Não sei em que país vivo, porque, vendo as redes sociais e a mídia, deparo com mil barbaridades.
Um artigo de Pedro Antunes, que até estava começando a gostar, por ser um dos poucos a fazer críticas à "vaca sagrada" do rock Guns N'Roses, sobre MC Fioti se soma à infinidade de textos entre vitimistas e chorosos que passam o pano na mediocridade do "funk" em geral.
Já estava preparado para aceitar que o referido colunista do UOL não seria um oásis nessa erosão intelectual em que vive o Brasil.
Preciso manter-me atento. Afinal, vou fazer 50 anos em março (isso mesmo, 50 anos) e é a partir dos 50 que boa parte da humanidade precisa tomar cuidado para não ficar fazendo m****, como muita gente pós-50 anda fazendo.
Paciência. A adolescência vem com tudo depois dos 50. E tanto empresário um pouco mais velho do que eu, com 52, 53, 55 anos, perguntando demais aos filhos de 17 anos em média a respeito do ENEM, que fica a impressão que esses pais é que querem fazer essas provas e não seus rebentos.
Os cinquentões de hoje estão muito mais próximos a clones sênior de Justin Bieber e Britney Spears do que de nomes como Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector.
Tenho que ficar esperto porque vivemos a época das reviravoltas. Nunca iria imaginar que Andressa Urach seria mais admirável do que muita atriz "espiritualizada" ou hedonista-tatuada.
Vivemos um período de loucura, loucura, loucura no nosso Brasil cujas esquerdas acham que Lula será eleito em 2022 mas elas mesmas agem para que Luciano Huck seja eleito presidente do Brasil.
Se as esquerdas médias, domesticadas e mainstream, são capazes de aderir ao Baleia Rossi, quanto mais ao marido de Angélica, bem mais de acordo com o cotidiano espetacularizado e identitarista-festivo em que elas vivem.
É uma realidade tão surreal que, na minha caminhada ontem em Niterói - cidade da qual irei me despedir em breve - , estava um quiosque tocando a dublê de rádio rock, a Rádio Cidade.
Parei para tirar uma média. Estava tocando "Cena de Cinema", do Lobão, e aí o locutor partiu para uma gracinha.
O locutor não era o Demmy Morales, com seu estilo "ágil" que lembra o Emílio Surita da Jovem Pan, era outro com voz mais macia como naquelas rádios pop convencionais dos anos 1990.
O cara foi falar "tiru-lilu-li-ouou", numa gracinha só para explicar que quem canta essa parte é a cantora Marina Lima, que participa da canção do Lobão assim como Lulu Santos, um dos guitarristas da canção.
O radialista saiu do armário, assumiu as gracinhas de locutorzão pop, mesmo quando a nação de incautos, apostando no Efeito Forer (mania de ver diferença onde não existe), pense que o locutor da Rádio Cidade é um "roqueirão da pesada".
Que os locutores da Rádio Cidade não têm conhecimento de causa de rock, isso é verdade, embora muitos não admitam. Se até os órfãos da Fluminense FM estão passando pano na canastrice radiofônica da Cidade, fazer o quê, né?
Tanta mediocridade que é só elogios. No país do gado digital, é tanta "vaca sagrada" que as redes sociais, em parte, lembram touradas, você tem medo de ser cabeceado por um dos "bois" (ou boys, agora que passamos a falar portinglês) e o efeito manada do resto da boiada virtual.
Você não tem a que recorrer. A gente vê pessoas gabaritadas, de jornalistas investigativos a professores de semiótica, de engenheiros eletrônicos a cientistas políticos, que em dado momento sempre vivem seu momento flanelinha, passando pano em alguma barbaridade.
Vivemos a era da espiral do silêncio. Creio que, entre alguns homens esclarecidos, essa flanelização seja um esforço de sobrevivência para não ser cancelado na Internet.
A gente vê o quanto Régis Tadeu dá a cara a tapa ao mostrar seu senso crítico, sendo uma das vozes contrárias ao "funk" e à idiotização musical brasileira.
Porque é difícil provar às pessoas, hipnotizadas pela Disneylândia suburbana que o imaginário funqueiro apresenta em seu discurso, da mediocridade musical do gênero.
Ver "pérolas" como no texto de Pedro Antunes, como o tal "suco de Brasil" e a citação do comentário da Mídia Ninja, é de preocupar.
Escreveu a Mídia Ninja, no Twitter:
"O clipe do funk que se tornou hino da vacina produzida no Brasil pelo Instituto Butantan ganhou uma versão remix gravada com os próprios funcionários e nas instalações do instituto. Viva a ciência brasileira, viva a criatividade e a cultura brasileira!".
A música é ruim pacas, mas foi Pedro Antunes dizer que é "o hino da vacina que precisávamos".
No passado, muitos torciam o nariz para o som bubblegum dos anos 1960. Vi isso nos anos 1980 e até cheguei a surfar nessa onda contestatória, até mais ou menos meados dos anos 1990.
No entanto, revi os valores ao ver que há bubbleguns - e, em certos casos, bubbleguns e bubbleroses - muito piores, bem menos talentosos (se é que se considera haver talento aí) e infinitamente muito mais pretensiosos.
Nem mesmo um maçante solo de 30 minutos de um baterista de rock progressivo consegue competir, em pretensão, com toda a retórica em favor do "funk", às vezes triunfalista, às vezes coitadista.
Sabe-se que todo esse papo-cabeça do "funk", que soa como mel na boca daqueles que adoram esse contexto lacrador-identitário-festivo de hoje, só vai ser reconhecido como um porre pelas futuras gerações que não caem nessa onda "livre" que se vê hoje.
Afinal, hoje em dia tudo é "moderno": Rádio Cidade, do RJ, tocando algum rock, a "tradição" anual do Big Brother Brasil, as "profecias" do "médium de peruca", as tatuagens da Aline Riscado, o "funk" no seu conjunto da obra.
É um admirável mundo novo no qual Otávio Frias Filho, postumamente, é convertido no Willy Wonka brasileiro. Ou, se não ele, pelo menos o Luciano Huck.
E isso com a patota identitário-festiva que lacra as redes sociais falando mal dos mestres.
Fácil falar mal da Jovem Pan, do Luciano Huck, de Fausto Silva, de Galvão Bueno, da Rede TV! e, agora, de Jair Bolsonaro, mas se seguir tudo o que eles dizem, fazem e acreditam, é como se desse apoio fanático a qualquer um deles.
De que adianta falar mal da Jovem Pan, de Tutinha, achar Emílio Surita um "escroto", se, ao falar gírias como "balada" (©Jovem Pan), se está falando a gíria dessas pessoas/instituições "detestáveis"?
Mas é a psicologia do lacrador digital. Ele fala mal do mestre, para evitar algum vínculo no caso de seus ídolos de ocasião virarem "vidraça". Ninguém quer embarcar em navio furado.
Em contrapartida, inverte-se a galeria de ídolos. Daí ter sido fácil, como se viu em 2005, os reaças das redes sociais bancarem os pseudo-esquerdistas. Bajulavam Lua e Che Guevara mas tinham ideais macartistas. Diziam abominar o imperialismo mas só consumiam marcas estrangeiras.
Nas esquerdas médias, o comportamento debilitado é semelhante. Falam mal de fake news, mas apoiam psicografakes de "médiuns gabaritados" que prometem a paz mundial e a liderança do Brasil no "concerto das nações".
Da mesma forma, odeiam tolices bolsomínions, mas juram que "Xibom Bom Bom", sucesso de As Meninas, é inspirado em O Capital, de Karl Marx.
E defendem o patrimônio brasileiro contra os predadores estrangeiros, mas já assimilam o portinglês no seu vocabulário, falando em boys, pets, vibes, games e na expressão bullying, sem equivalente brasieliro em português (apesar do meu proposto termo "valentonismo").
É porque o tal "búlim" ou "bálim" é o fenômeno que muitos pensam ter sido inventado no Estado de Colorado, nos EUA. Como se não houvesse humilhação de valentões contra outros estudantes no Brasil. Eu, por exemplo, fui vítima desse tal bullying, na infância.
Mas o Brasil é um país puro, ingênuo, um paraíso de Adão e Eva. Aqui nunca houve bullying e os valentões que gracejavam dos colegas por pouca coisa é que são os "nerds" que ostentam seus músculos enquanto manuseiam joysticks dos tais games nos Campus Party da vida.
Não temos "médiuns" charlatães, não temos comercialismo musical e a objetificação do corpo feminino é sinônimo de "empoderamento feminino".
Nosso comercialismo musical é até beneficiado pela inversão de valores. Ruim é a música anti-comercial, com artistas de verdade brigando por royalties de composições e gravações de discos.
Bom é o ídolo comercial fabricado pela indústria fonográfica, que "lutou para chegar ao sucesso" e embarca numa campanha social lacradora, sendo "autor" de uma música composta pelos seus empresários e produtores para receber por copyright e não por encargos trabalhistas.
Os membros do Boca Livre brigam à distância dos cenários lacradores e a esperança da música brasileira está no MC Fioti, um genérico dos MC Guimê, MC Kevinho, MC Brinquedo e outros que foram passados para trás com o fim de cada onda.
Agora o MC Fioti, o "muso" do verão lacrador, virou a "salvação da humanidade".
Talvez nem precisamos tomar a Coronavac, não é mesmo? É só ouvir "Bum Bum Tan Tan", que aí a Covid-19 desaparece e o coronavírus não atrapalha nossas vidas, não é mesmo? E depois é só ir ao "baile funk" sem máscara e mergulhar na aglomeração, e tudo bem.
Se criticar, o bom samaritano do senso crítico será acusado de "preconceito".
E, para todo caso, agora Oswaldo Cruz deve ser incluído nos bodes expiatórios da bregalização musical, somando-se aos famigerados Oswald de Andrade, Gregório de Matos e Chiquinha Gonzaga.
E muita gente passando pano na mediocridade reinante e, com muita alegria, "tomando no cool" com tudo isso. Um suco de Brasil preparado no Caldeirão do futuro presidente Luciano Huck.
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