A posse do presidente eleito dos EUA, Joe Biden, ocorrida ontem, é, inegavelmente, um marco.
Será o fim de um breve período de um surto reacionário radical que, entre 2013 e 2020, nos deu Donald Trump nos EUA, Jair Bolsonaro no Brasil, Brexit na Grã-Bretanha e, no mundo inteiro, a Covid-19.
Um drama político com pitadas de terror necropolítico que representou o imaginário extremo-direitista, dentro de um nacionalismo vesgo e um populismo míope, se deu nesse período.
No Brasil, isso simbolizou o golpe político, jurídico e midiático de 2016, comparável ao golpe civil-militar de 01 de abril de 1964 (mas creditado oficialmente ao 30 de março).
O golpe de hoje foi reivindicado por reacionários de, em média, 60 anos de idade, que eram adolescentes quando o Brasil mergulhava num longo pesadelo ditatorial. Ignorantes dessa gravidade política, queriam um "golpe" para chamar de seu.
E aí tivemos o aparato "jurídico" muito grosseiro, através da Operação Lava Jato e das passadas de pano do Supremo Tribunal Federal, cúmplice da pantomima jurídica golpista.
Foi um período de um declínio político sem precedentes, embora o holocausto tivesse sido informal, através das convulsões sociais individuais mais graves, que produziam tragédias a varejo.
Cancelamento de conquistas trabalhistas históricas, parcialidade nas abordagens do Direito, democracia formal mascarando atos políticos inconsequentes, irresponsáveis e até nocivos, foram o tom desse período golpista.
Tivemos um cínico e demagógico Michel Temer que, não bastasse o casamento-margarina com prazo de validade vencido (por parte dele), fingia de democrático-legalista enquanto executava seu pacote de maldades.
Pelo menos Temer provou que não seria um Kubitschek pós-moderno, como imaginaram as esquerdas médias anos antes da revelação do vice-traíra de Dilma Rousseff. Até Marcela Temer, seis anos antes da "bela, recatada e do lar", parecia "empoderada" aos olhos dos esquerdistas de botequim.
Mas aí veio Jair Bolsonaro, cuja vitória eleitoral não se deve somente a Steve Bannon e seu bombardeio de fake news, mas também por Paulo Guedes e pelo erro das esquerdas de supervalorizarem as pesquisas de intenção de voto, que consultam (se é que fazem) um punhado de duas mil pessoas.
Aliás, as esquerdas perderam o rumo. E quem fala isso não é um "ex-querdista" convertido em um direitista ranzinza, mas um esquerdista preocupado com o marasmo das forças progressistas.
E agora, com a crise do bolsonarismo, as esquerdas passaram a agir como que numa bacia das almas política.
Elas esqueceram da necessidade de regulação da mídia, e passaram a se subordinar às pautas da mídia hegemônica.
E isso como se não falássemos dos "brinquedos culturais" da mídia venal, aqueles referenciais sociais que parecem terem sido retiradas de alguma novela das nove da Rede Globo.
Afinal, se trata do que o imaginário marxista chama de "pequena burguesia": gente bem de vida e que precisa se dedicar mais aos interesses, anseios e carências das classes trabalhadoras.
Perdidas num culturalismo conservador manifesto no âmbito musical, comportamental, esportivo e religioso, nossas esquerdas mais parecem bonecos ventríloquos da direita moderada.
São as esquerdas festivas e identitaristas, que desejam um Luciano Huck sem Luciano Huck, uma Jovem Guarda sem Roberto Carlos mas com Odair José e uma Tropicália com Caetano Veloso, ou não.
Que oram para "médiuns espíritas" que defenderam a ditadura militar para que eles derrubem Jair Bolsonaro. Algo como pedir para um coiote proteger as ovelhas.
Que já aceitam o fim dos direitos trabalhistas e corroboram com a direita neoliberal ao tratar a reforma trabalhista com o eufemismo de "novas relações de trabalho".
São esquerdas que insistem em dizer que o "funk" é "movimento libertário das periferias", mesmo sendo este ritmo um subproduto do culturalismo demagógico das Organizações Globo.
E elas ainda falam em "reforma agrária na MPB" com nomes do nível do reacionário Waldick Soriano, que foi uma espécie de Roger Moreira dos boleros.
Com esquerdas assim, é claro que elas não recuperarão o protagonismo político, comendo das migalhas oferecidas pela direita moderada.
Elas ainda fingem que Joe Biden é o super-esquerdão dos EUA, talvez mais do que Fidel Castro.
Ou as esquerdas surtaram ou elas estão confundindo Joe Biden com Bernard Sanders, este, sim, um esquerdista estadunidense.
Joe Biden será bom para a classe média estadunidense, e, para os padrões dos EUA, ele prometerá realizações significativas para uma parcela do povo daquele país, embora poucos saibam que o "povo das colinas" sempre é esquecido pelas políticas federais da pátria capitalista.
No entanto, Biden irá apelar, como sempre, para "missões de paz" para transformar outros países "rebeldes" - como a Venezuela, hoje - em serviçais do poderio ianque.
Tudo dentro de um verniz "democrático-legalista", atuando pelo soft power, para não assustar a criançada que vive um período "muito legal".
Afinal, nossa sociedade brasileira está cool - ou, talvez, seu cognato em português - com "funk", "espiritualismo" de fachada, identitarismo de resultados, gente tatuando, fumando e se sensualizando sem contexto achando que isso é "liberdade" etc.
E neste embalo estão as esquerdas com seu "marxismo" distante de Karl Marx e que é mais cômico do que os Irmãos Marx.
Elas estão achando que Joe Biden vai implantar o socialismo nas Américas, e aí vão se decepcionar quando o governo do atual presidente estadunidense entrar na rotina.
Aí nossos esquerdistas vão perceber que estão à margem do processo. E, se queriam um Luciano Huck sem Luciano Huck, vão ter que aguentar a ascensão do marido de Angélica para o Executivo federal, seja ele próprio ou alguém que ele indicar.
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