No cinema, na música pop e no rock, houve casos de pessoas consideravelmente talentosas que fazem sucesso e deixam a fama subir à cabeça, fazendo com que o antigo talento se perca diante de arrogância e vaidade.
Na política, isso também ocorre. E estamos vendo Lula se iludir com a fama e popularidade e, embora ele peça para seus parceiros não ficassem "de salto alto", o ex-presidente e presidenciável é o primeiro a desobedecer o conselho que ele dá aos outros.
Lula está sofrendo de arrogância, impondo seus planos nada estratégicos e muito precipitados de se aliar com forças divergentes e forçando até mesmo parte do PT que não apoia essa empreitada a aceitá-la.
Lula não está sendo competitivo e a campanha presidencial ainda não começou e o petista há tempos chama a Terceira Via de "derrotada".
Isso não se faz. Mesmo que uma pessoa se considere a melhor, ela não tem o direito de desqualificar seus concorrentes, ainda mais antes do início da disputa.
O que Lula disse, ontem, em uma entrevista a uma rádio de Tocantins, que não crê na Terceira Via.
Disse ele:
"Não acredito que surja terceira via. Acho que vai ser uma eleição polarizada, mas a gente não tem que ter medo da polarização. Tivemos um jogo polarizado entre o Flamengo e o São Paulo domingo, entre o Liverpool e o Manchester City, na Inglaterra".
E mais:
"A polarização existe sempre que tem duas pessoas disputando, dois times jogando, dois países em conflito. É preciso que a gente dê para o povo o que está em jogo: a recuperação e a reconstrução do Brasil, a volta da democracia, da tranquilidade, cultura, educação, desenvolvimento científico".
Essa conversa de desqualificar a Terceira Via cria uma perspectiva maluca nas esquerdas médias: a de um primeiro turno presidencial com gosto de segundo turno, com terceiro-viáveis reduzidos a birutas de postos de combustíveis.
E aí temos a pedra no sapato do projeto de Lula: a vice-presidência de Geraldo Alckmin.
Na mesma entrevista à rádio tocantinense, Lula defendeu o ex-tucano, sem dar explicações consistentes:
"Eu acho que o Alckmin vai ser um vice excepcional. Tem experiência e governou o estado de São Paulo. É um homem que vai ajudar a consertar esse país. Estou convencido que ele será um extraordinário vice".
Sobre as comparações com o antigo vice dos outros mandatos, o falecido José Alencar, Lula disse:
"Não vou fazer comparação entre Alckmin e José Alencar, porque o José Alencar era uma pessoa muito especial na minha vida. Mas tenho certeza que o Alckmin vai me ajudar a fazer esse país voltar a crescer e voltar a ser feliz".
Não houve uma explicação objetiva a respeito disso. Somente desculpas de caráter subjetivo.
A mídia progressista também não ajuda, assim como gente aliada de Lula, que, desavisada, defende a aliança com Alckmin sem dar uma justificativa fundamentada.
E é gente que costuma fazer comentários consistentes em outros momentos.
Vejamos o jornalista Joaquim de Carvalho, do Brasil 247 e do movimento Jornalistas pela Democracia:
"As críticas virão, e essa é uma fragilidade, um problema. Agora, preste atenção, aquele que começar a criticar muito o Alckmin, não é porque ele/ela está querendo defender mais democracia e a integridade da classe trabalhadora. Tem que ter integridade da classe trabalhadora, e a ação tática hoje é apoiar a chapa do Lula. O Lula escolheu o Alckmin, trabalhou para isso. Quem começar a criticar muito o Alckmin não está defendendo a classe trabalhadora. Não está. É parecido com uma guerra, onde você defende a sua soberania, mas tem um cara do lado enchendo o saco, falando que o outro que está de fuzil não era para estar ali. O outro está atirando também. Quem está errado? Cuidado com estes. Em uma guerra, mais importante que atacar o adversário é saber quem está do seu lado na trincheira, já dizia Hemingway".
Joaquim não deu uma explicação convincente e entrou em contradição quanto a diminuir a importância de "atacar o adversário", pois há dois problemas.
Um é que uma das metas da aliança Lula-Alckmin é justamente a de derrotar Jair Bolsonaro. Outro é que os novos aliados de Lula foram justamente os que condicionaram a ascensão de Bolsonaro, depois de implantar uma pauta de retrocessos político-econômicos que Lula pretende, em tese, cancelar.
O diplomata Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa nos governos do PT, acredita que Lula e Alckmin "tenham cada vez mais agendas comuns". Celso declarou:
"Quanto mais Lula e Alckmin aparecerem juntos, melhor. O capital financeiro internacional vê nessa aliança uma perspectiva de estabilidade".
Esse é o problema. Se o capital financeiro vê estabilidade nesta aliança, como será possível recuperar os direitos dos trabalhadores, o poder de compra do povo e a revitalização das atribuições do Estado em servir ao povo brasileiro?
Leonardo Stoppa, também jornalista, que havia dito que Geraldo Alckmin fez um "ato heroico" ao "sair do partido dos ricos para apoiar um projeto popular", também acredita que o ex-tucano convencerá o empresariado a ceder às reivindicações trabalhistas:
"Alckmin pode assumir o diálogo com os empresários e explicar que sem salário digno e sem direitos trabalhistas não tem mercado de consumo".
O problema é que o empresariado que patrocinou o golpe político de 2016 agiu para implantar retrocessos trabalhistas e está pouco se lixando com o mercado de consumo, pois boa parte desses empresários é rentista e vive de suas fortunas depositadas em paraísos fiscais no exterior.
São tentativas de argumentações que não chegam a ser convincentes. Elas não têm caráter técnico e muito menos objetivo, sendo apenas impressões de pensamento desejoso, diante da confiança cega em Lula.
A direita moderada fez o golpe político de 2016 e não vai largar o osso. Ela decidiu apoiar Lula mais para conter seus impulsos de ousadia, sendo o empresariado e os políticos "centristas" um freio para boa parte do projeto de Lula.
Lula vai querer revogar a reforma trabalhista, o teto de gastos e as privatizações, e não vai conseguir. Seus "novos amigos" não o deixarão.
E isso será certo, no seu mandato. Falar é fácil. É muito fácil acreditar que Lula vai convencer o empresariado e os políticos de centro-direita (incluindo MDB e PSDB) a seguir a agenda petista, dizendo que é "em favor do Brasil".
Mas a tradição de nossa burguesia, que herdou uma linhagem surgida da ganância predatória dos colonizadores portugueses e se seguiu por quase quatro séculos de defesa escancarada do trabalho escravo, não quer saber de arroubos de altruísmo.
Para os mais ricos, dane-se o Brasil, o que eles querem é preservar a fortuna que acumularam nos sete anos entre a crise política do governo Dilma Rousseff em 2015 e a flexibilização da pandemia no fim do ano passado, favorecendo um enriquecimento extremamente abusivo em tempos distópicos.
Como é que Lula vai convencer esses magnatas de que é preciso olhar para o povo brasileiro?
Dificilmente Lula conseguirá, mesmo com toda negociação. E seu governo terá que se dar em níveis bastante conservadores, dando muito pouco para os pobres e tirando quase nada dos ricos, que continuarão ganhando mais.
Lula não sabe o caminho perigoso que escolheu percorrer. E, tomado por sua arrogância, Lula acha que pode tudo e que só vê o seu lado, polarizado com as decadências de Sérgio Moro e Jair Bolsonaro.
Atitudes assim podem revelar imprevistos desagradáveis, para não dizer trágicos.
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