Pular para o conteúdo principal

DO UFANISMO DAS FAVELAS AO SAFÁRI HUMANO


Muito se irá questionar do proselitismo intelectual em prol da bregalização feito com muita intensidade entre 2005 e 2014.

Defendiam as qualidades negativas que o povo pobre era obrigado, pelas suas limitações sociais, a vivenciar, como se fossem "positivas" e até "progressistas".

Seja a pedofilia nos "bailes funk", a prostituição das jovens pobres, o comércio pirata dos jovens pobres e o alcoolismo dos homens mais velhos, tudo era "positivo".

Houve antropólogo que dissesse, animado, que ver um mendigo rebolando e balbuciando bobagens era o "suprassumo da sabedoria pop".

Um ufanismo em prol das favelas lembrava o ufanismo da Era Médici, mas era quase uma unanimidade pela pressão que a intelectualidade "bacana" fazia sobre as esquerdas.

Era aquele discurso, meio estranho, de que "a favela é meu lugar". Um cenário da pobreza espetacularizada e legitimada em documentários e monografias, para dar um verniz de objetividade.

Em 2014, a coisa se escancarou, com funqueiros creditados como "pensadores" em questões de provas escolares ou virando paraninfos de formandos de universidades.

E tudo isso com o breganejo Zezé di Camargo promovido a menestrel da tal "reforma agrária da MPB" que a intelligentzia portadora de visibilidade plena empurrava para as pautas esquerdistas.

De repente, derrubado o governo Dilma Rousseff, viu-se o que o discurso que se passava por progressista em 2005 resultou.

O Zezé di Camargo que se empurrava para o leitor médio de Caros Amigos e Carta Capital como se fosse um seresteiro moderno das esquerdas foi depois apoiar Aécio Neves e dizer que, no Brasil, "nunca houve uma ditadura militar".

Agora, a ressaca deixada pelo discurso pró-brega que prevaleceu durante muito tempo nas pautas esquerdistas, mas nunca ameaçou a mídia hegemônica, mostrou seu lado amargo.

Se antes era inútil dizer que a retórica pró-brega que invadia as páginas de Caros Amigos e Carta Capital e até Brasil de Fato e Fórum era a mesma que vibrava no Caldeirão do Huck e na Caras, hoje se começa a entender este alerta.

Eu escrevia essas questões no Mingau de Aço, surfando contra a corrente da visibilidade plena que pedia para as esquerdas aceitarem a bregalização como se fosse uma bolivarização cultural brasileira.

Fui visto como um chato, não bastasse o Mingau de Aço ter sido um "patinho feio" da mídia de esquerda.

Questionar a bregalização era visto, de forma surreal, como uma pauta das direitas indignadas que hoje resultaram nos MBL da vida.

Ser "de esquerda" era aceitar tudo isso para "estar na turma".

Era quase um mecanismo para ganhar visibilidade, ser divulgado na imprensa escrita de esquerda, ter maior cartaz nos seminários do gênero, ser convidado para palestras etc.

Não digo um mecanismo oficial, declarado, mas aceitar, por exemplo, o "funk" como um suposto guevarismo brasileiro era uma forma de atrair mais facilmente seguidores e ter maior visibilidade.

Só que esse discurso, assim como no caso de Zezé di Camargo negando a ditadura militar, teve efeito bastante nefasto.

O mito da "pobreza linda", de pobres estereotipados vestindo roupas baratas mas chamativas, tal qual índios outrora vestindo roupas da moda, resultou nos "safáris humanos" nas favelas.

O "turismo de favela" foi um efeito natural de toda aquela apologia à "pobreza linda", o mito das periferias que teve no "funk" o seu símbolo máximo.

É o preço que o discurso da "pobreza linda", da imagem espetacularizada das periferias, estabeleceu sob a desculpa do "combate ao preconceito".

A embriaguez dos idosos como "consolo" para as frustrações amorosas do "brega de corno" ou a bebedeira moderna dos "sertanejos", axézeiros e "forrozeiros eletrônicos" só resultou na consagração de Jorge Paulo Lemann, da Ambev, como o homem mais rico do Brasil.

A prostituição que era vendida como pretenso empoderamento feminino só serviu para manter um mercado sustentado por machistas sádicos e perversos.

Agora a "alegre periferia do funk" se transformou num mercado perverso em que as favelas viraram paisagens de consumo e o povo pobre, um bando de "criaturas exóticas".

É um mercado de voyeurismo da miséria, no qual até a violência cria um ingrediente exótico a mais para esse consumo da pobreza convertida em espetáculo.

Turistas parecem tão esnobes como se estivessem em um zoológico. Veem os pobres como se fossem atrações de circo.

O "turismo de favela" é um subproduto de toda a discurseira pela bregalização de uma década atrás.

Em nome do "combate ao preconceito", foram criados preconceitos ainda piores, e bem piores.

Hoje se observam pobres subindo e descendo os morros, gente bebendo pinga ou cerveja, garotas vendendo sexo.

Tudo isso era vendido como "progressista", como a "afirmação positiva das periferias".

Monografias, documentários e grandes reportagens que mostravam o "lindo Brasil brega" só serviram de pano de fundo para essa indústria perversa de consumo simbólico da pobreza alheia.

As forças progressistas morderam a isca da "pobreza linda" achando que isso poderia promover o crescimento e a emancipação das classes populares.

Isso resultou num efeito oposto, e esvaziou os movimentos sociais com o consumismo do brega-popularesco.

Muitos se esqueceram que aquele "baile funk" durante a manifestação pró-Dilma Rousseff no 17 de Abril de 2016 foi um grande panelaço que só agravou a situação da presidenta.

Agora as esquerdas, ao perder o protagonismo político de antes, têm que admitir o erro de terem dado ouvidos à intelectualidade "bacana", seduzidas por sua alta visibilidade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

FLUMINENSE FM E O RADIALISMO ROCK QUE QUASE NÃO EXISTE MAIS

É vergonhoso ver como a cultura rock e seu mercado radiofônico se reduziram hoje em dia, num verdadeiro lixo que só serve para alimentar fortunas do empresariado do entretenimento, de promotoras de eventos, de anunciantes, da mídia associada, às custas de produtos caros que vendem para jovens desavisados em eventos musicais.  São os novos super-ricos a arrancar cada vez mais o dinheiro, o couro e até os rins de quem consome música em geral, e o rock, hoje reduzido a um teatro de marionetes e um picadeiro da Faria Lima, se tornou uma grande piada, mergulhada na mesmice do hit-parade . Ninguém mais garimpa grandes canções, conformada com os mesmos sucessos de sempre, esperando que Stranger Things e Velozes e Furiosos façam alguma canção obscura se popularizar. Nos anos 1980, houve uma rádio muito brilhante, que até hoje não deixou sucessora à altura, seja pelos critérios de programação, pelo leque amplo de músicas tocadas e pela linguagem própria de seus locutores, seja pelo alcance do s

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

O ETARISTA E NADA DEMOCRÁTICO MERCADO DE TRABALHO

É RUIM O MERCADO DISCRIMINAR POR ETARISMO, AINDA MAIS QUANDO O BRASIL HOJE É GOVERNADO POR UM IDOSO. O mercado de trabalho, vamos combinar, é marcado pela estupidez, como se vê na equação maluca de combinar pouca idade e longa experiência, quando se exige experiência comprovada em carteira assinada até para coisas simples como fazer cafezinho. O drama também ocorre quando recrutadores de "oficinas de ideias" não conseguem discernir reportagem de stand up comedy  e contratam comediantes para cargos de Comunicação, enganados pelas lorotas contadas por esses humoristas sobre uma hipotética carreira jornalística, longa demais para suas idades e produtiva demais para permitir uma carreira paralela ou simultânea a gente que, com carreira na comédia, precisa criar e ensaiar esquetes de piadas. Também vemos, nos concursos públicos, questões truncadas e prolixas - que, muitas vezes mal elaboradas, nem as bancas organizadoras conseguem entender - , em provas com gabaritos com margem de