O alerta dado pelo acadêmico da Universidade Federal da Bahia, Sandro Santana, quanto ao aumento das ações para a repressão e o enfraquecimento da cultura popular, nos põem a pensar.
O avanço das religiões evangélicas neopentecostais, com seu purismo bíblico, tende a prejudicar as expressões folclóricas que atuam principalmente no interior do Brasil.
Sandro Santana descreve, por exemplo, a Quixabeira de Lagoa da Camisa, manifestação derivada do samba que ocorre no agreste baiano.
No interior, as seitas neopentecostais crescem e ameaçam os legados culturais das comunidades, que correm o risco de desaparecer por completo.
Esse é o efeito do bolsonarismo que chegou ao poder em 2019, através da vitória eleitoral de Jair Bolsonaro no dia do Halloween, 28 de outubro de 2018.
Mas temos que admitir que isso se deu porque as esquerdas morderam a isca do suposto combate ao preconceito que a intelectualidade "bacana" pregou em prol da bregalização.
Ainda vamos esperar o tempo passar para classificar como gafe o "baile funk" de Copacabana no dia 17 de abril de 2016, que enganou as esquerdas que pensavam que Rômulo Costa lutava para salvar o mandato de Dilma Rousseff.
Mentira. Rômulo Costa é amigo de Luciano Huck, de políticos de direita, da bancada evangélica e o que ele fez foi abafar o protesto contra o impeachment de Dilma com a barulheira do "funk".
Foi, repito, como Cabo Anselmo enganando a opinião pública com o protesto "identitário" da época, uma suposta revolta de marinheiros cujo único resultado foi irritar os oficiais e abrir caminho para o golpe civil-militar de 1964.
A campanha pela bregalização do país já tinha uma raiz golpista, porque defendia fenômenos "populares" que se ascenderam em períodos conservadores: a ditadura militar e os governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.
A intelligentzia blindando o brega-popularesco em todo o período Lula-Dilma não faz com que fenômenos como Waldick Soriano, Chitãozinho & Xororó, É O Tchan e o "funk" sejam considerados o "suprassumo do esquerdismo musical".
Todos eles são filhos de uma simbologia que envolve a mídia venal, desde as rádios interioranas controladas por oligarquias coronelistas até as emissoras de TV controladas por grandes famílias empresariais.
O "funk", com sua "etnografia de proveta" defendida, como um mantra, pela intelectualidade "bacana", tornou-se o carro-chefe dessa pasmaceira que nunca teve de algo progressista.
Pelo contrário, esse e outros ritmos "populares demais" eram a trilha sonora de um processo de idiotização das classes populares, através da gourmetização da pobreza, da ignorância e de valores retrógrados como o machismo, sob o rótulo da "cultura das periferias".
E notem que "periferia", aqui, tem o mesmo sentido dado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que a intelectualidade pró-brega, aluna dele, finge odiar.
Foi esse discurso do "combate ao preconceito" que queria, falaciosamente, dar ao comercialismo musical brega-popularesco o mesmo peso das manifestações folclóricas originais.
Isso é um absurdo, embora essa narrativa tivesse prevalecido e crescido tanto que virou uma pretensa unanimidade difícil de ser desconstruída.
E tudo isso apesar das disparidades gritantes entre o folclore popular e o brega-popularesco.
O folclore popular é transmitido, de forma horizontal, pelas populações comunitárias, sobretudo através de familiares, e tem um objetivo profundamente social, desenvolvendo valores que promovessem o crescimento e o progresso do seu povo.
O brega-popularesco, apesar de todo blablablá de que ele é o "novo folclore pós-moderno", é transmitido, de forma vertical, pela indústria do entretenimento para as populações pobres, e tem objetivos meramente comerciais, além de promover a idiotização e anestesiamento do povo pobre.
E todo esse discurso intelectualoide, confuso mas sofisticado - através de recursos textuais como documentários, monografias, grandes reportagens etc - , iludiu as forças progressistas.
Elas morderam a isca da falácia do "Brasil bregalizado", acreditando que a intelligentzia estava solidária com o povo pobre.
A máscara depois caiu e não foi o preconceito que foi combatido, mas o Ministério da Cultura, a Lei Rouanet e as conquistas sociais e trabalhistas dos brasileiros.
Através de canções como "Eu Não Sou Cachorro Não" e "Rap da Felicidade", o complexo de vira-lata foi disfarçado pelo verniz da "auto-afirmação das classes populares", que em prática inexistiu.
E aí a intelectualidade "bacana", que com a bregalização defendeu paradigmas "populares" difundidos pela Globo, Folha, SBT, Abril e outros veículos da mídia venal, realizou seu objetivo oculto: derrubar os governos progressistas, através de uma falsa solidariedade.
E aí temos os retrocessos crescendo.
No momento, vemos um dos acusados de comandar o atentado à sede da Porta dos Fundos, o empresário bolsonarista Eduardo Fauzi, ter fugido para a Rússia, mas antes ter gravado um vídeo ameaçando a polícia.
E temos fake news sobre supostos crescimentos econômicos que não ocorreram, desde as "façanhas" de Paulo Guedes até o factoide do "crescimento do comércio natalino" (na verdade, houve o contrário).
O pesadelo bolsonarista ainda não consegue ser digerido pelas esquerdas, que assistem passivas ao cumprimento de um ano de governo.
E isso quando a mídia venal já começa a dizer que o governo Jair Bolsonaro é "um sucesso", graças à economia, com as conquistas do projeto ultraliberal que causam êxtase nas elites financeiras.
E toda essa caixa de Pandora veio porque as esquerdas acreditavam que intelectuais e jornalistas vindos da mídia venal, ao defender a bregalização do Brasil, estariam defendendo o progresso do povo pobre. Tudo conversa para boi dormir.
Agora, vamos ter um 2020 muito delicado. E o Brasil ainda mais fragilizado.
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