As pessoas não conseguem identificar armadilhas sutis, e até se revoltam quando alguém lhes avisa de sua existência.
A tendência comum é ignorar, e "dizer", por seu silêncio omisso, "Você é que ache o que quiser e chame isso de armadilha, porque, para mim, isso é coisa boa".
As religiões neopentecostais, seitas protestantes baseadas na Teologia da Prosperidade e dotadas de forte habilidade midiática, estão sendo, sim, uma grande ameaça para o Brasil.
Agindo no Poder Legislativo, são capazes de reverter conquistas sociais para impor pautas bastante obscurantistas.
Nas redes sociais, são capazes de propagar fake news para fazer prevalecer seus pontos de vista, suas causas e projetos e até seus candidatos políticos.
Mas esquecemos que a coisa é mais complexa do que se imagina.
Vejamos. Marcello Crivella, hoje com tornozeleira eletrônica, depois de preso acusado de suposto esquema de corrupção, perdeu a eleição para a Prefeitura do Rio de Janeiro porque muitos imaginaram que ele era o símbolo do bolsonarismo.
Não era. Por questões de interesses, Crivella pediu apoio ao presidente Jair Bolsonaro, mas este negou.
Em contrapartida, o hoje novamente prefeito Eduardo Paes, tão paparicado pelas esquerdas médias, manifestou entusiasmo em dialogar com Bolsonaro.
Hoje filiado ao DEM, de Rodrigo Maia, Paes também tem seus "neopenteques" na sua estrutura política.
É o que vemos quando o deputado federal Pedro Paulo Carvalho, também do DEM, deixou o cargo parlamentar para integrar a equipe do prefeito carioca.
Ele foi substituído por Marcos Soares, filho de Romildo Ribeiro Soares, o R. R. Soares, "bispo" fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus.
Marcos Soares vai legislar e votar na Câmara Federal junto ao irmão David Soares, também do DEM carioca.
Sim, neopenteques no partido de Eduardo Paes. As esquerdas foram usar o chapéu do Zé Pelintra e ele estava furado.
Há uma matéria boa sobre o neopentecostalismo, com o professor e sociólogo Ricardo Mariano, da USP, sobre a questão.
Sim, é verdade que os neopentecostais são um perigo por conta do apetite que possuem em puxar o Brasil para trás.
E não é só isso: já existem alianças com grupos milicianos, no Rio de Janeiro, como mostra matéria do jornal El País.
Eles são tudo de ruim, mas não são só eles. O cavalo de Troia que representam o Espiritismo brasileiro é um alerta que, infelizmente, é ignorado até por analistas mais esforçados.
Sendo a religião brasileira um estranho "kardecismo" que de Allan Kardec só tem o nome e as bajulações hipócritas em torno dele, o "nosso" Espiritismo não passa de um Catolicismo medieval com botox, temperado com Ocultismo místico, que substituiu a Ciência Espírita.
Mesmo as esquerdas ficam felizes com o Espiritismo brasileiro e seus pregadores conservadores, os "médiuns", por causa de alegações superficiais em torno da "paz" e da "fraternidade".
Esquecem que os "neopenteques" e "kardecistas", provavelmente, foram igualmente patrocinados pela ditadura militar para combater o Catolicismo que atuava em prol das causas progressistas e articulava a mobilização de proletários, sem-teto e camponeses.
Um texto muito explicativo foi publicado a respeito, e que deveria ser amplamente divulgado e averiguado pelos melhores jornalistas investigativos.
Eu tinha cinco anos de idade em 1976 quando, numa mesma época, via a ascensão de "médiuns" e "bispos" que, sob a desculpa da "diversidade religiosa", propunham uma visão obscurantista da fé cristã.
Eu só percebi tardiamente, mas, parando para pensar, notei o quanto aquele garoto que eu fui viu aquilo que só rendeu uma constatação nos últimos anos, após deixar a religião "espírita" em 2012.
"Bispos" e "médiuns", em aparente polaridade, disputavam o imaginário religioso, mas no fundo serviam de um mesmo diversionismo: desviar a atenção do povo diante das ações de setores progressistas da Igreja Católica, ferozes opositores da opressão ditatorial.
Eram como os saquaremas e luzias do século XIX. Os "bispos" eram os saquaremas, mais abertamente conservadores, e os "médiuns", os luzias, tidos como liberais, mas, na prática, não menos conservadores que os rivais. Os liberais eram só fachada, e havia quem os achasse progressistas e até libertários.
Só que, indo para os ensinamentos de Jesus Cristo, percebemos o quanto o "kardecismo" que no Brasil virou chiqueiro é tão perigoso quanto os "neopenteques".
O "kardecismo" trocou o Iluminismo de Kardec pelo obscurantismo da Teologia do Sofrimento, o "AI-5 com açúcar" que as esquerdas pensam ser a "Teologia da Libertação com a mão na enxada".
A maior propaganda dos "kardecistas" é uma suposta caridade tão fajuta quanto a de Luciano Huck, que rende mais aplausos do que transformações sociais. Coisa mais para promoção pessoal dos "médiuns" que querem ser glorificados pelo quase nada que fazem pelo próximo.
Jesus Cristo, em seu tempo, criticava os vendilhões do tempo e, por outro lado, os falsos sábios, falsos profetas e até falsos cristos com seus calvários de mentirinha do vitimismo religioso.
Só que as críticas aos vendilhões do templo, que hoje equivalem aos "neopenteques", eram mais raras. Praticamente, se volta para um episódio no qual, diante de uma sinagoga, Jesus fez barulho para chamar a atenção dos comerciantes, acusados de exploração financeira da fé humana.
As críticas mais duras e mais constantes registradas de Jesus Cristo iam contra os pretensos sábios, tidos também como falsos profetas.
Ou seja, se compararmos os alvos das críticas aos equivalentes contemporâneos, os maiores alvos das críticas de Jesus seriam os "kardecistas", marcados pela falsa sabedoria e pelo falso profetismo.
Volta e meia, o "médium de peruca", pioneiro em literatura fake - que deu em todos os episódios oportunistas e farsantes às custas do nome Humberto de Campos - , é lembrado por aquelas risíveis "profecias" que, com toda a certeza, Kardec teria reprovado com muito rigor.
Pior é que os "médiuns" se julgam "donos dos mortos", inventando "mensagens espirituais" que mais parecem mershandising religioso. Um horror.
As pessoas não percebem isso, e é triste saber que teremos que esperar vinte anos para que os "kardecistas" fossem desmascarados.
Afinal, levamos vinte e tantos anos para ver os "neopenteques" virando vidraça, porque eles também passaram um bom tempo sob intensa blindagem. Até pouco tempo atrás, nem o semiólogo mais apurado iria desconstruir o discurso neopentecostal, refugiando-se num confortável silêncio.
Hoje até as psicografakes repousam numa dúvida omissa e criminosa, que ofende a memória dos mortos sob a desculpa da "liberdade de crença": "Você tem o direito de crer ou não que tal espírito teria escrito esta obra".
Isso é terrível. Termos que aceitar essa omissão criminosa, pois os mortos deixam de ser eles mesmos, a individualidade deles não vale mais, eles nos deixaram para serem marionetes de "médiuns" farsantes?
Em nome da fé cristã, se deixa que um falecido perca sua propriedade intelectual e que oportunistas façam do finado sujeito gato e sapato, rebaixado a um garoto-propaganda da "fé espírita"?
Daí que estamos diante de um novo perigo, muito pior do que os "neopenteques", por mais que reconhecemos e busquemos combater o perigo atual. Não sejamos prosaicos no maniqueísmo diário, novas armadilhas estão na frente, mesmo depois das piores armadilhas que conhecemos.
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