Faleceu o cineasta Morgan Spurlock, do documentário Super Size Me, de 1999, no qual ele mesmo vivencia a dieta que ele fez comendo somente os lanches do McDonald's, a “dieta do palhaço”, o que o fez ficar obeso e, ao mesmo tempo, subnutrido, tornando-se doente e fraco a ponto de suas consequências terem abreviado sua vida.
O irônico disso tudo é que, na década de 2010, a mídia progressista, quando podia exercer uma conduta crítica, denunciava os abusos de cunho trabalhista e humanitário nas redes de lanchonetes (acho equivocado a rede McDonald's se autoproclamar “restaurante”, pois seu cardápio não chega a tanto; não oferece, por exemplo, pratos de almoço com feijão e arroz), como humilhação a gestantes feitas por gerentes e brigas entre colegas de trabalho no horário de atendimento aos fregueses.
Recentemente, fiz parcialmente as pazes com o McDonald's, já que, nos meus momentos de dificuldades econômicas, uso a rede de lanchonetes como uma lan house improvisada, entrando no wi-fi gratuito em suas filiais. Quando estava no Rio de Janeiro, há três meses, eu participei de uma conferência virtual da Helbor, onde, aqui em São Paulo, fiz estágio de corretor de imóveis.
Eu estava na filial da McDonald's na Avenida Rio Branco carioca, ao lado da Rua do Ouvidor, no mesmo local no mesanino onde eu, meu irmão e minha saudosa mãe comemos o combo básico (Big Mac, fritas e Coca-Cola) em 1983, quando via, abaixo, um monte de ônibus da carroceria Condor da Real Auto Ônibus passando pelo local.
Depois de Super Size Me, a McDonald's teve que rever seus conceitos. Ela não se tornou o Santo Graal dos lanches, mas teve que reduzir o teor de gorduras e aumentar as opções de saladas no seu cardápio. No Brasil, isso demorou a acontecer e, nos últimos meses, experimentei os lanches das promoções baratas da rede e gostei.
Outra coisa que eu tomei de Super Size Me, incluindo a montagem que ilustra esta postagem e que eu fiz para minha extinta página Preserve o Rádio AM, é que eu comparei o tema de Spurlock à overdose de informação que invadia o rádio FM, com o jornalismo prolongado e até as emissoras all news (que eu apelidava jocosamente pela forma aportuguesada “ounius”).
Eu sou jornalista, mas não sou fanático pela notícia a ponto de ser a favor dessa overdose de noticiários no rádio FM. Não é um meio para isso. Você se isola, deixa de falar com as pessoas, deixa de ler um livro, deixa de ter uma opinião própria, e recebe tanta informação que deixa de pensar por conta própria, pois não há tempo, tem mais notícias para serem enfiadas na sua cabeça.
Há cerca de 20 anos, quando o Jornalismo passava por uma exagerada supervalorização, a ideia do “jornalismo de FM” era trabalhada como se fosse a “salvação da humanidade”. Havia promessas de extinguir o jabaculê, esquema de corrupção ingenuamente visto como exclusivo da programação musical, com a utopia de que, havendo mais informação, as FMs ficariam “melhores e mais inteligentes”.
Houve promessas até exageradas, como fazer o ouvinte virar intelectual, causar uma revolução cultural no Brasil e, quem sabe, transformar até mendigo em filósofo. Indo na carona, o futebol, que é entretenimento e não necessariamente jornalismo, no sentido estrito da coisa, também reivindicava a mesma reputação nesse processo de converter o rádio FM num arremedo de rádio AM.
As promessas foram em vão e o efeito Super Size Me não tardou a vir. No perfil da Band News FM no Orkut, ficava chocado com o clima de tietagem dos ouvintes que, na prática, pediam uma programação de 48 horas num dia, pois sempre pediam para cada programa ter o dobro de duração. Era um clima de idolatria, de fã-clube, que destoava da imagem esperada de um ouvinte com um mínimo de objetividade.
Mas isso é o de menos. Como pude ver a partir do exemplo dos “programas de locutor” nas FMs em Salvador, a overdose de informação e o opinionismo viraram praga e o que se viu foi a hierarquização da opinião pública, com a tese, cinicamente absurda, de que os ouvintes não têm opinião e só passariam a ter quando passassem a ouvir regularmente os locutores da moda, estes nem sempre especializados nem entendidos dos assuntos que arriscam a comentar.
Com o tempo, os consumidores de notícias ficaram intelectualmente mais passivos, o Jornalismo cresceu demais em reputação que se revelou, depois, um cenário profissional tóxico e dotado de ganância financeira. O quarto poder contribuiu para endeusar o canastrão jurídico Sérgio Moro e, em seguida, para derrubar Dilma Rousseff. O jabaculê se revelou presente nos noticiários e na cobertura esportiva, fazendo com que o antigo jabaculê musical parecesse cantiga de roda.
Mas depois vieram as fale news e o opinionismo, indo para as redes sociais, criou uma geração de influenciadores que parecia começar bem, mas depois causou um grande colapso cognitivo no Brasil inteiro. O opinionismo, que já transitava no perímetro do pedantismo e do achismo no rádio FM, recentemente produziu aberrações como Monark.
Eu apelidava, em 2004, a overdose de informação no rádio FM de Super Size News FM. E a intoxicação dessa overdose informativa criava fanáticos consumidores de notícias e opinião, entendidas como verdadeiras mercadorias midiáticas, e as pessoas deixavam de viver para consumir jornalismo.
O senso crítico decaiu, as pessoas passaram a pensar na linha editorial da rádio FM de sua preferência, o debate se deteriorou, rebaixado a um processo de legitimação da visão dominante dos fatos, nem sempre de acordo com a realidade nem a favor do interesse público. E os ouvintes, em vez de ficarem mais inteligentes, avabaram se transformando em zumbis noticiosos.
A experiência de Morgan Spurlock com a “dieta do palhaço” encontra similar com a “dieta da notícia” que acabou matando o Jornalismo a ponto de comediantes de estandape roubarem postos de trabalho ligados ao setor. Jornalistas experientes são demitidos e jornais impressos reduzem páginas e quadros de profissionais. E as FMs noticiosas acabam sendo apenas versões obesas do gilette-press, sem acrescentar coisa alguma na vida das pessoas e, o que é pior, com as notícias cada vez mais voltadas ao showrnalismo. Afinal, o Agenda Setting é o hit-parade da notícia, não é mesmo?
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