Muito estranho o "universo" dito identitarista que se desenvolveu nos últimos anos.
Uma "Contracultura de resultados", da qual os verdadeiros movimentos identitários de toda a década de 1960 se traduzem de forma tardia no território brasileiro.
Coisas que aconteciam, lá fora, Europa e EUA, quando o Rio de Janeiro ainda vivia seus últimos dias de capital do Brasil.
Afinal, lembremos que 1968 não começou em 1968. Digamos que 1968 começou em 1949, na vida social que Jack Kerouac narrou nos manuscritos de Pé Na Estrada (On the Road), lançados mais tarde.
E, aqui no Brasil, 1968 mal conseguiu se popularizar nos anos 2010, através de um imaginário "espontaneamente" transmitido, desde os anos 1990, por um consórcio midiático que veio desde a Record TV (então Rede Record) até Caras, da Rede Globo à Jovem Pan.
Mas a coisa veio antes, já pela mídia hegemônica influente na ditadura militar.
E tudo isso fez com que a Contracultura se atropelasse, hoje, com o Macartismo tropical do golpe político de 2016, das pautas-bombas de Eduardo Cunha até o desgoverno de Jair Bolsonaro.
Gente hipertatuada como nos tempos do macartismo, gente fumando demais como se o cigarro pudesse levar o ser humano para alguma coisa que não o túmulo.
E se no exterior havia anúncios como o de um homem dando palmadas no traseiro de uma mulher no seu colo, aqui tínhamos comercial de marca de TV fazendo apologia ao feminicídio, "narrado" por um menino alegre e saltitante na sala de espera de um cinema.
O Brasil sempre é o último a saber, e muitos acreditam ser "vanguardista" um pop americanizado medíocre, combinado a uma mentalidade provinciana e atrasada, que consistiu em toda a linhagem da música brega-popularesca, de Waldick Soriano a Pabblo Vittar.
"Xi, lá vem aquele chato do blogue Linhaça Atômica fazer propaganda de Esses Intelectuais Pertinentes.... Prefiro ficar lendo ficções daquele cavaleiro medieval em busca do mistério do livro do Nhem-Nhem-Nhem e da Espada de Piroca".
Mas é isso mesmo. Fala-se em "combater o preconceito", "promover empoderamento" e "fortalecer auto-estima", dentro de um esquisito identitarismo por demais festivo e estranhamente modista.
É um identitarismo bizarro no qual a objetificação do corpo feminino tornou-se "moeda" para o suposto empoderamento feminista.
É o que se fala fora das bolhas das redes sociais: negocia-se o feminismo com o machismo, de modo que a mulher tenha que escolher entre o macho e o machismo.
Mulher com ideias, coisas interessantes e personalidade diferenciada? Bota ela para se casar com algum homem de "liderança", de diretor de novela a empresário de rica família.
Já a mulher que coloca "suas ideias" nas tatuagens (suas, não, as do HOMEM que tatua seu corpo), que sensualiza até em velório e usa roupas curtas até se for para São Joaquim (SC) no inverno, essa está liberada de ter algum homem. Pode brincar de namorico até com o afilhado de nove anos.
E se a mulher tem "ouvido sujo" e ouve - inicialmente, por desabafo masoquista trash - a mediocridade musical do "pagode romântico", "sertanejo" e "forró eletrônico", para não dizer "funk" e "pagodão baiano", então ela pode até viver de abstinência sexual por tempo indeterminado.
Tudo isso é "livre" e "espontâneo", oficialmente falando, e criticar tudo isso é sinônimo de "preconceito elitista e reacionário". Ideias que me fazem bocejar...
Afinal, nada disso é realmente livre. Essa "liberdade", com um quê de midiatizada e mercantilista, é decidida por uma meia-dúzia de executivos e personalidades de mídia, formadores de opiniões, comportamentos e atitudes.
Vai de Tutinha, idealizador da gíria "balada" (©Jovem Pan) com Luciano Huck, também influente, até aquele programa vespertino da Rede TV! que disse que tatuar o corpo todo é "o máximo".
Passa por William Bonner e Fausto Silva - que autoriza o que o "povão" pode ouvir de MPB autêntica - e vai até o pastor do programa de madrugada da Igreja Universal do Reino de Deus.
E, claro, circula também pela intelectualidade "bacana" que não tem influência direta no "povão", mas, por intermédio dessa classe, a mídia de esquerda também molda as "condições" do culturalismo neoliberal que devem povoar o imaginário "popular" brasileiro.
Se bem que os intelectuais "bacanas" seguem com seu namoro escondido com a direita comportada e vão para os bares do Tatuapé e da Rua Santa Cecília chorar lágrimas de crocodilo porque Itamar Assumpção, Belchior e Walter Franco estão hoje mortos.
Desconfio muito dessa "liberdade". Não sou fascista, não sou de direita, e mesmo como esquerdista evito seguir os métodos e visões autoritárias do stalinismo.
O problema é que se percebe que essa "liberdade" não é livre. Ela serve a padrões de comportamento, verdadeiras ditaduras estéticas que moldam o que o mercado quer que seja sinônimo de "liberdade".
É uma caricatura da Contracultura, bem ao sabor das elites do Big Tech, dos CEOs do Vale do Silício, da Wall Street "ocupada" por identitaristas festivos que não assustam o mercado.
Como a mulher que deixa que outro homem tatue seu corpo e lhe dê até sugestões de tatuagens, mas que se sente "empoderada" e "livre", como se as tatuagens tivessem sido desenhadas pelo vento.
Esquecem elas que a "ditadura estética" também inclui a obsessão em "ser diferente" com as tatuagens desnecessárias que causam efeito inverso, que é parecer "tudo igual", com tanta gente super, hiper e duper tatuada (ou "gaduada", aludindo ao gado bovino marcado a ferro).
Aí a mulher supertatuada vai para o Instagram, faz postagens de biquíni, com pose de "namastê" diante do brilho do Sol, e posta mensagens de auto-ajuda se achando o suprassumo do empoderamento e da positividade.
Quanto às obesas, é maravilhoso ver que elas podem aparecer em sessões de moda, porque isso envolve roupas do tamanho de seus corpos, o que significa conforto e bem-estar.
Isso é bem diferente do que ver obesas usando o Instagram para fazer fotos de um erotismo desesperado, de uma "sensualidade de guerra" feita mais como provocação do que como apelo ao prazer que não seja o narcisismo pessoal da mulher obesa.
Até porque isso não melhora as relações pessoais e nem afasta a gordofobia. Fora o "gado" digital de seguidores da obesa, que apoia qualquer coisa sem criticar, a sociedade vai vê-la como "exibida" e "oferecida".
Em vez de empoderamento e auto-estima, o que se consegue com isso é a inserção das obesas no contexto da objetificação do corpo feminino. Sob a desculpa de combater a gordofobia, reduz-se as obesas a meras mulheres-objetos.
São sutilezas que nem mesmo as esquerdas, perdidas num maniqueísmo vazio e tosco, conseguem perceber.
E aqui não se está dando razão, necessariamente, à direita "coxinha" que pedia para que o nosso blogue fosse anti-petista, supervalorizando erros de Dilma Rousseff e até inventando defeitos dela.
Até porque esses anti-petistas "isentos" eram muito confusos em relação a um projeto de país. E eram tão escravos da mídia quanto as esquerdas festivas que esculhambaram com aparente razão.
Na verdade, direitistas comportados, esquerdas-lacração e bolsomínions não passam de meros marionetes da mídia. Os três são subprodutos de uma "liberdade" trazida por um consórcio de meios de comunicação e algumas atrações estratégicas, criando uma "democracia" que o mercado gosta.
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