O bullying, problema que veio à tona com o último atentado em Goiânia, na semana passada, é um tema subestimado pela opinião pública que nem tradução em português tem.
Vamos descrever o atentado, que mais parece a banalização do bullying no qual a vítima não foi necessariamente um loser, ou seja, um desafortunado social.
No último dia 20, um adolescente filho de militares, que se achava "humilhado" por ser criticado por não usar desodorante, entrou armado na escola Goyases, na capital goiana.
A escola ficava num bairro antes tranquilo, e o atentado causou duas mortes, dois garotos, tendo sido um deles um ex-amigo do atirador.
O adolescente foi apreendido. Ele feriu outros colegas e foi detido enquanto tentava recarregar o revólver, de propriedade de seu pai. Uma professora conversou com ele e tentou acalmá-lo.
O atentado, evidentemente, chamou a atenção no caso do bullying, embora o caso não seja típico de práticas desse tipo.
Eu já foi vítima de bullying, há 35 anos, e posso dizer que a maioria dessas práticas envolve casos em que o agressor é um privilegiado e a vítima, alguém de personalidade diferente dos padrões dominantes.
Geralmente o agressor varia entre um sujeito com problemas sociais crônicos e um "cara legal" que adora zoar com quem é diferente dele.
No primeiro caso, é um garoto-problema dotado de impulsos sociais violentos que agride outro mais frágil e sensível.
No segundo caso, é um rapagão querido por todos que se deixa valer de seu carisma para humilhar os outros num triste espetáculo de atrocidades morais contra quem é diferente.
No caso do adolescente de Goiânia, acredito que ele potencialmente poderia também ter sido não a vítima, mas o algoz do bullying, se houvesse alguém com quem ele sentiu antipatia.
O rapaz que matou dois colegas poderia também ser o "valentão" filho de militar que escolheria um outro colega seu para ser seu "soldadinho particular" e "saco de pancadas".
Creio que ele pudesse mais se enquadrar no "valentão" do primeiro caso, longe do "valentão adorável" que descrevi no segundo.
O segundo caso, dos "valentões" carismáticos que arrumam namoradas com a facilidade de quem encontra areia na praia, o filme Vingança dos Nerds (Revenge of the Nerds) mostrou de maneira humorística sua natureza.
A realidade é mais dura e os "caras legais" que humilham os losers conseguem se dar bem na vida social, e isso ilude professores e pais de família.
Afinal, os "valentões" são dotados de carisma e o poder deles é reforçado quando pessoas de bem, não necessariamente agressoras, ficam do lado do agressor em práticas públicas de bullying.
Isso iludiu muita gente achando que o bullying era "brincadeira saudável" de crianças e adolescentes.
A ação de "valentões" é apenas o embrião do assédio moral, da corrupção, dos assassinatos de reputação.
Hoje tem ainda a sua versão na Internet, o cyberbullying, com campanhas ofensivas nas mídias sociais ou até mesmo blogues de calúnias e difamações.
Mas isso é conhecido.
O dado surreal é que, diante da mania de dissimulação e até de um problema psicológico comum dos brasileiros, o Transtorno de Projeção.
No Transtorno de Projeção, o algoz atribui à vítima os defeitos próprios dele.
Neste sentido, muitos adultos que haviam, na infância, humilhado os outros através do bullying, hoje se dizem vítimas dessa prática.
Daí para os "valentões" se autoafirmarem "nerds", a ponto deste termo se banalizar tanto que hoje perdeu o sentido original de antes, é um pulo.
Hoje se diz "nerd" qualquer rapagão "boa vida" que fica mais de quatro horas de Internet.
Muitos praticantes de cyberbullying também são metidos a se dizer "nerds" por usarem linguagem desbocada e irônica, o que é um equívoco.
Se classificar "nerd" por ser gozador é mais ou menos como ser fanático pelo livre-mercado e se dizer "esquerdista".
É, portanto, o travestismo ideológico o que"valentões" fazem quando se dizem "nerds".
O problema do bullying é tão complexo que poucos conseguem compreender.
E esse problema é tão subestimado, pois até pouco tempo atrás era "só uma brincadeira", que a expressão bullying nem tem tradução em português.
Eu, já em 1982, 1983, chamava essa triste prática de "implicância".
Mas hoje vejo esse termo como muito vago para defini-lo.
Tomando como base a expressão bully, sugiro a expressão "valentonismo" como equivalente em português do termo bullying.
Espero que o termo "valentonismo" pegue, para que assim possamos pensar o bullying conforme a realidade brasileira utilizando uma palavra própria.
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