Na semana passada, quando houve a votação da Reforma da Previdência, destacou-se o voto da "progressista" e "esquerdista" Tábata Amaral.
Apesar de "moderna", ela votou, junto a alguns colegas do PDT estranhados com sua bandeira trabalhista, a favor dessa proposta que faz os pobres perderem o direito de se aposentarem.
Ou seja, o voto dela, apesar de jovem, atraente e com um discurso envolvente que a faz parecer arrojada, se dirigiu contra os direitos das classes populares poderem ter sua aposentadoria integral, justa e sem ter que trabalhar demais durante muito tempo.
Tábata, chamada de "deputábata" e "tatibitábata", se destaca por ser uma suposta ativista social e símbolo de uma "nova" geração de políticos-ativistas amestrada pelo Renova BR, Agora e outros grupos empresariais de treinamento de futuras "lideranças".
Tábata Amaral, de 26 anos - a idade da Anitta - , é o símbolo desse "ativismo" de fachada, desse "humanismo" de resultados que eventualmente ilude uma considerável parcela da sociedade.
Mas, pela primeira vez, ela também é considerada um símbolo do pretenso esquerdismo, o que faz as forças progressistas se prepararem para resistir a cantos de sereias.
Em outras ocasiões, armadilhas da centro-direita seduziam os esquerdistas por conta de paradigmas supostamente modernos e humanistas.
Tivemos os "médiuns espíritas", religiosos que viraram dublês de ativistas e filantropos, e que viraram "progressistas" por praticamente nada, só porque apareciam ao lado de pobres sorridentes.
Tivemos o "funk", ritmo apadrinhado pelas Organizações Globo, que também apostava na glamourização da pobreza, que as esquerdas, iludidas, pensaram ser a "genuína alegria do povo pobre".
Por um lapso de consciência, os esquerdistas achavam que o Espiritismo do Brasil era "progressista" porque, apesar do seu conteúdo medieval, prometiam uma vida melhor após a morte ou na próxima encarnação.
Só prestaram atenção na palavra "vida melhor" mas esqueceram que os "nossos espíritas" defendem que a vida presente seja a pior possível.
O "médium de peruca" (que me recuso a dizer o nome, pois dá mau agouro) foi o Aécio Neves, o Sérgio Moro, a Tábata Amaral do seu tempo, e, defensor da ditadura militar, dela recebeu apoio para ser considerado "símbolo da fraternidade do Brasil", uma falácia bem engenhosa.
Essa falácia fez desse conhecido ídolo religioso, morto num dia de glória para os corruptos da CBF, ser admirado pelas esquerdas, mesmo com um reacionarismo de fazer bolsomínion ficar de queixo caído.
É só ler os livros e depoimentos desse "médium". Muitos não admitem, mas seu conteúdo se encaixa perfeitamente no projeto político de Jair Bolsonaro ou, na melhor das hipóteses, de Aécio Neves.
Tinha de tudo: da reforma trabalhista - com o direito de definir o "livre acordo" entre patrões e empregados como um "acordo fraterno regulado, agora, somente por Deus" - à cura gay ("os homossexuais merecem absoluto respeito, mas sofrem confusão mental pela reencarnação).
E ainda houve gente chamando o "médium" de "comunista" porque ele aparecia ao lado de crianças pobres e doava seus livros "mediúnicos" - verdadeiras peças de literatura fake das mais grosseiras - para "instituições de caridade".
E o "funk"? O "funk" precarizou a música brasileira, veio com esse discurso de "movimento das periferias" que vendia uma falsa imagem libertária que chegou a ser um quase consenso entre as esquerdas.
Mas, por trás disso, o "funk" praticava até mesmo a pejotização e a precarização do mercado de trabalho, bem antes de Michel Temer.
Por sorte, os MCs faturavam alto nas suas apresentações. Mas a verdade é que eles tinham condições de trabalho bastante precárias.
E o "funk", além disso, tinha um discurso de glamourização da pobreza e um estranho ufanismo das favelas que pode esconder uma perigosa armadilha.
Suspeita-se que, com esse discurso, a ideia é prender o povo pobre, negro e mestiço, nas favelas para depois a polícia sair atirando a esmo, exterminando o povo.
Afinal, o "funk" nunca quis defender valores humanistas de verdade, que são aqueles que pregam a dignidade para as classes populares.
Seu discurso foi sempre o da glamourização da pobreza, da apologia da miséria, da ignorância, do machismo, da objetificação do corpo feminino travestida de "feminismo".
Retomando a abordagem da intelectualidade "bacana", um texto sobre Tati Quebra-Barraco apelou para a tese da hipersexualização do corpo feminino como um "feminismo melhor do que o de Simone de Beauvoir".
É aquela visão das intelectuais de elite, das "pensadoras libertárias" de condomínios de luxo, que acham que feminismo, nas classes pobres, tem que ser o da mulher-objeto.
Isso é um grande contraste, que as esquerdas engoliram ingenuamente.
Nas classes mais abastadas, a mulher transforma o corpo num patrimônio privado. Seu discurso é contra o assédio sexual e a erotização.
Mas quando se trata do chamado "povão", o discurso vai para a falácia da "liberdade do corpo", com as mulheres achando que as redes sociais são o quarto de sua casa, e a Internet o espelho de seu armário.
Aberrações como Mulher Melão, a musa dos bolsomínions, seguem essa lógica da objetificação do corpo feminino mascarada de "empoderamento" mas que só serve para o voyeurismo de um bando de machistas afoitos.
E ainda temos o fanatismo pelo futebol, um esporte cada vez mais afinado com o golpismo político, que fez com que Neymar driblasse o pensamento desejoso dos esquerdistas mais ingênuos e admitisse apoio a Aécio Neves e Jair Bolsonaro.
Recentemente, Neymar foi envolvido num escândalo tipicamente machista que o lobby que cerca o jogador tenta abafar.
LUCIANO HUCK "ENVELHECIDO" PELO APLICATIVO VIRTUAL FACE APP. OU NÃO SERÁ ESSA A SUA IMAGEM OCULTA EXPRESSA POR SUAS IDEIAS?
E as esquerdas caíram nas armadilhas dessa "Disneylândia" do falso progressismo: "médiuns espíritas", funqueiros, mulheres-objetos, craques de futebol.
Só que as esquerdas não sabem, elas acabam corroborando aquele que apoia ou promove tudo isso: o apresentador Luciano Huck.
O apresentador, que já foi uma espécie de Amaury Júnior teen com trejeitos de João Dória Jr., é o símbolo do neoliberalismo com pretenso acento ativista.
Trata-se de uma espécie de "empreendedorismo social" que traz um verniz supostamente moderno.
Mas não a ponto de soar algo verossímil para os esquerdistas.
O problema é que as esquerdas mergulharam nas pautas apoiadas por Huck, sem saber do seu apoio e iludidas com algum caráter supostamente libertário, humanista ou futurista.
Huck foi visitar o tal "médium" no fim da vida e depois foi ver o filme biográfico dele. E fez uma edição do Lata Velha na terra natal do mesmo.
Huck tornou-se "embaixador do funk" e contribuiu decisivamente pela sua popularização.
Huck promoveu a objetificação do corpo feminino, propôs oferecer mulheres brasileiras para se casarem com gringos.
E Huck é "amigo de infância" de Neymar Jr. e se divertiu muitas vezes ao lado do craque.
E agora é Huck um dos padrinhos de Tábata Amaral, junto a figuras como Nizan Guanaes e Jorge Paulo Lemann (dono da Ambev), este o patrocinador da jovem parlamentar.
Depois de tantas quedas em armadilhas bem montadas, as esquerdas pelo menos não se iludem com a figura de Tábata Amaral e seu discurso liberal travestido de progressista.
Só que é muito fácil, ainda, manter reservas em relação a uma mocinha que parece vinda de uma universidade privada, de algum grêmio estudantil moderadamente conservador.
É um grande avanço, depois que as esquerdas se enganaram com a falácia pró-brega do "combate ao preconceito", que Pedro Alexandre Sanches, ícone da centro-direita fantasiado de "bom esquerdista", tentou empurrar para a mídia alternativa.
Tudo o que esse "combate ao preconceito" fez foi afastar o povo pobre da mobilização social e prendê-lo no consumismo do entretenimento grotesco da mídia oligárquica e seus ídolos bregas, funqueiros, breganejos etc.
E isso permitiu criar as condições para o golpe político de 2016 e, ironicamente, para a intelectualidade "bacana" perder sua boquinha com a Lei Rouanet (sim, havia gente querendo parasitar as verbas oferecidas pelo Ministério da Cultura).
As esquerdas morderam a isca e caíram nas armadilhas culturais, incluindo religião e esporte, que a centro-direita armou para elas.
Agora, com as lições aprendidas - embora não houvesse um mea culpa de esquerdistas arrependidos por apoiar "médiuns" reacionários, ligas de "cabos-anselmos" do "funk" e "mulheres-frutas" machistas - , não se tenta considerar Tábata Amaral um símbolo de um novo esquerdismo.
Ela é o primeiro indivíduo testado pelo movimento Renova BR para defender ideias neoliberais mescladas com ideias aparentemente progressistas de caráter social-identitário.
E seu voto a favor da Reforma da Previdência, que ela alega ter feito "por convicções pessoais" e "pensando no Brasil", é ilustrativo disso.
Mas será que, se ela publicasse "psicografias", balançasse o "popozão" e batesse um bolão, as esquerdas manteriam esse desconfiômetro?
Seria bom as esquerdas reverem seus valores, diante de sua impotência em frear a retomada conservadora vigente desde 2016.
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