Pular para o conteúdo principal

DECLARAÇÃO DE BONI SINALIZA "AXÉSIZAÇÃO" DO "FUNK


A declaração do ex-executivo da Rede Globo e hoje membro do Conselho de Turismo da Prefeitura do Rio de Janeiro, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, é ilustrativa sobre o risco do "funk" se tornar uma "monocultura" carioca à maneira da axé-music na Bahia.

"Trio elétrico no Carnaval é um problema grave. Nas ruas e até no sambódromo. Em alguns camarotes, o público fica de bunda para o desfile dançando funk", disse o empresário, defendendo a preocupação dos espaços do samba no Rio de Janeiro.

A declaração sinaliza para os planos de hegemonia do "funk" na música do Rio de Janeiro.

O "funk" adotava um discurso pseudo-ativista, como a axé-music em outros tempos.

Mas isso sempre ocorreu no hit-parade do pop comercial, que nos EUA se iniciou com a apropriação do discurso dos movimentos negros da primeira metade dos anos 1960.

Na Bahia, o discurso era em relação à negritude e à baianidade, pretextos para um comercialismo voraz que, monopolista, ia contra as causas que devia defender.

Aos poucos a axé-music se transformou num engodo que misturava pop comercial dançante dos EUA e pastiches de ritmos caribenhos.

E, no caso do "pagodão", o que havia era uma demonstração de racismo e machismo explícitos.

Grupos do cenário pós-Tchan promoviam uma imagem depreciativa do negro, visto como um misto de bobão e tarado.

O machismo era expresso em jargões como "madeirada", "tapa na cara", "toma, toma", que sugeriam violência contra a mulher.

A axé-music estabeleceu um monopólio cultural que sufocou a Bahia durante anos.

Tinham que haver escândalos como o do New Hit, acusado de estuprar duas fãs, ou a degradação do mercado de trabalho (vide o Plano Temer) de músicos de apoio dos ídolos da axé-music.

Havia até a temível pejotização, a mesma praga contida no projeto da terceirização generalizada do governo Temer, que tiveram denúncias de prática nos blocos de Ivete Sangalo e Asa de Águia.

Isso queimou a reputação dos ídolos da axé-music, hoje em descrédito depois de anos bancando os "reis do pedaço".

Salvador está se revendo, avaliando o antigo provincianismo de décadas, repensando sua urbanização, buscando melhorar sua qualidade de vida e até a mobilidade urbana.

Até o baronato midiático das FMs politiqueiras está sendo posto em xeque, em que pese o tendencioso Mário Kertèsz embarcar numa possível reabilitação do ex-presidente Lula.

Evidentemente, a capital baiana ainda não atingiu padrões escandinavos de qualidade de vida, mas pelo menos oferece vantagens como ar menos poluído, um mercado alimentício variado, várias opções de turismo e lazer.

O Rio de Janeiro, falido financeiramente e desgastado politicamente, tende também a sofrer uma longa crise social.

Pelo conservadorismo pragmático que os cariocas passaram a ter a partir de 1990, o Rio viveu o carlismo baiano (do falecido Antônio Carlos Magalhães) em doses homeopáticas.

Do populismo de ACM, o Rio teve Eduardo Paes, que também personificou o aparente desenvolvimentismo urbano.

Do ambicionismo, o Rio teve Sérgio Cabral Filho.

Da truculência política, o Rio elegeu o deputado Eduardo Cunha, hoje preso por corrupção.

Da catarse carismática, o Rio elegeu Jair Bolsonaro.

Do "caciquismo político", o Rio teve César Maia, cujo rebento Rodrigo anda a querer rasgar a CLT lá em Brasília.

E agora o Rio de Janeiro, com seu "carlismo" fragmentado e em frangalhos, terá a "axésização" do "funk carioca", que também teve seu discurso coitadista diferente do da axé-music, e até mais persuasivo.

O "funk" é muito comparado com o "pagodão" baiano (É O Tchan, Harmonia do Samba, Psirico, Parangolé etc).

Seja pelo sensualismo grosseiro, seja pelo machismo, seja pela glamourização da pobreza.

E aí se fala de colocar trios elétricos de "funk" no Carnaval carioca, a queixa dada por Boni.

É um desejo dos empresários do entretenimento que isso aconteça, juntamente com a mercantilização do Carnaval de rua.

O Carnaval de rua e os eventos popularescos já fazem a fortuna de Jorge Paulo Lemann, o dono da Ambev e o homem mais rico do Brasil.

A tão prometida volta da espontaneidade popular deu lugar a um consumismo voraz de cerveja e sexo.

Que será reforçada com o "funk" nos trios elétricos, transformado em uma axé-music à carioca.

E que será a consagração da monocultura funqueira - que só permitirá espaço concorrente para o "sertanejo" - num Rio de Janeiro em crise generalizada.

Crise financeira, política, policial, institucional, social, cultural.

E já se afirma que o Rio de Janeiro terá dez anos de dificuldades financeiras.

Isso pode criar efeitos sociais devastadores, uma decadência social que durará ainda mais anos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

O ETARISTA E NADA DEMOCRÁTICO MERCADO DE TRABALHO

É RUIM O MERCADO DISCRIMINAR POR ETARISMO, AINDA MAIS QUANDO O BRASIL HOJE É GOVERNADO POR UM IDOSO. O mercado de trabalho, vamos combinar, é marcado pela estupidez, como se vê na equação maluca de combinar pouca idade e longa experiência, quando se exige experiência comprovada em carteira assinada até para coisas simples como fazer cafezinho. O drama também ocorre quando recrutadores de "oficinas de ideias" não conseguem discernir reportagem de stand up comedy  e contratam comediantes para cargos de Comunicação, enganados pelas lorotas contadas por esses humoristas sobre uma hipotética carreira jornalística, longa demais para suas idades e produtiva demais para permitir uma carreira paralela ou simultânea a gente que, com carreira na comédia, precisa criar e ensaiar esquetes de piadas. Também vemos, nos concursos públicos, questões truncadas e prolixas - que, muitas vezes mal elaboradas, nem as bancas organizadoras conseguem entender - , em provas com gabaritos com margem de

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document