É preocupante a capacidade das pessoas se submeterem ao vocabulário trazido pela mídia venal.
Isso ocorre no Brasil desde os anos 1990, época de inauguração da Idade Mídia, da sociedade hipermidiatizada na qual as pessoas acham que o poder midiático se compara ao ar que respiramos.
O jornalista britânico Robert Fisk falava das "palavras do poder", o que eu defino como "vocabulário do poder".
Trata-se de um processo similar ao que George Orwell já havia descrito na sua obra de ficção 1984.
Ele falava da "novilíngua", que era o que os tiranos da Oceania, a grande nação fictícia do referido livro, conceberam para empobrecer o vocabulário e tornar a linguagem humana menos diversificada e mais voltada aos mecanismos de poder.
No seu contexto de jornalismo político, Robert Fisk falava do "vocabulário de poder" através dos mecanismos linguísticos trazidos pela mídia estadunidense.
Só que, no Brasil, nem as esquerdas perceberam que a "novilíngua", o "vocabulário do poder", atuava no âmbito da cultura.
Presas à abordagem economicista e politicista, as esquerdas cometeram o gravíssimo erro de ver na Cultura um terreno de pureza e naturalidade.
Não imaginavam que as piores manipulações estavam no âmbito da cultura. Achavam que o poder midiático só manipulava as pessoas com noticiários e, quando muito, com esquetes humorísticas.
Iludidas com a aparente liberdade do "popular demais", as esquerdas morderam a isca, perderam o protagonismo, deixaram Dilma Rousseff cair e Jair Bolsonaro ser eleito, viram a mídia alternativa quase falir e perderam o Ministério da Cultura e a Lei Rouanet.
No âmbito da linguagem, muitos acreditam que as imposições linguísticas são "tão naturais" quanto o ar que respiramos.
Tem esquerdista que fala:"mas minhas amigas, meus amigos todos, eles falam a gíria 'balada' e nem por isso concordam com as imposições da Jovem Pan e do fenômeno Luciano Huck".
Quanta ingenuidade. Se alguém não concorda com o poder midiático mas fala seus dialetos, isso em nenhum momento significa que esses dialetos vieram com o vento.
Muitos dos valores do poder midiático tocam nos instintos das pessoas, que assimilam tudo naturalmente, e, na sociedade hipermidiatizada em que vivemos, mesmo os esquerdistas mais empenhados não estão livres de falar o "idioma" da mídia venal.
A cultura, no Brasil, é alvo de armadilhas das mais sutis, mas muitos não conseguem ver sutilezas.
Atualmente, a grande manobra é a "americanização" gradual de nossa língua.
Hoje temos expressões em português que estão dando lugar a termos em inglês.
Animal doméstico, por exemplo, virou pet. Jogos eletrônicos viraram games.
Bicicleta virou bike. Boas energias viraram vibe. Apartamento virou flat.
Bullying continua sem termo oficial em português, como se fosse um fenômeno estrangeiro.
E não é estrangeiro. Ele tem casos tipicamente brasileiros, há décadas e décadas. Até eu fui vítima dessa humilhação na infância, e fui vítima de campanhas similares nas redes sociais.
Quando era criança e adolescente, eu chamava bullying de "implicância". Hoje substituo por "valentonismo", porque "implicância" é um termo muito vago.
Já divulgo o termo "valentonismo". Mas não sou Luciano Huck, que é capaz de influenciar até uma parcela de seus detratores com sua influência e seus valores.
A expressão "valentonismo" é mais usada em espanhol. Fala-se até em "valentonista". Mas aqui o barbarismo impera e não há como ficar monitorando toda a mídia a trocar bullying por "valentonismo".
Propus até mesmo o termo "valentonismo digital" e "cibervalentonismo" para cyberbullying. Só que não tem jeito, o pessoal (ou galera, na "novilíngua brasileira").
Hater também é outro problema. Temos a opção "odiador", e uma vez o Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, citou o termo em português.
Mas o pessoal ainda odeia falar "odiador". Preferem o termo gringo. Como o brasileiro tem obsessão em parecer californiano.
Infelizmente, poucos percebem essa servidão linguística a que facilmente se rendem.
Acham que tudo é natural porque o amigo A, a amiga B, os amigos CDEF falam.
Não, não é. Ela vem de veículos da mídia empresarial, que inventam jargões, importam termos em inglês e despejam tudo isso como se fosse uma linguagem moderna.
Mas não é. O vexame da gíria "balada" é ilustrativo, foi um teste para notar o grau de submissão dos jovens ao poder midiático.
Como os jovens mergulharam de cabeça nessa "novilíngua", a gíria "balada" foi um ponto de partida para a manipulação mental dos jovens que os fez aderirem ao bolsonarismo.
E é esse o grande perigo. O que a mídia venal inventa em linguagem, as pessoas aderem servilmente, como num efeito manada. O gado se pega pela língua.
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