
"Desequilíbrio de parafuso" é um termo muito grosseiro para um chefe de Estado dizer.
"A obesidade também é uma doença que precisamos cuidar. Nossa médica, a ministra da Saúde [Nísia Trindade], sabe perfeitamente bem que a obesidade causa tanto mal quanto a fome. É por isso que o Flávio Dino está andando de bicicleta. Porque ele sabe que o Estado precisa cuidar com muito carinho desse mal".
(Anúncio do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, em Brasília, março de 2023)
O comentário repercutiu mal por sugerir gordofobia.
"Há 500 anos, aqueles que invadiram nosso país e depois disseram que o descobriram, depois de exterminarem milhões de índios, resolveram vender a ideia de que era preciso fazer a escravidão vir para o Brasil, porque os indígenas eram preguiçosos, não gostavam de trabalhar. E se eles não gostavam de trabalhar e não tinha brancos para trabalhar, porque os que vinham da Europa não queriam trabalhar, então resolveram contar história de que os índios eram preguiçosos e, portanto, era preciso trazer o povo negro da África, para produzir nesse país. Ora, toda a desgraça que isso causou ao país... causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação entre indígenas, negros e europeus que permitiu que nascesse essa gente bonita aqui, que gosta de música, de dança, de festa, que gosta de respeito, mas que gosta de trabalhar para sustentar a sua família e não viver de favor, de quem quer que seja".
(Discurso feito durante a 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, em março de 2023)
Lula passando pano na escravidão, num evento com tribos indígenas. Daí que percebemos o quanto os índios andam decepcionados com o presidente.
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