Digamos que você recebe um trote telefonico. Um falsete dado por uma mulher sugere que um parente criança teria sido sequestrado. A voz é creditada como a da vítima deste sequestro, que implora aos prantos paraque seja dado o dinheiro do resgate. Você se comove e vai ao banco pegar a grana, mas depois percebe que a voz é de uma mulher adulta integrante de uma quadrilha de golpistas financeiros.
Vamos para outra situação.
Você vai a uma instituição "espírita" que, na sua boa-fé, decidiu frequentar, na esperança, ainda que vã, de obter conforto e proteção espiritual. De repente o "médium" que está na sessão supostamente recebe um espírito, altera a voz e anuncia que foi uma tia falecida que você teve e pela qual sentiu muitas saudades. A suposta alma lhe diz para continuar na prece e na fé, mesmo sob as dificuldades mais pesadas da vida
Aí você vê essas duas situações e acha que a comparação nada tem a ver. Que a"mensagem espiritual não tem a menor relação com o trote telefonico, por apresentar"coisas lindas e consoladoras". Na sua arrogância você arriscaria a dizer "Nem em pensar se faz uma comparação dessas".
Você (digo "você" impessoal, nada de cismar com indivíduo A ou B) está errado nessa avaliação. Em que pese o caráter agradável do exemplo religioso, a comparação com o golpe telefônico é, sim, pertinente e consistente. Iludido pela cosmética do raivismo, você acha que só os neopentecostais é que não prestam e que o Espiritismo brasileiro, com todas as falhas e erros, seria um oásis de transparência, conforto, sabedoria e altruísmo.
Pensando assim, comete-se um grave equívoco. As coisas mais traiçoeiras ocorrem sob o aparato da simpatia e da suavidade. Nenhum feminicida conquista sua mulher-vítima puxando pelo cabelo, dando soco ou fazendo ameaças, mas usando uma tática de conquista que capricha no senso de humor e até bo cavalheirismo.
O Espiritismo brasileiro é a religião mais deplorável do Brasil. Digo isso não apenas porque fui prejudicado ao seguir essa religião durante 28 anos (1984 a 2012), mas porque, como jornalista, descobri detalhes sórdidos que fazem a Igreja Universal do Reino de Deus parecer uma trupe de saltimbancos.
Só o principal "médium" da religião "espírita" - sim, é aquela figura "adorável" que "fez caridade" e cujas frases são publicadas nas redes sociais para "alegrar o dia" - é, na verdade, a podridão em pessoa. Apoiador radical da ditadura militar, pioneiro na literatura fake, pregador de ideias retrógradas e medievais como pedir para os aflitos sofrerem calados as piores desgraças, o "médium" de Minas Gerais era aliado do poder coronelista do Triângulo Mineiro e em sua trajetória há uma morte suspeita de um sobrinho, por indícios de queima de arquivo.
São coisas realistas e verídicas, mas que fizeram muita gente fechar olhos e ouvidos por teimosia pior do que a de crianças malcriadas de sete anos de idade. Até os insentões de plantão apelam para o bordão "Tudo bem que o 'médium' cometeu muitos erros, mas fazer tais acusações (sic) é demais para quem, ao menos, sempre ajudou o próximo". Sempre a mesma carteirada filantrópica.
Só que a "indiscutível caridade" do tal "médium da peruca" (e do boné, como um cosplei do Eustáquio do desenho Coragem, o Cão Covarde) sempre foi fajuta e só é verdade absoluta para a elite abastada, para a classe média cheia de si e dotada de muito juízo de valor. Pois a "indiscutível e comovente caridade" consistia em humilhar pobres a formar longas filas em troca de poucos mantimentos que nem duram dois dias, e em publicar mensagens fake, supostamente mediúnicas, que remetem justamente aos mesmos trotes telefônicos acima citados, com a pequena diferença de que, no lugar do pedido de resgate, há a alegação de suposta tranquilidade numa hipotética vida no além-túmulo.
Não há pretextos de suposta caridade ou pretensa consolação que justifiquem práticas tão farsantes de se passar por outra pessoa, caprichando em mensagens dóceis para enganar as pessoas, em troca de uma suposta esperança por "vidas melhores" aqui ou depois de morrer.
É lamentável que as pessoas acreditem que as piores mentiras religiosas se encerrem no raivismo de im Silas Malafaia, a "vidraça" da vez depois que se desgastou a superexposição dos exemplos "clássicos" de Edir Macedo, hoje fortalecido pelo império midiático do grupo Record, e de R. R. Soares, também consolidado no seu poder como um empresário da fé.
Assim como o pior feminicida nunca seria o incel caseiro de maís de 36 anos, que fica em cada tomando Nescau e comendo bolo Ana Maria enquanto cuida da mãezinha doente, enquanto, do nada, é acusado de agredir uma suposta namorada surgida não se sabe de onde, o puor mentiroso nunca seria aquele cara ressentido que, com um sorriso cínico, avisa ao público: "Tomem cuidado comigo porque eu minto!".
Infeliz e tolo daquele que duvida que os piores mentirosos são aqueles que se utilizam de discursos suaves e afáveis. Como o pior feminicida que capricha no cavalheirismo e no seu poder de provedor e protetor para seduzir uma mulher. Ninguém usa como isca algo que não agrada a presa. As vítimas são atraídas pelo que lhe parecem mais agradável, não por gritos, ameças ou chantagens.
Daí o caráter deplorável das tais "psicografias" iniciadas por um livro farsante, o tal "Parnaso", cheio de doversas autorias de poetas famosos que já representam uma prática condenada pelo próprio Allan Kardec, que em O Livro dos Médiuns alertava para obras de pretensos paranormais que usavam nomes de personagens famosos para impressionar as pessoas e impor mistificação.
O "bom médium da peruca", das frases publicadas na Internet para "alegrar o dia", é tido como vítima de adulteração dos seus livros. Parece feitiço voltando contra o feiticeiro. Em todo caso, o "médium" em seu tempo participava de fraudes e modificações editoriais de livros diversos, inclusive já publicados. E o "médium" participava e autorizava alterações em seus livros, transformando a literatura religiosa numa grande farra. E mais deplorável se torna quando a falsidade literária usa como desculpa o "pão dos pobres". Só no Brasil o "amor ao próximo" serve como desculpa para tão abusivos crimes.
Você aceitaria que outra pessoa se passasse por você, mesmo que seja só para falar de paz e ensinamentos cristãos? Pouco importam os pretextos de "pão dos pobres", "paz mundial", "união entre irmãos" etc. Não existe desonestidade em favor da solidariedade. Se um ato é desonesto, como ocorre com a farra da usurpação dos mortos, não há amor ao próximo que pague esses atos desonestos. Essa atitude acaba ficando suja e podre, "amor ao próximo" feito de forma desonesta é a pior mentira, e das mais criminosas.
Se a professora Ana Lorym Soares não tivesse agido com complacência e muita passagem de pano, ela teria revelado um dos piores escândalos religiosos da História do Brasil, derrubando um charlatão que a ditadura militar fez tornar-se uma pretensa unanimidade humanitária.
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